Pedro Pina: “É extraordinário ver que ao fim de 20 anos, literalmente, tudo o que se passa no mundo se passa no YouTube”
Reinaldo Rodrigues

Pedro Pina: “É extraordinário ver que ao fim de 20 anos, literalmente, tudo o que se passa no mundo se passa no YouTube”

No ano que o YouTube celebra duas décadas de existência, falámos com o presidente do YouTube para a Europa, o Médio Oriente e África sobre como a plataforma se prepara para o futuro, como convive com a Inteligência Artificial e como pode ajudar os media tradicionais a chegar a mais consumidores.
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O Youtube celebra 20 anos em 2025. É uma data muito relevante para vós…

Não dá para acreditar que há 20 anos havia dois amigos que começaram por falar sobre “e se houvesse um site onde nós pudéssemos encontrar vídeos dos nossos amigos?”, o que hoje parece uma coisa tão normal.

Quer recuar 20 anos para explicar a quem ainda não conhece esta ideia, que hoje nos parece muito óbvia?

Em 2005 estávamos a começar a ter telemóveis, a tecnologia não estava nem por sombra desenvolvida como está hoje, e estes amigos decidiram fazer um primeiro vídeo, no dia 23 de abril, no Jardim Zoológico de São Francisco. É uma coisa que podia ser no outro sítio qualquer. Fizeram um vídeo em frente a uns elefantes, que se chama “Me at the zoo”. Era uma coisa aleatória, só para testar. Fizeram o upload desse vídeo e passados 20 anos aqui estamos. Somos um dos maiores sites do mundo. De cada vez que o planeta acorda, metade desse planeta liga só o Youtube. Hoje encontramos qualquer conteúdo que estamos a no YouTube. Hoje, quem quiser ter alguma coisa interessante para dizer e quiser encontrar uma audiência, só tem que ter uma câmara. Como dizia no outro dia um youtuber com muita graça: "Olha, a única barreira que existe para eu ser ouvido é o botão do upload". Não há mais nada. Antes era preciso ter estrutura, era preciso que alguém me permitisse, era preciso que que houvesse um, digamos, canal de televisão, por exemplo, que me convidasse para estar à frente de uma câmara.

Eram precisas muitas variáveis, basicamente.

De repente deu-se a emergência de um conjunto de gente com ideias geniais, com uma criatividade incrível, que nunca tinha acesso a nada e que, de repente, de uma forma muito democrática, começou a aparecer por todo lado. E cá estamos hoje, com uma presença enorme, com uma economia criativa muito vibrante. Os youtubers estão claramente…

Aliás, existe a profissão de youtuber.

E é muito engraçado. É muito engraçado porque há sete ou 10 anos havia pais que estavam muito preocupados e diziam “O meu filho diz que quer ser youtuber. Que disparate”. E hoje em dia os youtubers têm empresas, têm equipas, têm staff, têm estúdios, têm ilhas de edição, têm infraestrutura. E apesar de tudo há uma ideia de enorme inocência, porque há quem pensei que são apenas, sei lá…uma miúda que está a fazer vídeos de tutoriais de make-up, mas por trás tem uma equipa enorme ela percebe de data science melhor do que do que a esmagadora maioria dos engenheiros que nós temos. Conhece o produto muito bem e sabe muito bem para onde é que está a levar o negócio e a sua carreira. Por isso é, de facto, extraordinário, ver que ao fim de 20 anos, literalmente, tudo o que se passa no mundo se passa no YouTube e tudo o que se passa no YouTube se passa.

Pedro Pina foi entrevistado nos estúdios do DN
Pedro Pina foi entrevistado nos estúdios do DNReinaldo Rodrigues

Passou a marcar a agenda também e a ter um peso cultural enorme.

Nós usamos no nosso vocabulário, todos os dias, expressões que apareceram no YouTube. Viralizou. Outboxing. É preciso lembrar que os últimos ciclos eleitorais do mundo inteiro foram feitos e determinados por podcasting. O maior podcaster do mundo é o YouTube neste momento.

Eu ia aguardar a política para mais logo, mas podemos aproveitar.

