O plano de reestruturação da TAP vendido ao país e a Bruxelas incluía um compromisso claro: depois da injeção de €3,2 mil milhões de dinheiro público - uma doação e não um empréstimo, como sucedeu com as suas congéneres – a companhia teria condições para distribuir dividendos ao Estado em 2025. Sem a obrigação de devolver o que os contribuintes entregaram, esta promessa é o mínimo esperado e o fio condutor para medir o desempenho atual da empresa. Ora, os resultados do primeiro semestre de 2025 com um prejuízo de €70,7 milhões vieram abalar essa narrativa. Este resultado, divulgado sem conferência de imprensa e sem perguntas, foi apoiado em créditos fiscais de 58,9 milhões sem os quais o buraco teria sido ainda maior.Por seu lado, a companhia aponta perdas cambiais de 42,7 milhões com a desvalorização do dólar e aqui reside a primeira contradição: neste negócio, grande parte dos custos é indexado ao dólar e a TAP recebe cerca de metade das suas receitas em euros, ou seja, quando o dólar cai a companhia beneficia. De facto, nos passivos, essa mesma variação cambial gerou ganhos contabilizados de 216 milhões num saldo claramente positivo. Como utilizar este argumento para justificar os maus resultados? A outra contradição verifica-se ao nível das receitas: mais passageiros (+2,2%), menos receita (-1%). Obviamente que quando se vende mais barato, os aviões “enchem” mais, mas isso não garante rentabilidade e o mais curioso é que as companhias com as quais a TAP compete – incluindo as “low cost” – obtiveram um aumento da sua receita média no mesmo período. Se não foi pela concorrência, por que razão a TAP vendeu os seus bilhetes mais baratos e perdeu receita?O modelo de “hub” atrai passageiros de ligação cujo critério principal para trocar de avião em Lisboa em vez de outro aeroporto qualquer é o preço e isso não gera valor sustentável, obrigando a TAP a competir no segmento mais frágil do mercado. Relativamente aos custos, existe uma contradição inquietante: apesar da queda de 8% nos custos do combustível, os custos operacionais dispararam, em particular os com pessoal (+13,6%). Nada é dito sobre o aumento dos voos em regime ACMI (subcontratação dos voos a outras companhias) que, entre janeiro e junho de 2025, aumentou quase cinco vezes mais do que em 2024 e que contrasta com a redução do número de voos realizados na frota da TAP e da Portugália no mesmo período. Porquê e para quê? .“A TAP não pode continuar a sobreviver apenas no fio da narrativa do interesse nacional estratégico e se a promessa aos contribuintes foi entregar dividendos em 2025, esse será o critério de avaliação”.A segunda metade de 2025 não promete ser mais fácil: a concorrência americana e brasileira aumentou para Portugal, as “low cost” têm mais lugares à venda e utilizam aviões maiores e nalgumas das rotas para onde a TAP pratica tarifas altas por ausência de concorrência – como Cabo Verde, Recife ou Fortaleza – a situação vai mudar. Para os EUA, e apesar da instabilidade nas relações, o mercado está a concentrar-se nas classes premium que não são o forte da TAP; já a contratação de voos ACMI continuará a crescer ainda mais pressionando os custos neste negócio com margens milimétricas. Tudo isto se passa num aeroporto principal, o de Lisboa, que não oferece condições físicas nem operacionais para sustentar um modelo “hub” competitivo, com custos adicionais gerados pelas filas intermináveis no controlo de fronteiras, pelas greves da Menzies e por todas as ligações perdidas dos passageiros em trânsito que corroem receitas e reputação. Quando as contas de 2025 estiverem fechadas, a questão que me interessa é saber se haverá condições para distribuir dividendos ao Estado; e havendo, se o acionista Estado estará disposto a recebê-los em vez de reter lucros na empresa para tapar buracos, pagar dívidas ou reforçar reservas. O prejuízo semestral, a pressão concorrencial e a falta de disciplina nos custos tornam esse compromisso cada vez mais difícil de cumprir e, mesmo com lucros pontuais, dificilmente se atingirá a margem operacional de dois dígitos necessária para valorizar a companhia em contexto de privatização. Sem essa margem, a discussão sobre o valor da TAP continuará a ser política, não económica. Uma coisa é certa: a TAP não pode continuar a sobreviver apenas no fio da narrativa do interesse nacional estratégico e se a promessa aos contribuintes foi entregar dividendos em 2025, esse será o critério de avaliação. Até lá, a companhia terá de provar que consegue controlar custos, reposicionar-se no mercado de origem/destino Portugal e deixar de depender de tráfego de ligação que gera volume, mas não valor. Caso contrário, ficará reduzida a um transportador de passagem, sem relevância estratégica para o país e sem credibilidade junto dos portugueses que a financiaram.