Pedro Caldeira: "Que necessidade tinha eu de ser sempre o primeiro?"

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Nos anos 70 e 80, Pedro Caldeira chegou a ser responsável por mais de metade das operações negociadas na praça portuguesa, à frente da maior sociedade de corretagem do país. Foi considerado o melhor corretor português e, as filas eram frequentes à frente da porta da entrada. O crash da bolsa nos anos 90 coincidiu com a sua queda. Foi preso nos Estados Unidos e ilibado. Agora volta para contar a história desde o início, numa entrevista à revista Visão.

"Em 197 fui à bolsa com o António Caldeira, grande amigo e colega de curso [...] quando lá entrei fiquei fascinado. Adorei aquilo, aquele ambiente frenético, cheio de fumo. A partir daí comecei a ir à bolsa e a entusiasmar-me com aquilo, ao quinto dia resolvi que nunca mais voltava ao Técnico".

"Ao fim de duas semanas, o meu primo disse-me que eu tinha jeito para aquilo. E convidou-me para trabalhar no escritório dele. 'Dez contos para começar' disse-me. [...] Fiquei siderado. [...] Tinha 23 anos quando recebi o primeiro ordenado, em 1973, e casei-me logo com a Cristina."

"Até à revolução, apanhei meses fantásticos de Bolsa, ganhei muito dinheiro."

Com a entrada na CEE "vi que tudo ia mudar e fiz logo uma grande viagem pela Europa, visitei corretores, bancos - dei-me a conhecer".

"Tive na mão um poder enorme. Era quase obrigatório que um banco estrangeiro, que investisse em Portugal, passasse, antes, por mim."

"Em 1986 resolvi ser banqueiro. Associei-me à então Sociedade Hispanoamericana, atualmente integrada no Santander para fazerem um estudo do projeto do meu banco. [...] O meu banco não só tinha um capital social igual ao do BCP, que abrira há pouco tempo, como apresentava acionistas do nível de Américo Amorim, Ilídio Pinho, a American Express."

"Fui entregar em mão o projeto do meu banco ao então ministro das Finanças, Miguel Cadilhe. [...] O banco ficou para aprovação do ministro das Finanças, que tudo indicava estar garantida. Mas passado um ano ocorreu a suspensão, devido à qual o meu banco transitou de Miguel Cadilhe para Cavaco Silva - que chumbaria o projeto."

"Cavaco Silva tomou-me de ponta. E eu a ele."

"Quando estoirei financeiramente, acabei acusado de me servir, em proveito próprio, do dinheiro dos clientes, que supostamente angariava com a miragem dos juros altos. Eu apenas investia em bolsa onde se ganha e se perde. Não comprava nem vendia ações para mim. Era nas corretagens que ganhava dinheiro: por cada mil contos [5 mil euros] que alguém transacionava, cabiam-me cinco [25 euros]. Foi isso que provei em tribunal, com a apresentação de 34 mil documentos."

"Depois do crash de 1987, a bolsa levou muito tempo a reanimar. Em 1991, quando houve outra queda, eu estupidamente achei que se reunisse 50 pessoas para investir, era bom para a Bolsa e para o País. [...] Pensei que sozinho ia conseguir outra vez revigorar a bolsa."

"Tenho a perfeita noção de que o que me perdeu na vida - independentemente dos inimigos que ganhei - foi a minha vaidade, ambição e orgulho, que hoje considero atitudes completamente estúpidas. Que necessidade tinha eu de ser sempre o primeiro?"

"E fui um privilegiado. Deus deu-me tudo - até ganhei o Totoloto aos 35 anos . Mas os meus erros tudo estragaram."

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