As admissões no ensino superior conheceram um preocupante retrocesso. Houve menos 6064 estudantes colocados em universidades e politécnicos públicos, o que corresponde a uma redução de 12,1% face a 2024. Com a agravante de, no interior do país, haver institutos politécnicos com quebras de 40%. Inverteu-se, assim, a tendência da última década, durante a qual se verificou um quase contínuo crescimento da entrada de novos alunos. Falou-se, até, de massificação do ensino superior.Em 2023, Portugal registava uma taxa de escolarização do ensino superior de 29,9%, valor bastante aquém da média da OCDE (40,9%). Atrás de nós, na UE, só a Hungria, Eslováquia, Chéquia e Itália. Esta taxa de escolarização dá-nos uma imagem clara do défice de qualificações e competências em Portugal, apesar da evolução positiva dos últimos anos. Se somarmos a esta realidade a fuga de talento para outros países, é fácil perceber que temos na escassez de potencial humano um sério obstáculo ao desenvolvimento.A escassez de potencial humano é sentida, de forma particular, pelas empresas, que têm dificuldade em encontrar os profissionais de que necessitam para serem produtivas, eficientes, sofisticadas e competitivas. Por outro lado, e como mostram as estatísticas, um profissional com mais qualificações e competências usufrui, em geral, de melhores condições laborais, salários mais elevados e mais oportunidades de carreira. O mercado de trabalho valoriza, e bem, a preparação técnica, o conhecimento especializado, a criatividade/inovação e a dimensão intelectual. Portanto, está em causa quer o crescimento económico, quer a coesão social do país.O retrocesso no acesso ao ensino superior é ainda mais dramático por duas razões: houve uma diminuição de 17% nas admissões aos cursos que conferem competências digitais, sobretudo nas áreas da informática, e uma brutal redução de novos estudantes no interior do país. Ora, à semelhança do resto da Europa, a economia portuguesa precisa desesperadamente de talento digital para desenvolver os seus setores tecnológicos e promover a digitalização do tecido produtivo. Por seu turno, o interior despovoado e pobre vai perder massa crítica com a redução de alunos, agravando os seus problemas de desenvolvimento e penalizando a coesão territorial do país.Segundo os especialistas, a travagem na massificação do ensino superior resulta de dois fatores principais: a reposição das regras de acesso anteriores à pandemia, o que implicou a realização de exames para concluir o secundário e deu mais peso às provas de ingresso, e o aumento do custo de vida dos estudantes deslocados, motivado sobretudo pelo encarecimento do alojamento. Há cerca de 15 mil camas nas instituições de ensino superior para mais de 110 mil alunos deslocados, dos quais 45 mil revelam carências económicas.Não me parece que aligeirar as regras de acesso seja a solução, sob pena de descredibilizarmos o ensino superior. Por conseguinte, as medidas terão de ser sobretudo de âmbito social, aumentando as bolsas para alunos carenciados e o número de camas para estudantes, neste caso dando gás ao Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior. Creio que também seria útil redesenhar o 12.º ano, de modo a torná-lo numa espécie de “ano zero” ou ano pré-universitário. Assim, os estudantes tomariam contacto com alguns dos conteúdos curriculares dos cursos superiores e ganhariam um incentivo para prosseguir os seus estudos.Da mesma forma que é preciso que as empresas continuem a contribuir para a qualificação dos trabalhadores e a oferecer, cada vez mais, empregos que absorvam o talento e o maximizem em proveito do país. Isto ao mesmo tempo que os empresários velam pela sua própria capacitação. Pois melhores empregadores motivam indubitavelmente melhores trabalhadores.