Trump é louco ou andámos distraídos?
Durante a presidência de Ronald Reagan, um quase desconhecido empresário da construção civil publicou uma carta aberta em jornais de referência cujo mote era uma crítica à política externa dos EUA exortando o seu país a parar de pagar para defender países que tinham recursos financeiros para o fazer.
Em causa estava o dispositivo militar que os EUA mantinham no Golfo Pérsico, vital para os fornecimentos de petróleo ao Japão e à Europa, mas de muito marginal interesse para os cidadãos norte-americanos. Ao invés de proteger os navios dos outros, que transportavam petróleo, que os EUA não precisavam, para aliados pouco dispostos a arcar com os custos de tal dispositivo militar, melhor seria, argumentava, que esses recursos fossem utilizados para proteger os norte-americanos, mormente os agricultores, os sem-abrigo, ou os doentes. Por isso, o autor da carta aberta exortava que se lançassem impostos sobre os aliados (o Japão, em especial) que não pagavam a justa parte da sua defesa; que se libertassem recursos para que as empresas dos EUA prosperassem; ou que se reduzissem os impostos sobre a sociedade para fazer política social junto dos que mais precisavam.
O autor dessa carta aberta foi o atual Presidente Donald J. Trump, naquele que foi o seu primeiro namoro com a ideia de ser candidato presidencial republicano.
Face ao exposto, de certa forma a guerra comercial em curso não surpreendeu ninguém, atendendo ao posicionamento de Trump nos últimos 30 anos. Há várias décadas que são conhecidas as suas posições no que toca à desindustrialização dos EUA, à perda de postos de trabalho e aos efeitos que causam na estruturação social do país. A base eleitoral MAGA não é mais que a expressão desse sentimento de alienação e de perda causadas pela globalização. Aliás, para se perceber melhor o descontentamento, a erosão da alma e do sonho americano, a leitura de Hillbilly Elegy, um livro publicado em 2016 por um então quase desconhecido J.D. Vance, descreve bem o contexto que deu combustível à plataforma eleitoral MAGA.
Dito isto, e com os sucessivos avanços e recuos de Trump na questão das taxas alfandegárias, a volatilidade e a incerteza aumentaram de forma assinalável, e os EUA, bem como a Europa e parte significativa do Sudoeste Asiático, terão um abrandamento económico. A entrada em recessão dependerá da manutenção dos propósitos da
Administração Trump, das eventuais retaliações de outras nações e da velocidade com que as cadeias de produção global forem capazes de se ajustar.
No caso português, no imediato, os efeitos serão fortemente assimétricos num número pequeno de empresas com forte exposição exportadora aos EUA. É expectável um abrandamento entre 0,4% e 0,6% do crescimento do PIB português, com efeitos fracos a moderados no nível do emprego, na coleta fiscal e no consumo das famílias.
*Paulo Gonçalves Marcos é Presidente do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB)