Existe em Portugal uma clara distância entre os regulamentos e códigos de Corporate Governance e a sua aplicação na prática. Na prática a teoria é outra, dirão alguns. “Quando um modelo de governance [ou governo das sociedades] não se percebe à primeira vista é porque não funciona. Os modelos têm de ser simples e transparentes”, defendeu esta segunda-feira João Talone, partner da Magnum Capital, na conferência sobre Corporate Governance que teve como anfitriões Luis Filipe Pereira, presidente do Fórum de Administradores e Gestores de Empresas e Maria da Glória Ribeiro, managing partner da empresa de executive search Amrop Portugal..A reflexão sobre “sustentabilidade e multiplicidade dos constituintes”, que aconteceu no auditório da Fundação Portuguesa das Comunicações, em Lisboa, veio refrescar o debate sobre a ética e boas práticas na governação, ou seja, nas relações entre administradores, acionistas e as restantes partes interessadas numa empresa, como os colaboradores, os clientes e os fornecedores..“Portugal está cheio de modelos de governance fantásticos que não servem para nada”, disse Talone, o ex-CEO da EDP, cargo que deixou para criar em 2006 a firma de private equity Magnum Capital. “Governance é mais espírito do que forma”, lembrou, citando a Harvard Business School onde estudou Gestão e outra escola de negócios de topo, o INSEAD. Forma quer dizer controlo e conformidade com a regulamentação, enquanto espírito está na linha dos princípios morais e da ética..O investidor não foi o único a sublinhar a moralidade e o bom senso no governo das organizações. