Chegou à Salvador Caetano em 2012, para liderar a reestruturação da Cobus, unidade de autocarros para aeroportos, que é líder mundial do setor. Oito anos depois, Patrícia Vasconcelos foi chamada a liderar a Caetano Bus, detida pela Toyota Caetano Portugal e pelo Mistsui Group, para desenvolver o processo de reorganização interna. Aposta tudo na mobilidade limpa e no hidrogénio verde, o futuro..As encomendas e os concursos já regressaram a níveis pré-covid? Temos vindo a crescer, mas 2021 foi o pior ano de sempre. Em 2020, apesar da pandemia, tínhamos a carteira de encomendas que vinha de trás, mas 2021 foi um ano catastrófico. O negócio dos [autocarros para] aeroportos parou e o do turismo também. Foram duas linhas que estiveram praticamente paradas em 2021. Em 2022, já voltámos a níveis mais aceitáveis e, em 2023, ainda não chegaremos aos valores de 2019, mas já nos começamos a aproximar bastante..Como está a carteira de encomendas agora? Os aeroportos estão a recuperar, já se vê muito mais gente a circular, mas os investimentos estão ainda atrasados. Pensamos recuperar os valores pré-pandemia só a partir de 2025. Nos autocarros de turismo já recuperámos a 100% e, nos urbanos, o negócio está agora com grande velocidade. Já temos a carteira de encomendas fechada para 2023 e estamos a começar a constituir carteira para 2024..Quais são, então, as perspetivas para 2023? Esperamos crescer 70%, face a 2022. Vender 500 unidades e faturar aproximadamente 125 milhões de euros. Apesar de já termos tido algum crescimento nas vendas, foi um ano ainda muito pesado em termos de investimento..Depois da pandemia veio a guerra. Têm tido dificuldades de acesso às matérias-primas? O maior desafio na cadeia de abastecimento foi em 2021 e prolongou-se por 2022. Este ano, continuamos com dificuldades, mas já não estão a abalar tanto a nossa atividade porque fizemos stockagem. Tivemos que nos adaptar..Têm os armazéns cheios a contar com a produção em 2023? Sim, já temos muito material dentro de portas, o que representou um esforço financeiro adicional de cerca de 10 milhões de euros..E os custos de produção também dispararam? Dispararam. Todo o setor industrial sentiu o aumento do custo energético, na produção, mas também pelo efeito nas matérias-primas. E tivemos também um aumento dos custos com pessoal. A Caetano Bus fez, em 2023, um aumento significativo aos colaboradores. O salário de entrada é agora de 830 euros. Aumentámos o subsídio de alimentação, que está perto do valor máximo, e oferecemos também mais dias de férias..Aumentaram o capital social em 2022. Com que objetivo? Foi uma injeção de capital de 25 milhões de euros, no total. Foram 10 numa fase inicial e mais 15 milhões depois, essencialmente, para cobrir custos de investigação & desenvolvimento (I&D). Até 2015, a Caetano Bus só fazia carroçarias e sobre autocarros a diesel, cujos chassis comprava a grandes OEM [abreviatura para Original Equipment Manufacturer] como a Mercedes, MAN ou Volvo. Em 2016, entrou na mobilidade elétrica, com autocarros 100% produzidos pela Caetano, o que fez com que o nosso desenvolvimento fosse muito superior. Tivemos aqui um forte investimento em I&D, não só em produto, mas também em pessoas de perfis completamente distintos daqueles que tínhamos, porque hoje fazemos autocarros elétricos e a hidrogénio, tecnologias que requerem formação adicional. Houve ainda todo o investimento que tivemos que fazer numa rede de pós-venda que era inexistente na Europa para dar conta dos nossos autocarros urbanos..A propósito de hidrogénio verde, já sentem que há no mercado uma mudança do paradigma da mobilidade. Quando é que a Caetano Bus vai deixar de produzir autocarros a diesel? Gostaríamos de parar hoje, mas não é possível, sobretudo por