E, em vez de fazer o trabalho de História impresso e encadernado como os colegas, fez uma "Histopedi", uma espécie de aplicação inspirada nas enciclopédias multimédia que vinham em CD--rom, oferecidos a crianças no final dos anos 90. Tanto, que ganhou as Olimpíadas Nacionais de Informática em 2005. Tanto, que continuou a fazê-lo em Barcelona, em Estocolmo e em Nova Iorque e o seu trabalho chegou a 75 milhões de pessoas. Hoje, Ricardo Vice Santos é um miúdo português de 28 anos a dar cartas no mundo das startups à escala global.
Ricardo Vice Santos está a lançar a sua empresa, a Roger, com uma app que permite a um smartphone funcionar como um walkie-talkie para qualquer parte do mundo. Ainda em fase de testes diz que já tem uns milhares de utilizadores e investidores Tier 1, que começaram a surgir assim que deixou a Spotify, mas não quer ainda revelar valores. "Estou feliz", refere apenas. Para já a Roger conta com uma equipa de quatro pessoas e a última contratação foi um português.
O óbvio acabou por acontecer. Mais ideias foram surgindo, entre elas a Roger - uma aplicação minimalista que te permite estar em contacto quase instantâneo com uma lista de pessoas espalhadas pelo mundo."As melhores ideias vêm quase sempre de uma necessidade pessoal", explica. Neste caso, conta que a ideia para a Roger surgir no momento em que bateu contra um poste enquanto trocava mensagens com um amigo na Suécia. "Precisava de uma aplicação sem menus, sem historial, para usar só com uma mão."
A ideia foi crescendo e o interesse de investidores também. No final do ano passado estava claro que era a vez de Ricardo e Blixt se aventurarem sozinhos. "Foi difícil, claro", diz, "o Spotify não era um trabalho. Tornou-se parte do que eu era. Falámos com o Daniel Ek [fundador da Spotify] porque para além de cargos importantes, tínhamos uma relação pessoal com ele e pedimos-lhe a bênção para o novo projeto. Como empreendedor, percebeu perfeitamente a nossa posição. Foi um momento agridoce."
Ricardo Vice Santos deixou o curso de Engenharia Informática no Técnico, em Lisboa. Não por vontade própria. Ainda que estudasse com bolsa, problemas económicos obrigavam-no a contribuir para o rendimento familiar. E as poucas horas livres não chegavam. Volta a casa e começa a levar malas de um lado para o outro no aeroporto de Faro. Turnos de seis horas. Turnos de 12, se alguém faltava. E no meio do desânimo sai a lista da Forbes. Sergey Brin e Larry Page (ambos da Google) eram multimilionários com 34 e 35 anos. E faziam o mesmo que ele sabia fazer.
"Se estes tipos conseguiam, porque é que eu não havia de o conseguir?", pensava. Estava aberto o fascínio pelas startups. Meses mais tarde, quando já passava os dias a arranjar computadores em Faro, uma startup de Lisboa, a GuestCentric, deu-lhe a oportunidade. Não tinha o curso, mas impressionou com a prova prática. Contudo, não era hora de ficar por aqui. Desde que andou pela primeira vez de avião - um prémio, a viagem a Londres patrocinada pela Gulbenkian por ter ganho as Olimpíadas Nacionais de Informática - que tinha vontade de viver na capital inglesa. Tentou com a Google, várias vezes, mas não conseguiy um lugar em Londres. Chegaram a oferecer-lhe uma vaga em Zurique. Recusou. Depois, uma empresa encontrou-o no Linkedin e quis levá-lo para Barcelona.
Da Ibéria à Escandinávia
Afinal, a vida em Barcelona não era parecida com a de Portugal. Entrou de cabeça no ambiente internacional e numa vida social frenética, que acabou numa rede de contactos importante tanto a nível pessoal como profissional.
Passava o dia a escrever código na Full Motion, uma empresa especializada em vídeo streaming. Depois chegava a casa, dormia três horas e voltava a sair. Noite de música entre amigos. "Sem álcool, sem drogas", esclarece. Às quatro da manha voltava a entrar na cama para mais quatro horas de sono. Todos os dias. O ritmo hedonista de Barcelona estava a dar-lhe cabo do corpo e a solução foi aceitar o contrato que um recrutador da Nokia lhe prometia na Finlândia.
Mas houve surpresa ao chegar. Não ia trabalhar em Helsínquia, onde já tinha amigos, mas em Tampa. Não o convenceram. Em vez de preparar o primeiro dia na antiga gigante dos telemóveis, comprou um bilhete de avião para Estocolmo. "Tinha enviado o currículo para a Spotify, mas não tomavam uma decisão. Nesse dia liguei a perguntar: Se aparecer amanha no escritório, podem dar-me uma resposta final?" Não disse a ninguém. "Sou filho único, estou habituado a tomar decisões sozinho" afirma.
Depois do voo mais caro (já só havia lugar em primeira classe) e da entrevista mais longa que fez estava contratado. Impressionado com o currículo, o vice-presidente de engenharia pergunta-lhe a idade: "Amanhã faço 24 anos" responde. Passa o dia seguinte, o do aniversário, com uma amiga de um amigo, para não estar sozinho na nova cidade. Foi o início da carreira na Spotify, quando a sede do serviço de streaming de música mais popular do mundo contava apenas com pouco mais de cem pessoas. "Não fui o primeiro estrangeiro, mas fui a primeira pessoa contratada fora de Estocolmo", explica.
No ano e meio que viveu na cidade começou a consolidar-se como o recrutador pela facilidade que tinha em formar equipas. Deu as primeiras palestras, congelou o cabelo ao sair de casa depois do banho, aprendeu a viver com a escuridão, trouxe seis portugueses para a equipa. Foi este o talento que o fez ser o escolhido para o próximo desafio. A Spotify crescia a um ritmo alucinante e era preciso alguém como ele para começar uma equipa em Nova Iorque.
Dream Job
Na viagem transatlântica acompanhavam-no dois colegas. Um deles, Andreas Blixt, tornou-se companheiro das brincadeiras de fim de semana em Nova Iorque. Por brincadeiras leia-se criar aplicações ou pensar em ideias que possam revolucionar a maneira como lidamos com a tecnologia. Foi num desses sábados de lazer, em que participavam num Hackaton (uma espécie de maratona de programação), que nasceu a Spartify - uma aplicação que permite aos convidados escolher as músicas que vão ouvir em determinada festa. Na segunda-feira seguinte já tinham uma grande marca de bebidas alcoólicas interessada em comprar o projeto por uma quantia interessante. Não venderam. Afinal, era uma brincadeira.