O gás de xisto está a mexer com o mundo. Em Portugal há a pedra, falta saber se tem gás

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Quando Matt Damon decide fazer um filme sobre os perigos da produção de

gás de xisto nos EUA ou os Rolling Stones fazem canções sobre o tema só

pode significar uma coisa: o gás de xisto está a mexer com o mundo. E se

para uns é uma das piores ameaças ambientais dos últimos anos, para

outros é a galinha dos ovos de ouro.

"Nos EUA, os preços do gás

caíram 32% no ano passado, a indústria renasceu e há muitos novos

empregos. Há, de facto, grandes alterações na paisagem mas se a extração

for bem feita, não há problemas ambientais e, depois de desmontados os

poços, a paisagem volta ao normal", garante o diretor de Economia

Energética da BP, Paul Appleby.

É por isso que países como a

China, o Reino Unido ou a Polónia estão já a investir milhões na

exploração, mas outros, como França, proibiram as técnicas de extração.

Em Portugal, a contestação só chegou ao Parlamento quarta-feira, pela

voz da deputada d" Os Verdes, Heloísa Miranda, mas o país está mais

atento que nunca.

"Portugal aparece em vários mapas como tendo

potencial de gás de xisto e já estamos a fazer os primeiros estudos.

Estamos numa fase muito inicial e há grandes pontos de interrogação, mas

há também muita informação que nos permite já fazer um ranking das

melhores zonas", diz a investigadora do Laboratório Nacional de Energia e

Geologia (LNEG), Zélia Pereira.

Duas delas são as Bacias do

Algarve e do Baixo Alentejo, onde se sabe que há localizações que

apresentam alguns dos sete parâmetros geológicos que mostram que há

potencial de gás de xisto economicamente recuperável. O problema é serem

zonas protegidas ambientalmente. "Na Praia da Mareta [perto de Sagres e

Vila do Bispo], há rochas com cores indicativas da presença de gás de

xisto, e na Carrapateira, de sete parâmetros já identificamos quatro,

logo é um alvo a investigar", confirmou a investigadora.

Mas é na

Bacia Lusitaniana, nos concelhos do Bombarral, Cadaval e Alenquer, que

há mais indícios. Foi aqui que mais pesquisas se fizeram nos últimos

anos, incluindo as prospeções das empresas que desde os anos 70 do

século passado têm procurado, em vão, petróleo em Portugal. E é também

aqui que a Galp está a pesquisar gás natural, incluindo o gás de xisto.

"A

Galp não pode excluir uma fonte que tem ganho uma importância crescente

no mercado mundial de gás natural. A empresa está empenhada em reforçar

a sua estratégia, como se pode verificar pela opção de se tornar

operadora na concessão Aljubarrota-3. Isso não significa que a

exploração de gás de xisto seja viável nessa concessão", disse ao

Dinheiro Vivo o presidente executivo da empresa.

Manuel Ferreira

de Oliveira é muito cauteloso quando fala de recursos. "Em Portugal

existem algumas das condições geológicas necessárias para a formação de

gás de xisto mas não significa que ele esteja lá ou que haja condições

para a sua extração. É necessário fazer estudos geológicos e sísmicos",

explica. E acrescenta: "O primeiro passo está dado, estamos a fazer

esses estudos para colmatar essa lacuna de conhecimento".

O gás de xisto e os riscos para o ambiente

O

gás e o petróleo de xisto não estão nos poros das rochas como o gás e o

petróleo convencionais, mas nas rochas propriamente ditas. Para o tirar

é preciso parti-las e isso é feito através de uma técnica chamada

fracking horizontal - que combina a perfuração horizontal e o fracking,

que consiste em fraturar as rochas através de jatos de água a altas

pressões. O problema é que a água está misturada com químicos e a

pressão é tão grande que esta mistura pode entrar nos lençóis freáticos e

contaminar a água potável. Pode ainda induzir atividade sísmica. "Há

situações em que há riscos, e situações em que ele não existe, mas o gás

de xisto não é o papão", diz o presidente da Endesa e ex-secretário de

Estado da Energia, Nuno Ribeiro da Silva.