O podcasting é um fenómeno que vai muito além da política!

Certo, mas vamos voltar a um ponto de que falávamos ainda antes de começar a gravar. O YouTube democratizou muita coisa, não é? Democratizou a voz de muita gente.

Exato.

Depois podemos discutir se isso é bom, se é mau mas isso era todo um outro programa. Cerca de 70% dos jovens recorrem ao YouTube para ir aprender coisas, seja da escola, seja depois das suas atividades, dos seus interesses. 84% dos professores da UE usam o YouTube nas suas aulas. Há, claramente, um pré e um pós-Youtube. Que papel é que ele tem nestas vozes que acabam por aparecer? Porque isto também é uma mudança…

O facto de haver mais vozes ou haver várias vozes a contribuir para um diálogo sobre o que está a acontecer na vida, seja ela qual for e seja qual for o tema, é uma coisa que é importante e sempre existiu. Quando nós tínhamos muitíssimos jornais e muitas rádios e muitos canais de televisão, havia muitas vozes a falar sobre o mesmo tema. Qualquer que seja o tema, pode ser política, eleições ou pode ser make-up. Mas tínhamos muitas vozes a falar sobre a mesma coisa. Nada mudou sobre isto, no sentido em que continua a haver muitas vozes. As vozes é que não estão concentradas em um número restrito de de players. Estão na mão de qualquer utilizador. Se quiser amanhã, pode começar o seu canal do YouTube e ter uma voz e partilhar a sua opinião, a sua paixão, a sua atividade. Por isso, a troca a troca de opiniões, a troca de pontos de vista sempre foi uma riqueza enorme da democracia. A liberdade, a liberdade de expressão e liberdade de trocar pontos de vista; a liberdade de estarmos em desacordo e apresentarmos os nossos pontos de vista, é a única maneira de fazer uma democracia avançar. E eu preciso saber quais é que são os pontos de vista, são contra os meus. Eu preciso saber, eu tenho um ponto de vista sobre basicamente tudo, e certamente há um conjunto de pessoas que não estão de acordo de todo comigo. Preciso saber quais é que são esses pontos de vista para poder, um, refazer, refletir os meus e dois, trocar fazer essa troca de opiniões.

Mas não há limites?

Claro que há limites e nós definimos esses limites. E mais: os limites estão definidos e são públicos. A utilização da plataforma do YouTube está sujeita a regras muito claras.

Aquelas regras que ninguém lê, por norma, vamos ter dizer…

Não sei se será assim. Há pessoas leem aqueles termos e condições. Sabe porquê? Porque sempre que não obedecem, os vídeos são retirados da plataforma. Por isso nós temos controlo vídeo a vídeo. Não é pessoa a pessoa, é vídeo a vídeo. Nós olhamos para o vídeo e fazemos a pergunta: "Este vídeo respeita as regras do YouTube ou não?" Por exemplo, nós não permitimos discursos de ódio, nós não permitimos violência explícita ou implícita. Não permitimos assédio. Simplesmente retiramos o vídeo, nesses casos. Por isso, a Margarida pode ter 50 vídeos fantásticos e há um em que por qualquer motivo decidiu violar um desses princípios. Esse vídeo é retirado. Os utilizadores do YouTube, os criadores do YouTube percebem muito rapidamente quais são essas regras. Quando alguém se torna um YouTube, nós fazemos questão de informar que têm de obedecer essas regras. E isso não é o suficiente para começar a ganhar dinheiro no YouTube.

Reinaldo Rodrigues

Como assim?

Para ganhar é preciso ainda respeitar regras ainda mais restritas para ter a certeza de que os negócios que nós temos são viáveis, mas também são aceitáveis

Quais são as regras para ser um youtuber?

As regras para ser um youtuber é não violar nenhuma dessas regras. Pode fazer o que quiser, mas, naturalmente, há uma atenção maior a partir do momento em que a pessoa atinge uma determinada popularidade.

Como é que se mede essa popularidade?

A partir do momento que chega a uma certa popularidade, existe a possibilidade de conseguir ganhar dinheiro com isso, porque popularidade significa audiência, a audiência significa que vai haver anunciantes interessados em atingir essa mesma audiência.

