Coragem para responsabilizar as redes sociais

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Abandonar uma rede social não é uma decisão fácil para uma grande instituição, sobretudo quando essa plataforma conquistou um papel central no espaço público, serve como um meio de comunicação abrangente e reúne uma elevada percentagem da população, além de instituições de prestígio e personalidades de relevo. A principal razão para manter presença é, naturalmente, a proximidade com essa audiência. Mas também é inegável que qualquer rede social empobrece quando perde uma instituição credível e reputada, que contribui para a informação. E isso torna-se um problema num oceano digital onde circulam cada vez mais conteúdos sem qualquer mediação informativa.

Esta semana, o Expresso noticiou que a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e o Banco de Portugal – tal como havia feito o banco central alemão e outros organismos europeus, ou jornais como o Le Monde (francês), La Vanguardia (espanhol) e The Guardian (britânico) – anunciaram oficialmente o abandono ou “congelamento” das suas contas na rede X (ex-Twitter), adquirida em 2022 pelo multimilionário Elon Musk, próximo da administração Trump, nos EUA. Assiste-se claramente a uma quebra de valores desta rede social, e uma acusação de “crescente toxicidade”.

Seguiu-se, em Portugal, a saída do Tribunal de Contas (TdC) tanto desta rede social como do Facebook, por as considerar “violadoras da legislação nacional e da legislação da União Europeia”, segundo um despacho a que a Lusa teve acesso. “A plataforma X abandonou a verificação de conteúdos, o que resultou na proliferação de discursos de ódio, sendo patente a utilização desta plataforma para promover a desinformação”, destacou o TdC.

Se olharmos para o conceito de corporate brand, introduzido por John Balmer, onde a identidade do líder influencia a perceção da marca, torna-se evidente como a figura de um empresário pode definir a trajetória de uma empresa. Steve Jobs marcou a Apple pela sua visão de inovação e design, Bill Gates marcou a Microsoft com uma abordagem estratégica e tecnológica, e Oprah Winfrey construiu a OWN Network assente na autenticidade pessoal.

Já Elon Musk sempre foi visto como um empresário visionário e ousado, associado à inovação e ao risco através da Tesla e da SpaceX. Porém, a compra do Twitter marcou uma viragem reputacional: as polémicas começaram a sobrepor-se à imagem de credibilidade.

Nas sociedades ocidentais, a dependência dos ecrãs é avassaladora. As redes sociais não só dominam a atenção e o tempo das pessoas, como também são as principais plataformas de proliferação de conteúdos – o tal espaço onde há cada vez menos mediação informativa. Isso confere um poder imenso aos seus líderes, mas, acima de tudo, deveria torná-los eticamente responsáveis, sobretudo numa era em que o combate à desinformação deveria ser uma prioridade nas democracias.

Acontece que a decisão das redes sociais X e Facebook de baixarem a guarda na verificação de conteúdos vai precisamente no sentido oposto a esse princípio. Mas não só: ver Elon Musk e Mark Zuckerberg associados a Donald Trump, ainda que por suspeição do seu poder de influência no domínio público, marcou um ponto de viragem.

Este alinhamento, explícito ou implícito, gerou um crescente escrutínio sobre o papel das grandes plataformas digitais na construção do debate público e na disseminação de desinformação. Se, durante anos, estas empresas procuraram posicionar-se como meras facilitadoras da comunicação global, cada vez mais se torna evidente que a sua influência ultrapassa essa função.

A questão central que se impõe é: podem os líderes destas redes sociais continuar a desresponsabilizar-se pelos efeitos que as suas plataformas na sociedade? E quem terá poder e coragem de os responsabilizar?

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