Os benefícios para o país

A

primeira grande consequência do boom do gás de xisto nos EUA, que

começou em 2010, foi "a quebra abrupta no preço do gás natural", conta

Ferreira de Oliveira. No mercado spot (onde as empresas compram gás) os

preços estão a três dólares, enquanto na Europa estão a 12 e na Ásia a

18. Para a indústria, os preços caíram 66%, contribuindo para a criação

de emprego que se estima que chegue a um milhão em 2025. "É um impacto

brutal e uma mudança geopolítica impressionante. E agora até estão a

produzir petróleo de xisto, o que fez a produção diária crescer um

milhão de barris. Foi a maior do mundo", disse ao Dinheiro Vivo, o

presidente da Partex (a petrolífera da Gulbenkian), António Costa e

Silva.

Apesar de Paul Appleby dizer que não se pode replicar o

que aconteceu nos EUA noutros países, principalmente na Europa, se

Portugal descobrisse gás de xisto em volumes economicamente viáveis, o

impacto seria muito semelhante. Os preços iriam descer para a indústria,

onde 30% dos custos de produção são com gás, e até se podia começar a

abastecer os transportes públicos e camiões com gás natural liquefeito -

como também está a acontecer nos EUA - conseguindo ganhos que, no

limite, podiam baixar os preços dos bilhetes.

Mas tudo isto é

ainda muito longínquo, mesmo com empresas como a Total, Chevron ou Exxon

Mobil a querer investir na Europa. É que Portugal não aparece sequer no

mapa de recursos mundiais divulgado pelo departamento de Energia dos

EUA que diz haver 207 mil biliões de metros cúbicos (bcm) de gás de

xisto recuperável em 42 países, como China, Argentina, EUA ou Polónia,

França e Reino Unido - onde, estima-se, haverá em quantidade para

tornar o país autossuficiente por 40 anos.

"O que faria se

estivesse no lugar do governo e do ministro da Economia - que defende

muito a mineração - era pedir ao LNEG para fazer um mapeamento das zonas

do país onde há condições geológicas para a existência de gás e

petróleo de xisto e depois cruzar essas zonas com os aquíferos e com as

zonas de instabilidade sísmica. Por fim, estabeleceria regras e estudava

o que os americanos estão a fazer do ponto de vista ambiental. Se

fornecer informação geológica, o comprador está mais bem preparado e

gasta menos dinheiro", defende Ribeiro da Silva.

E dá para aproveitar o gás dos EUA?

Portugal

ainda não se sabe se tem gás de xisto explorável e, mesmo que tenha,

vão ser precisos bem mais de dez anos para o produzir. Então, porque não

aproveitar o gás mais barato dos EUA que vai começar a ser exportado já

a partir do próximo ano? Só isto podia fazer os preços descer, não para

os três dólares, mas para cerca de nove. O problema é que, mais uma

vez, no imediato é quase impossível.

"Há contratos de longo

prazo com a Nigéria e Argélia que têm de ser pagos mesmo que não se

levante o gás todo - que é o que está a acontecer porque o consumo

desceu. Esses contratos não podem ser rasgados, por isso a Europa está

entalada", explica o presidente da Endesa em Portugal e ex-secretário de

Estado da Energia.

Quanto pode custar?

Apesar dos

avanços tecnológicos que a extração de gás de xisto conheceu nos últimos

anos nos EUA, o processo de fracking não é barato. Um estudo de 2012 da

KPMG aponta que os EUA gastam três a dez milhões de dólares para

perfurar um só poço, dependendo da profundidade e da localização. Na

Europa, um poço pode custar mais 40%, porque as rochas estão a maiores

profundidades e precisariam de mais água e pressão para partir.

Além

disso, "nos EUA, o governo dá incentivos para explorar novos tipos de

energia, há acesso fácil ao crédito, uma baixa densidade populacional

que lhes permite ter mais terra livre para explorar e os terrenos são

privados, ou seja, as empresas que querem explorar negoceiam uma renda

com os proprietários. Na Europa não é assim", repara Costa e Silva.

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