O que significa que vai estar a fazer um vídeo sobre o que quer que seja e, se cumprir um conjunto de requisitos e aceitar, vai fazer parte do nosso modelo de monetização. A partir de um determinado momento a publicidade vai começar a aparecer nos seus vídeos - são aqueles em que as pessoas ou fazem o skip ou não. Por cada publicidade dessas, nós repartimos mais de metade do valor que recebemos do anunciante com o criador de conteúdo.

Portanto, nós começamos com um vídeo no zoo de São Francisco e, de repente, temos pessoas a fazerem do YouTube uma profissão e uma forma de vida. Como é que olha para os próximos 10 anos? Porque isto é uma área que muda, todos os dias.

Sim, mas já anda a mudar há 20 anos. Já passámos por muitas alterações, mas o nosso paradigma é sempre seguir os utilizadores. O que é que os utilizadores estão a pedir? Nós vamos dar-lhes. Inicialmente só tínhamos um formato: subíamos um vídeo que tinha, em média, entre os 15 e os 20 minutos – mas havia pessoas que faziam duas horas. A esses chamamos long form.

Hoje no YouTube, pode fazer long form, pode fazer short form, pode fazer podcasting, que é um formato diferente, pode fazer live. Esses formatos não existem porque nós decidimos, mas porque percebemos que os utilizadores estão a pedir esse tipo de formatos. Olhando para o futuro, que era a sua pergunta, o que que nós estamos a ver?  Um crescimento enorme na utilização do YouTube no nos ecrãs lá de casa - no grande ecrã da sala da sala de jantar ou sala de estar, o que é uma autêntica revolução. Nós temos 1 bilião de horas, todos os dias, a passar por grandes ecrãs no mundo inteiro. A nossa audiência geral está a crescer muito significativamente, também porque os filhos puseram os pais a ver vídeos. O móvel continua a ser muito importante, mas de facto este é o grande crescimento que nós estamos a ver.

O conteúdo educativo tornou-se muito relevante no YouTube, ao contrário do que a generalidade das pessoas pode pensar, não é?

Voltando ao ponto que referi anteriormente, é um reflexo do mundo, é um reflexo do que os editores estão interessados em dizer. E as grandes notícias é que nós temos muito conteúdo informativo e educacional no YouTube: de história, ciência, o que prova que as pessoas continuam a estar interessadas sobre esse assunto, continuam a estar ligadas a querer saber mais sobre esse assunto, senão não haveria conteúdos. A grande vantagem é que nós não investimos neste negócio, não apostamos no negócio. As pessoas é que estão a apostar porque claramente estão a ganhar dinheiro com isso. Como é que nós sabemos? Porque as audiências estão lá. E como nós nunca fazemos comissionamento de programas, não forçamos como um broadcaster normal. O conteúdo vai ter de viver por ele próprio, vai ter de ter sucesso por ele próprio e fazer dinheiro por ele próprio. E mais: nós só ganhamos se esse conteúdo tiver sucesso. E o que é maravilhoso é ver o número de criadores que estão a fazer conteúdo educacional, conteúdo para crianças, conteúdo científico, conteúdo de política, discussão política, e sistematicamente a conseguir crescer e fazer dinheiro. É extraordinário ver isso e dá-me uma imensa esperança.

Reinaldo Rodrigues

Ainda bem que fala de esperança, para falarmos desta relação entre plataformas como o Youtube e os media tradicionais. O YouTube trabalha com muitos deles – este vídeo será, aliás, publicado no YouTube, também. O Pedro dizia, antes de começarmos a gravar, que as pessoas querem informação e verdade e notícias. Há formas de o YouTube, em particular, trabalhar com os media tradicionais e ajudar nesta reafirmação da democracia e dos valores democráticos numa sociedade que acha que é tudo fake news?