causa dos autocarros de aeroporto e os de turismo. Há muitos países que ainda não estão tão avançados em termos de mobilidade como os europeus, designadamente em África e noutras geografias, para os quais continuamos a vender autocarros a diesel para aeroportos. Os de turismo, aqueles autocarros grandes que fazem os trajetos interurbanos, que têm que levar pessoas e bagagens, dificilmente vão ser elétricos, porque não vão ter autonomia suficiente para isso. Como no hidrogénio, infelizmente, ainda não estamos onde gostaríamos de estar, vamos ter que continuar a produzi-los a diesel. Nos urbanos, praticamente já não produzimos nada a diesel. Ou elétricos ou a hidrogénio..E, em Portugal, os concursos públicos ainda se concentram muito no diesel ou temos o gasóleo nos transportes públicos a sair de cena? Está a sair de cena. Tanto que o PRR, neste momento, não dá subsídios para motorizações a diesel nem a gás. Os municípios que querem agora fazer substituição de frota e que querem usufruir dos subsídios vão ter mesmo que ir para autocarros elétricos ou a hidrogénio, embora estes ainda sejam um bocadinho difíceis porque, em Portugal, ainda não temos rede de abastecimento..A Caetano Bus previa faturar 300 milhões em 2025 à boleia do hidrogénio verde. Qual é o peso desta tecnologia agora? Em 2023, teremos 15 a 20% de autocarros a hidrogénio. Prevíamos um peso superior, mas os mercados não evoluíram ainda tão rapidamente [como esperávamos] para o hidrogénio. Acreditamos que chegaremos, em 2025, pelo menos, a 40% e que atingiremos os 300 milhões de euros..Estava prometido que o primeiro posto de hidrogénio seria em Vila Nova de Gaia. Como está essa situação? Continuamos a trabalhar para ter um posto em Gaia, não só para a Caetano Bus, mas para depois poder abastecer autocarros a hidrogénio dos STCP, eventualmente, mas está em estudo, ainda não existe. Para testarmos os nossos autocarros na produção é uma grande dor de cabeça, temos de os meter em cima de camião, levá-los para o posto da Cascais Próxima [empresa de mobilidade municipal], o único que existe em Portugal, e voltar para o Porto, para fazer os testes todos, antes de poderem seguir para o cliente final..Um país que tanto fala no hidrogénio verde como uma alternativa no mix energético não devia já estar a planear uma infraestrutura de rede que possa abastecer todo o território? Claro que sim, gostaria muito que houvesse já mais possibilidades de abastecimento a hidrogénio em Portugal, mas acho que o governo, neste momento, já está a dar os passos nesse sentido e esperemos que até 2025 isso se torne uma realidade..E o hidrogénio verde na ferrovia, em que ponto está? Estamos a analisar, em conjunto com outros parceiros do consórcio, a possibilidade de termos a nossa tecnologia Toyota de hidrogénio instalada dentro da ferrovia. O projeto continua em estudo..O que é que o está a atrasar? Acredito que é uma questão de tudo estar um bocadinho atrasado em relação aos investimentos que é preciso fazer na infraestrutura. É uma pescadinha de rabo na boca. Todos nós sabemos que o caminho virá a ser o hidrogénio verde, todos estamos a apostar nisso, mas temos que dar tempo ao tempo..Tem havido pressão das operadoras de transportes públicos, nomeadamente as de Lisboa, para a entrega de autocarros novos devido à Jornada Mundial da Juventude, em agosto? Temos um concurso de autocarros elétricos para a Carris, adjudicado há pouco tempo, mas o prazo de entrega é só para o final do ano..Foi para a Caetano Bus para reestruturar a empresa. Já está no ponto pretendido? Ainda não estamos, precisamos agora de mais negócio para conseguirmos lá chegar. Mas já fizemos muita coisa, na organização da produção e no desenvolvimento..O que falta ainda? O hidrogénio e o elétrico são tecnologias muito diferentes e estamos a falar de uma transição que é muito mais complexa do que se fosse uma mudança. É isso que nos está a faltar ainda, é capacitar a empresa, de A a Z, para as competências de que precisamos para dar conta destas tecnologias..Capacitação dos quadros que já têm ou há alguma renovação geracional? A equipa aumentou? Não, até encurtou. Não fizemos despedimentos, mas não renovamos alguns contratos. E não contratamos pessoas novas, a não ser para funções que não tínhamos e que temos agora que preencher. Mas tem sido muito difícil encontrar pessoas com os perfis pretendidos. Não é que elas não existam, muitos desses perfis especiais estão a abandonar o país. Não estamos a conseguir apanhá-los ou a retê-los quando os temos..Já aqui abordou a questão dos aumentos salariais, a paz social está garantida depois da greve de julho do ano passado? Eu espero bem que sim. Tenho tido um feedback muito positivo da maior parte dos colaboradores que viram este aumento único que a Caetano Bus fez este ano como um passo muito positivo, mas não sei como vão os sindicatos reagir. Fizemos isto a pensar, também, numa paz social, mas não sei, vamos ver..Foram aumentos de quanto, em média, e quanto é que isso representa para a empresa? As faixas salariais mais baixas tiveram, em média, um aumento de 18%. Havia muitos colaboradores com o salário mínimo, ou pouco mais, e nós nivelámos isso tudo de 830 euros para cima. Não estão todos a receber 830, quem recebia 705 euros, que era o salário mínimo o ano passado, passou a receber 830 euros, quem recebia 740 euros, passou aos 830 mais os 18% de aumento. O total do aumento salarial na Caetano Bus este ano foi à volta dos 11%, o que nunca tinha sido feito..Não têm aumentado o número de pessoas, mas se quisessem, conseguiam? Há muita dificuldade em toda a cadeia. Estamos a falar desde pessoas para o chão de fábrica, que não precisamos que tenham algum tipo de formação específica, porque a damos internamente, até ao técnico mais especializado..O acesso à imigração devia ser facilitado? Sem dúvida, precisamos mesmo, a indústria toda e o país, que o governo nos ajude nesse sentido..E a nova fábrica em Ovar, quando avança? Será para depois de 2025. Com os impasses da pandemia e os investimentos, estamos a atrasar esse projeto, porque ainda conseguimos fazer as 700 unidades, a que devemos chegar no próximo ano, em Vila Nova de Gaia..É um investimento de quanto e quantos empregos cria? São 20 milhões e devemos aumentar mais 300 a 400 pessoas..Onde as vão arranjar? Pois, esse é o plano, onde as vamos arranjar será muito complicado. Esperamos que, então, as coisas já estejam um bocadinho mais regularizadas. Até porque temos o problema dos preços. É que, apesar de toda a cadeia de abastecimento ter aumentado brutalmente, ainda esbarramos em concursos públicos onde o preço é o essencial e em que parece que não houve pandemia, guerra, nada. Continuam a pôr como teto máximo valores quase abaixo daqueles que tínhamos antes da covid. É completamente impossível. Há concursos a que não vamos. Para perder dinheiro, não vamos..Em Portugal? Há um ou outro em Espanha, mas onde são mais agressivos com os preços é em Portugal. Se isto continuar, vamos ter que pensar numa estratégia diferente. Eventualmente, subcontratar produção fora, na Turquia ou na Europa..A partir de 2025, se não houver condições para fazer a fábrica? Sim, há fábricas com capacidade disponível. Para investirmos 20 milhões tem que haver uma carteira de encomendas bastante estável. Estamos a crescer, mas eu consigo fazer 700 unidades na minha fábrica. Se precisar de mais 400 ou 500, podemos fazê-los noutro sítio. Coisa que eu não queria, evidentemente. Todos nós queremos manter a produção em Portugal.