Porque foi despedido o poderoso português da Yahoo

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O primeiro sinal de alarme devia ter soado na cabeça de Marissa Mayer quando o seu número dois, um executivo escolhido a dedo e pago a peso de ouro, falou no evento anual da IAB (associação de publicidade interativa), em fevereiro de 2013. Henrique de Castro era diretor de operações da Yahoo há pouco tempo. Vinha de um cargo estelar na Google. E deu aquela que foi considerada uma das piores apresentações executivas de sempre.

Pondo de lado a barreira linguística, com um inglês terrível e difícil de entender, saltava à vista a incoerência da visão do português e a sua dificuldade em expô-la. Com um contrato de mais de 40 milhões de euros, este era o executivo que tinha a missão de reorganizar a venda de publicidade na Yahoo e inverter a crise na icónica empresa. Não se percebeu como na altura, mas hoje é claro que não funcionou: menos de um ano depois, foi demitido.

"Durante a minha reflexão, tomei a difícil decisão de que o nosso COO [chief operations officer], Henrique de Castro, deve deixar a empresa. Aprecio a contribuição do Henrique e desejo-lhe o melhor nas iniciativas futuras", escreveu Marissa Mayer, a CEO da Yahoo, no memorando interno em que explicou o que se passava aos empregados. Curta, seca e parca em explicações. Henrique de Castro fora a sua maior contratação desde que chegou à Yahoo, no verão de 2012. Tornou-se o seu maior embaraço.

Uma estrela na Google

Marissa Mayer foi considerada pela Fortune uma das 50 mulheres mais poderosas do mundo em 2010, aos 35 anos. Estava na Google há 13 anos quando saiu para se tornar CEO da Yahoo, que atravessava uma grave crise: de resultados, de liderança e de visão. Chegou em julho, grávida, e assim que o filho nasceu regressou ao trabalho. A primeira coisa que fez foi convencer Henrique de Castro a deixar o seu cargo de alto estatuto da Google na Europa, onde era vice-presidente do grupo Partner Business Solutions, depois de ter sido presidente mundial de média, móvel e plataformas. Acenou-lhe com um contrato de 60 milhões de dólares a quatro anos, espantando o mercado pela generosidade. Mas o português tinha sido tão bem sucedido na Google, uma máquina de fazer dinheiro com publicidade, que ser o diretor de operações mais bem pago da América caía-lhe bem. O que correu mal, depois disto, foi tudo.

"O que é preocupante na saída de De Castro é que mostra que os problemas internos que afetaram a Yahoo na última década não foram resolvidos, e a inexperiência de Mayer como CEO foi posta em causa", diz ao Dinheiro Vivo Chris Pfaff, CEO da Chris Pfaff Tech/Media. "Ela pode recuperar disto, mas terá de agir rapidamente para galvanizar a sua equipa, numa altura em que as marcas estão a tomar decisões críticas sobre como chegar ao consumidor digital e podem olhar menos para a Yahoo do que no passado."

Mayer apresenta os resultados trimestrais da Yahoo dentro de 10 dias e ninguém espera números brilhantes. No terceiro trimestre, as receitas de publicidade recuaram 5%, o que colocou Henrique de Castro sob enorme pressão. Mayer levou a Yahoo a ser lucrativa outra vez e fez triplicar o valor das ações da empresa desde que entrou, apaziguando os investidores (valiam 15,9 dólares quando entrou e valem hoje 40,06). Mas as áreas chave como a publicidade não subiram. E toda a reorganização que Henrique de Castro levou a cabo só pareceu piorar as coisas.

Ultimamente, nos corredores da Yahoo, o executivo português era apelidado de "Dead Man Walking". Não apareceu nos eventos em que a Yahoo esteve envolvida ultimamente, incluindo o Consumer Electronics Show, de Las Vegas. Nas reuniões, diz a veterana Kara Swisher, do Recode, era transparente o mal estar entre Castro e Mayer - que, na verdade, nunca trabalhou diretamente com ele na Google. Há meses que a empresa tentava contratar alguém para substituir o diretor de média Mickie Rosen. Segundo a Adweek, a dificuldade advinha de os candidatos não quererem reportar a Henrique de Castro: um homem inteligente, charmoso, mas incrivelmente polarizador. Fez inimigos de peso na Google e repetiu a receita na Yahoo. Incompatibilizou-se com o chefe de vendas Ned Brody, a diretora de aquisições Jackie Reses e a diretora de marketing Kahy Savitt. Alterou completamente a estrutura da organização de venda de publicidade, gerando receios e situações complexas para os executivos da área. O alto perfil com que vinha da Google devia-se ao facto de ter sido, em parte, responsável pelo grande crescimento do negócio de anúncios multimédia da empresa. Mas, dizem fontes por aí, Castro tinha a DoubleClick, o YouTube e uma equipa fenomenal de engenheiros e gestores de produto - ou seja, uma situação perfeita.

O descrédito na Yahoo tornou o rumor da sua saída recorrente. A demissão, anunciada esta semana, foi acompanhada de uma compensação chocante para os termos de Silicon Valley: 29 milhões de dólares (21,3 milhões de euros), cerca de metade do que estava inscrito no contrato até 2016. "É um dos pacotes de compensação mais caros de sempre, em especial por menos de dois anos de serviço", sublinha o especialista na área, Bruce R. Ellig. A firma de compensações Equilar foi mais longe e estima que Henrique de Castro tenha encaixado 109 milhões de dólares (82 milhões de euros) com o total da passagem na Yahoo. Ou seja: o erro de Mayer tornou o português milionário.

"Penso que a Yahoo tomou medidas fortes desde que Mayer entrou, incluindo aquisições de alto perfil, que tornaram a Yahoo relevante outra vez", lembra Chris Pfaff. "Dito isto, há tantas peças que precisam de ser encaixadas para recuperar a Yahoo, e isto não é algo que se consiga em 18 meses." Terá Henrique de Castro saído cedo demais, como questiona Bruce R. Ellig, ou já foi tarde, tendo em conta a tensão com a equipa pessoal de Mayer?

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