As novas gerações já não sabem muito bem quem foi Aníbal Cavaco Silva e, sobretudo, como foi como primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva. O político português que esteve mais tempo como chefe de executivo, com duas maiorias absolutas e a capacidade constitucional de decidir sem precisar da ajuda ou depender de ninguém.
Cavaco esteve mais de 20 anos em cargos políticos, desde ministro das Finanças, primeiro-ministro e Presidente da República, mas afirma-se sempre como o antipolítico, o tecnocrata, o homem impoluto, como se a política sujasse.
Sobre a sua propagada pureza, já muitos escreveram, não me dou a esse trabalho, mas sobre a ideia de que a política é uma coisa suja e os políticos são por natureza maus, isso é algo estranho em quem exerceu o poder com mão de ferro, controlou o seu partido e os destinos do país como Cavaco Silva controlou.
Desculpe informá-lo, Professor, mas o Senhor é um político!
O texto que o Professor hoje publicou no Público sobre as «Contas Certas» é mais uma vez um exercício de Cavaco a vir à praça dar lições, sendo que essas lições pertencem a um Aníbal Cavaco cada vez mais distante, a léguas do ex-primeiro-ministro que foi.
Com os anos foi ficando um Aníbal cada vez mais conservador, e defensor de uma redução do Estado, muito distante do que antes preconizava ou praticava. Muito longe do primeiro-ministro social-democrata de forte tendência keynesiana que preconizou.
Em as «Contas certas, a armadilha para iludir os portugueses», Cavaco Silva defende que «o valor desejável para o saldo orçamental em cada ano, [...] deve ser determinado antes de o Governo elaborar a sua proposta de Orçamento, não por políticos, mas por um comité independente de especialistas».
Por detrás desta escolha está uma simples verdade, depois de Cavaco, o PSD só voltou duas vezes ao poder, perdeu grande parte da sua mobilização, teve que fazer coligações para chegar ao poder e desses governos não ficou grande história. Talvez por isso, o ex-primeiro-ministro corta nos políticos, diz mal deles; porque denomina-se de tecnocrata, e defende que a decisão política não deve ser tomada por políticos, e com base programática ou horizonte político, mas sim, tomada por tecnocratas, com uma base simplesmente técnica.
No fundo, o que Aníbal Cavaco Silva pretende dizer é que se a decisão fosse técnica, seria sempre a decisão que este defende ou preconiza.
O que o velho professor catedrático parece esquecer é que não há tecnicidade pura que nos aponte os caminhos certos; ou melhor, não há decisão política sem que esteja estabelecida uma opção programática ou um horizonte político a alcançar.
Quando um rumo não agrada a Cavaco, a solução é entregar a decisão a técnicos, o que para Cavaco quererá dizer tomar as opções que este defende.
Mas sabe, caro Professor, até tecnicamente, há quem não concorde com as suas ideias?
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)
("Até às eleições" é o mote para uma sequência de artigos de opinião, de segunda a sexta-feira, de Duarte Mexia (duarte.mexia@gmail.com), que serão publicados, precisamente, até à realização das próximas eleições Legislativas, marcadas para 10 de março.)