Pittsburgh: de cidade do aço a high tech

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Há uma máquina

industrial de mexer massa no edifício da Google em Pittsburgh,

inaugurado há menos de dois anos. Não é bem uma extravagância de

Larry Page e Sergei Brin, os fundadores da empresa que puseram um

dinossauro no meio de um jardim na sede, em Mountain View. É uma

homenagem ao passado industrial da cidade, que implodiu na década de

setenta. As instalações da Google ficam na antiga fábrica da

Nabisco, no complexo Bakery Square, cujo encerramento há alguns anos

foi dramático.

"Pittsburgh é um

exemplo forte de como criar novos empregos e indústrias durante a

transição para uma economia do século XXI". As palavras do

presidente Barack Obama, ditas num discurso em outubro de 2009,

encheram os habitantes de Pittsburgh de orgulho. Tal como a ocupação

do edifício pela Google, foram um reflexo de como a cidade soube

reinventar-se.

Na verdade, o declínio da indústria siderúrgica de

Pittsburgh nos anos setenta, que pôs no desemprego milhares de

pessoas, acabou por ser a melhor coisa que aconteceu à cidade. A

maioria das siderúrgicas fecharam, acossadas pela concorrência dos

países emergentes e pelo cerco dos legisladores às indústrias

poluidoras. A crise deu à cidade uma oportunidade de renascer e

tornar-se num dos polos de educação, tecnologia e saúde mais

importantes do país.

O chauffeur que me foi

buscar ao aeroporto não concorda com nada disto. Talvez seja

republicano e não goste de Obama, mas penteia o bigode várias vezes

enquanto diz que "isso são tudo tretas", Explica que Pittsburgh

sempre foi forte em tecnologia, afinal a Carnegie Mellon não surgiu

há meia dúzia de anos, existe como tal desde 1967. "As sementes já cá estavam", assegura. O que não

havia era grande vontade de investir, algo que mudou nas últimas

décadas. E Pittsburgh modificou radicalmente a sua estrutura

económica.

A importância da Carnegie

Mellon e da Universidade de Pittsburgh, quase sempre referida como

"Pitt U", é fenomenal. Grande parte da cidade, pelo menos do

lado académico do rio, gira em torno dos mais de 50 mil estudantes

só destas duas universidades. Pittsburgh tem nada menos que 29

Faculdades e Universidades; só a Pitt U é a maior empregadora do

sector, com mais de 10 mil trabalhadores Na baixa de Pittsburgh,

onde trabalham 250 mil pessoas, há duas coisas que sobressaem: uma é

a limpeza das ruas e a ausência de grafitis nas paredes ou beatas no

chão. A outra é a quantidade de museus, galerias e salas de

entretenimento que aparecem a cada esquina. Com o estádio dos

Pittsburgh Pirates a escassos metros do centro, a sensação é de

que esta é principalmente uma cidade de lazer.

Mas não é bem

assim. Nada assim. Pedro Ferreira, investigador da Carnegie Mellon e

coordenador do programa CMU Portugal, está em Pittsburgh por tempo

indeterminado e não tem dúvidas. "A qualidade de

vida não é tão boa como em Lisboa. Não há esplanadas cheias à

beira rio", lamenta."É uma cidade pequena, com uma oferta

cultural relacionada com música e desporto. A vida é muito focada

nas Universidades", confirma.

Ou seja,

Pittsburgh ainda está a meio caminho de se transformar numa São

Francisco, que alberga o Sillicon Valley original e tem das ofertas

culturais mais ricas e diversificadas do mundo.

O governo da região, de

Allegheny, não está tão preocupado com as noitadas dos estudantes

como com a captação de investimento. Aqui é que estão as grandes

vantagens em relação a São Francisco e a Nova Iorque: as

infra-estruturas são topo de gama mas o preço a pagar pelas rendas

é bastante inferior. Luís Moura, o diretor do programa CMU

Portugal, confirma que não há nenhuma empresa portuguesa na região.

Algo que mudaria se Pittsburgh fosse mais bem conhecido como polo de

tecnologia; Robert

Unetich, fundador da consultora GigaHertz, diz que qualquer start-up

portuguesa que queira vingar tem de sair do país, e Pittsburgh seria

uma escolha interessante. "Eu aconselharia a ir para sítios com

afiliação a universidades". Unetich esteve em Portugal a convite

do programa CMU, para dar "lições" de empreendorismo em

workshops e reuniões cara-a-cara. "Toda a gente era motivada pela

tecnologia, mas não orientada para o negócio", confidenciou. "As

start-ups vão gerar muito emprego", diz, referindo que a GigaHertz

ajudoou recentemente uma start-up tecnológica a instalar-se em

Pittsburgh.

É

isso que a Allegheny

Conference pretende.

Há 1500 empresas tecnológicas na área,

incluindo robótica e biotecnologia,

e muitas gigantes têm em Pittsburgh a sua

sede, como a GlaxoSmithKline, a American Eagle Outfitters, a Bayer

USA e o centro de operações da Alcoa.

Não é por acaso que o

complexo Pittsburgh Technology Center se localiza na "Technology

Drive"; é também aqui que fica o campus da CMU dedicado à

tecnologia de entretenimento, Entertainment

Technology Center. Um edifício totalmente à parte, onde as casas de

banho parecem saídas de um jogo de computador e toda a decoração é

composta por referências do entretenimento - Star Wars, Elvis

Presley, Batman, Hulk, Roger Rabbit, The Simpsons. Este curso é

quase único no mundo e é uma fusão de arte e tecnologia que Steve

Jobs, o co-fundador da Apple, certamente aprovaria.

ainda outro pormenor que distingue Pittsburgh de outras grandes

cidades - e não é apenas a quantidade pouco usual de parques e

pontes, que compõem um quadro pitoresco onde não são esperadas

imagens pitorescas.

Existe uma vibração de "boa vida",

que se mistura com o profissionalismo e as elevadas ambições

académicas - apesar de, para a estudante de doutoramento

portuguesa Susana Brandão, a cidade ser "um bocado secante".

A

The Economist considerou-a a cidade com melhor qualidade de vida nos

Estados Unidos em 2011, distinção que já tinha recebido em 2005 e

2009 e que também foi atribuída pela Forbes em 2010. Não é

Lisboa, mas é interessante.

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