Em recente encontro com representantes do mercado financeiro, Fernando Haddad, o principal candidato ao cargo de Ministro da Fazenda do novo governo de Lula da Silva, foi confrontado com uma pergunta supostamente incómoda de um empresário presente na reunião.."Porque o senhor defende as ideias de Antonio Gramsci?", questionou.."A qual das obras de Gramsci o senhor se refere?", retorquiu Haddad..Como o financeiro não soube dizer o nome de um único livro do filósofo marxista italiano, a conversa acabou por aí, sob o silêncio constrangedor da sala, ou da arena, porque ficou um clima de "olé" no ar após a estocada simples e certeira que Haddad acabara de dar no milionário toureado..O episódio, embora não passe de um fait divers, resume o que Haddad, escolhido para suceder a Paulo Guedes, o neoliberal ministro da Economia (acumulava as pastas da Fazenda e do Planeamento) de Jair Bolsonaro, vai enfrentar, caso Lula confirme a escolha..Por um lado, o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo de 59 anos sofrerá com o preconceito pelo passado - e presente - de militância à esquerda. Por outro, o professor universitário, bacharel em direito, mestre em economia e doutor em filosofia demonstrará arcabouço teórico para enfrentar os críticos..O preconceito é justificado? O arcabouço teórico é suficiente?.Luiz Carlos Bresser Pereira, insuspeito ministro da Fazenda de José Sarney (direita) e titular de duas pastas ao longo do consulado de Fernando Henrique Cardoso (centro-direita) diz que Haddad terá condições para ser "um excelente ministro".."O mercado gostaria que Lula escolhesse autoridades económicas ortodoxas, como [o ministro da Fazenda no primeiro governo de Lula, em 2002] Antonio Palocci ou [o presidente do Banco Central na gestão do ex-sindicalista] Henrique Meirelles. Mas o mundo mudou e o neoliberalismo está em crise profunda", declarou Bresser Pereira.."Ele não irá contra a responsabilidade orçamental porque o Brasil precisa adotar duas metas para retomar o desenvolvimento, aumentar o investimento público e manter uma taxa de câmbio competitiva para a indústria, Haddad tem todas as condições de conduzir a economia nesse sentido e o mercado já se acostuma com a ideia", prosseguiu o economista, em entrevista ao site Brasil 247..Um sinal de que o mercado já se acostumou à ideia, segundo Matheus Leitão, articulista da revista Veja especializado em economia, é que mesmo depois da maioria dos jornais ter noticiado a iminência de Lula escolher o seu delfim político para a pasta, a bolsa de valores fechou em alta..Na semana anterior, a sempre volátil e frívola Ibovespa (bolsa paulistana) tivera um ataque de nervos a seguir a um discurso onde o presidente eleito dissera que a prioridade do seu governo será combater a fome - perante os ataques à democracia perpetrados por Bolsonaro ao longo do mandato, o mercado reagiu com uma calma escandinava, ao ouvir falar em combate à fome, ficou em pânico..Mas esse pânico tenderá, pelos vistos, a dissolver-se, passada a fase de negação eleitoral. Até porque Lula, hábil, prevê casar o nome de Haddad com o de Pérsio Arida ou de André Lara Rezende, dois economistas respeitados pelo mercado e intransigentes no respeito à responsabilidade orçamental, na pasta do Planeamento..O Brasil prepara-se, portanto, para ter uma área económica em mãos equilibradas mas sob a orientação de Haddad, o académico que leu os Cadernos do Cárcere, de Gramsci, mas também a Ação Humana, de Ludwig von Mises, o pai do neoliberalismo.