A salvação do setor está no vinho do Porto?

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Num ano em que as vindimas anteciparam uma quebra abrupta em regiões como o Douro – a descida rondou os 40% -, os produtores juntam esse facto a outros que lhes têm causado rugas: o facto de o consumo de vinho estar a descer consistentemente nos últimos anos. Um comportamento que tem sido transversal a todos os países e a todas as gerações, e que não tem sido mitigado, bem pelo contrário, pelas recomendações da Organização Mundial de Saúde, que desde a pandemia não se cansa de emitir recomendações sobre um consumo de 0% de álcool, para evitar consequências nocivas para a saúde. Olhemos, então, olhar para o caso do vinho do Porto, que foi em tempos uma das maiores fontes de receitas do setor, mas que tem sofrido ainda mais do que o vinho de mesa com a redução do consumo: desde o início do século, as vendas deste tipo de vinho já escorregaram cerca de 20%. E, apesar dos esforços dos produtores para aumentar o interesse do público, nem o mercado britânico – tradicional consumidor de Porto – está a conseguir contrariar esta tendência. Daí que a opção ande a passar por algo mais arrojado – e talvez mais sensato. Aumentar o preço. E aumentá-lo para valores que fazem qualquer português levantar o sobrolho, mas que fazem o mercado do luxo e do ultra luxo (onde, ao que parece, agora também se consome vinho) esfregar as mãos de contentamento.

Nesta edição trazemos-lhe a história do mais recente lançamento da Menin Douro Estates, empresa criada pelo empresário multimilionário Rubens Menin, que desde há uns anos tem estado a adquirir propriedades – e companhias como a Horta Osório – no norte do país. Desde que se lançou no mercado que só vende referências de qualidade, com os seus vinhos de mesa a ter um preço médio de €40. São vinhos de qualidade indiscutível, e nas gamas mais altas, aumenta-se um algarismo a esse valor. Com o novo vinho do Porto, decidiu subir ainda mais a parada: são €1700 por uma garrafa de um Tawny de 80 anos, que vem juntar-se a um leque de referências que fizeram o mesmo caminho. A título de exemplo, a Quinta da Pacheca tem uma garrafa a custar mais ou menos o mesmo e a Van Zeller’s & Co surpreendeu o mercado, no ano passado, com uma trilogia de vinhos do Porto que é vendida por €22 mil.

Porquê? Porque apesar de parecer que estão a vender apenas um vinho, na verdade estão a vender décadas de trabalho, de conhecimento, de guarda e de risco. Lançar um vinho do Porto com 80 anos não significa que aquele vinho, em concreto, tenha 80 anos. Quer dizer que foram escolhidos os melhores lotes de vinho, todos eles há décadas a envelhecer em cascos nas caves de Vila Nova de Gaia ou nas quintas durienses,e cuja idade média, depois de juntos, somam os tais 80 anos . Para cada garrafa trabalharam várias gerações de viticultores e enólogos; de trabalhadores braçais; de empresários. Pode parecer apenas uma história bonita – que é - , mas a verdade é que o Vinho do Porto faz parte da história e da tradição e da economia do nosso país há centenas de anos. E, em tempos de pressa, de consumo desenfreado de produtos efémeros e de um olhar inevitavelmente focado na próxima grande descoberta, um Vinho do Porto é uma verdadeira cápsula do tempo cujo preço se justifica pela sua calma, pelo acumulado de experiência que guarda e que mostra e, também, pela sua exclusividade. Portugal é um país pequeno, cuja produção de vinho nunca conseguirá competir com Itália, França ou mesmo Espanha. Mas tem algo que mais ninguém tem: a mais antiga região demarcada de vinho (o Douro) e o Vinho do Porto, que conquistou o mundo há vários séculos e que muitos tentam replicar sem sucesso. Será este o caminho para a salvação do setor vitivinícola? Não sei dizer, e tenho dúvidas de que o seja. Mas sei que, pelo menos, é bonito ver os portugueses a tentar valorizar algo que mais ninguém tem em redor do globo. E só por isso, o valor já começa a poder parecer mais justo. Sobretudo para as empresas que, durante décadas investem para conseguir, gerações depois, comercializar algo cujos avós ou bisavós começaram a trabalhar.

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