O casamento de Dona Baratinha

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O cenário era de telenovela: o Copacabana

Palace, na Avenida Atlântica, o mais clássico de todos os hotéis

de luxo do Rio de Janeiro. Os nomes das personagens também pareciam

saídos da cabeça de um roteirista da Globo: Dona Baratinha e O Rei

dos Ônibus. E o acontecimento, claro, já foi filmado e refilmado

milhares de vezes na ficção brasileira: um casamento.

Pois, o casamento da Dona Baratinha no

Copacabana Palace foi de telenovela. Lá dentro, a noiva, Beatriz

Barata (daí a alcunha) chorava de deceção, não de emoção, no

ombro do avô, Jacob Barata, o tal Rei dos Ônibus, maior patrão do

ramo dos transportes coletivos cariocas.

Do lado de fora, milhares de manifestantes

reclamavam contra a opulência da festa, que de barata só teve o

nome da família da noiva - custo de mais de 750 mil euros e 1000

convidados - com vaias e cartazes do tipo "Baratas, voltem para o

esgoto".

O noivo, herdeiro de Francisco Feitosa,

equivalente de Jacob Barata em Fortaleza, ou seja, o Rei dos Ônibus

da capital do Ceará, e a elite nordestina que o acompanhou, estavam

estarrecidos com a receção no Rio.

Às tantas, como numa cena de telenovela da

Globo dos anos 80, daquelas que ao contrário das atuais acentuavam

as diferenças sociais abissais do Brasil, os convidados começaram a

atirar dinheiro das janelas do hotel na direção dos manifestantes,

que, revoltados, responderam com mais insultos e até pedras da

calçada portuguesa que cobre o famoso passeio marítimo (calçadão)

de Copacabana.

Estes incidentes não foram um ato isolado.

Desde que em junho o Brasil apareceu a arder nas manchetes de todo o

mundo, um foco de incêndio persistiu: a zona sul do Rio, onde está

aquele hotel e, uns quilómetros ao lado, o Leblon, bairro nobre em

que reside o governador do estado, Sérgio Cabral Filho, o principal

alvo dos manifestantes no casamento da Dona Baratinha, por,

supostamente, beneficiar em milionários contratos o ei dos Ônibus.

À porta da casa do governador, religiosamente

todas as noites, manifestantes participam do "Fora Cabral",

movimento que quer a destituição do governante mais abalado com a

Primavera Brasileira - de 55% de aprovação antes das

manifestações passou para 12%.

Cabral, que usa helicóptero oficial para

cumprir os 10 quilómetros da sua casa no Leblon para a prefeitura

nas Laranjeiras, o mesmo veículo que serve para quatro viagens dele,

da sua família e das suas empregadas a uma mansão no litoral

fluminense aos fins-de-semana, chocou o Brasil quando apareceu em

vídeo numa farra em Paris paga pelos contribuintes e acompanhado,

entre outros, do dono da construtura Delta, proibida por fraudes

consecutivas de negociar com o estado brasileiro.

Com mais polémicas às costas, como atrasos e

sobrefaturamentos em obras de estradas e até do estádio do

Maracanã, Cabral achou que as organizações das Jornadas da

Juventude com o Papa Francisco ou dos Jogos Olímpicos de 2016, mais

meia dúzia de discursos populistas e inaugurações cirúrgicas,

bastariam, como sempre bastaram ao longo da história, para desviar a

atenção do povo das negociatas, por exemplo, com o avô da Dona

Baratinha. Ora, para calar a atual geração de brasileiros, o

governador carioca descobriu agora que já não chegam. Ao contrário

do outro, este Cabral só descobriu o Brasil em 2013.



Jornalista

Escreve à quarta-feira

Crónicas de um português emigrado no Brasil

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