Operações financeiras e fundos da UE arruínam contas externas

A economia portuguesa entrou novamente numa situação de desequilíbrio externo. O "problema" dissipou-se na segunda metade do programa da troika, reflexo das políticas de ajustamento (redução do crédito, do consumo, do investimento), mas este ano a balança corrente e de capital (sobretudo a corrente) tornou a derrapar, tendo registado o maior défice desde 2012 no período de janeiro a maio (acumulado).
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De acordo com os dados atualizados do Banco de Portugal, as maiores drenagens de rendimento acontecem nos investimentos de carteira: o saldo de juros, associados a operações de empréstimos a menos de um ano, está em 810,9 milhões de euros negativos; nos rendimentos de investimentos em "participações de capital e fundos", o desequilíbrio ascende a 579,3 milhões de euros.

Este último item engloba "rendimentos de investimento de carteira sob a forma de dividendos e outros rendimentos de participação no capital social" (que não os de investimento direto) "decorrentes da detenção de ações, unidades de participação [fundos], depositary receipts e outros de natureza análoga", explica uma nota do Banco de Portugal.

A terceira rubrica mais penalizadora é o saldo de rendimento do investimento direto, que chegou a 411,2 mil milhões de euros. As carteiras de dívida geraram um prejuízo à economia de 207,9 milhões de euros. Os rendimentos de títulos de dívida (obrigações públicas e privadas a mais de um ano e outros títulos análogos) geraram um desequilíbrio corrente de 207,9 milhões de euros.

O Banco de Portugal, no boletim económico do verão, releva ainda outro fator: "projeta-se um aumento do défice da balança de rendimento primário, tendo em conta menores transferências de alguns fundos estruturais da União Europeia, segundo a informação contida no Orçamento do Estado para 2015". Não quantifica, mas o valor deve ser importante.

Rubricas positivas

Pela positiva, aparecem a balança comercial com 271,7 milhões de euros. O saldo dos serviços (exportações menos importações, que é 3,7 mil milhões de euros) mais do que compensa a posição altamente negativa da balança de mercadorias (3,4 mil milhões de euros no final de maio). As remessas de emigrantes, componente importante do chamado rendimento secundário, também ajudam a travar o afundamento da balança corrente.

Todos saldos consolidam aquilo que é o rendimento líquido imputado à economia portuguesa (o que fica efetivamente) por via de operações levadas a cabo por agentes domésticos e estrangeiros. O saldo é negativo: -911,1 milhões de euros no final de maio.

O que são saldos de rendimentos?

Por exemplo, no caso do investimento direto, os nacionais investem lá fora e podem daí retirar ganhos ou não. Idem no caso dos estrangeiros (IDE). Se o saldo é negativo (tradicionalmente é sempre desfavorável) significa que os estrangeiros estão a conseguir drenar ganhos da economia mais do que o valor que cá deixam. Ou que os nacionais estão a perder dinheiro lá fora ou a reter pouco valor no território. Ou ambos.

Este raciocínio é válido para todas restantes categorias de rendimentos referidas.

É um facto que as primeiras metades de cada ano costumam ser desfavoráveis neste indicador; à medida que o ano avança, a balança corrente vai melhorando. No final de maio do ano passado, o défice corrente era 776 milhões, mas a economia terminou com um excedente de mil milhões de euros, por exemplo.

Dúvidas, dúvidas

Mas também é verdade há muitas dúvidas sobre a sustentabilidade do modelo. A começar pelas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Comissão Europeia.

Albert Jaeger, o representante permanente do FMI em Portugal, observou na semana passada na AESE Business School que "Portugal é a única economia avançada com três programas do FMI nos últimos 40 anos".

Os programas de "ajustamento estrutural", todos eles com foco na balança de pagamentos, serviram para reduzir o desequilíbrio. "Os gastos totais da economia ficaram quase sempre muito acima do rendimento da economia". O economista austríaco fez as contas para o período de 1974 a 2010 (2010, antes do início do terceiro ajustamento) para a balança corrente e concluiu que esta foi deficitária (7,5% do rendimento do país).

A balança corrente mede isso mesmo: a diferença entre o rendimento da economia e o que ela gasta. Portugal gasta mais do que ganha, de forma persistente. Em maio, o fenómeno reapareceu.

Bruxelas avisou na segunda avaliação pós-programa que "são necessárias reformas adicionais para assegurar um reequilíbrio duradouro da economia".

Será crónico?

Irá a economia regressar ao passado? O Governo acredita que não porque fez reformas que já estão e vão continuar a produzir resultados. No balanço da legislatura, diz ainda que "as políticas públicas cofinanciadas pelos fundos comunitários devem alavancar o crescimento e o emprego, num esforço de redução da pobreza e de correção do desequilíbrio externo. Ao todo são mais de 25,8 mil M?, e que o País tem o dever de aplicar da melhor maneira".

O Banco de Portugal também acredita, mas é mais prudente. "O aumento do excedente da balança corrente e de capital de 0,9 pontos percentuais (p.p.) do PIB projetado para 2015 reflete essencialmente o aumento do excedente da balança de bens e serviços. Esta evolução está fortemente associada a um efeito favorável de termos de troca, muito influenciado pela diminuição do preço do petróleo em euros." "O dinamismo das exportações permite assegurar que o aumento das importações decorrente da evolução do consumo privado e do investimento é consistente com a manutenção do excedente externo."

No Programa de Estabilidade enviado a Bruxelas em Abril, o Executivo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas calcula que "dada a perspetiva de um gradual aumento da taxa de crescimento das exportações, em linha com a projeção da procura externa dirigida à economia portuguesa, é de esperar que o ajustamento das contas externas continue: o saldo conjunto da balança corrente e de capital deverá fixar-se em 2,1% do PIB [este ano], aumentando a capacidade líquida de financiamento da economia portuguesa, e a balança corrente deverá atingir um excedente equivalente a 0,5% do PIB".

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