Voltamos ao princípio de que falei anteriormente. A parte que é mais importante é nós sabermos como é que o utilizador quer consumir as notícias, para que vamos ao encontro do que ele quer. No formato, na forma e com o conteúdo que ele quer. Se tivermos a capacidade de perceber isso, estivermos disponíveis para as mudanças que são importantes…Se não formos teimosos em insistir em apenas usar um formato, como estávamos a utilizar noutro sítio, para passar para este novo… Ler um texto não é fazer um podcast. Não é isso que as pessoas querem. Às vezes, quando falo com algumas que estão mais zangadas com o YouTube porque este não ajuda o que existe, eu geralmente digo: "Mas vocês estão a zangar-se com as pessoas erradas. Têm de zangar-se com os utilizadores, porque os utilizadores é que querem que a informação lhe chegue de um determinado formato e de uma determinada forma".

Nós temos total evidência, e trabalhamos com imensos publishers em toda a Europa e nos Estados Unidos, de que quando esses publishers decidem pôr de lado algumas regras – há quem chame dogmas –  e começam a perguntar qual é que é a melhor forma de chegar aos utilizadores da forma que eles querem, o YouTube é a melhor plataforma de distribuição para isso. Olhe para o New York Times, que é um belíssimo exemplo. O NYT fez uma transformação enorme por dentro enorme e revolucionou a história dos podcasts. Mas rapidamente percebeu que os podcasts em vídeo são muito melhores…E mais, o investimento que é requerido é mais intelectual do que material. Atualmente, o meu telemóvel ou o seu telemóvel tem a tecnologia básica necessária para ter uma boa transmissão num podcast – sem desprimor para as belíssimas câmaras para onde estamos a falar (risos). A maioria dos grandes podcasters do mundo utilizam telemóveis em cima de um tripé. Portanto, a tecnologia já está aqui, já está disponível, não é preciso fazer grandes investimentos. O grande investimento é a mudança de paradigma. É dizer, mas que formato é que eu tenho de ter?

Acha que há uma certa teimosia nos meios mais tradicionais?

Acho que há meios em que sim, em que há umas resistências. Mas há um meio mais tradicional que o New York Times? Não há. Portanto, ser um título tradicional com maior longevidade depende da capacidade de mudança. O Diário de Notícias – e isto não é sobre o Diário de Notícias - já mudou 40.000 vezes a forma como faz as notícias desde o formato do papel, a forma como é impressa a fotografia, depois de haver fotografia (risos), depois o grande salto da fotografia a cores, depois os encartados …quero dizer, isto já passou por vários formatos. Isto tem que ver exatamente com a mesma coisa, que é como é que nós nos podemos adaptar outra vez. E sim, o passo, a velocidade da adaptação é maior, aquilo que é exigido é maior, mas há quem faça.

Para terminar, se lhe pedir para elencar três objetivos do YouTube para os próximos 20 anos, o que me diria?

A primeira coisa que me vem à cabeça é dizer que gostaria que o YouTube continuasse a contribuir para alimentar indústrias criativas a nível local. Continuar a dar voz aos criadores locais de cada região, de cada país, de cada cidade no mundo inteiro. Que não seja coisa só de capitais, das grandes cidades do mundo, mas que continue a fazer aquilo que está a fazer agora, que é dar voz a quem tem uma câmara, seja no interior do país ou no centro de Lisboa. Em segundo lugar, que essa voz chegue ao mundo inteiro. Para esbater as barreiras e as fronteiras, nomeadamente com a aplicação da inteligência artificial para eliminar as barreiras de linguagem. E o terceiro é conseguir encontrar um modelo harmonioso e de mútuo ganho com os media tradicionais, que desempenham um papel fundamental na vida e nas sociedades de hoje. Se os broadcasters e os publishers que temos continuarem a ter viabilidade, e um futuro, o país será mais rico. Não terem viabilidade é uma coisa que me angustia imenso. Se conseguirmos encontrar um modelo em que isto seja possível, que seja bom para os utilizadores e que seja bom para os anunciantes, que são quem normalmente tem estado a alimentar esta indústria; que seja bom para os publishers e para os jornalistas, era uma coisa de que eu gostaria.

Pareceu encomendado esse último terceiro ponto, não foi? Mas para quem nos lê, e nos ouve, não foi, de todo!

Não foi!

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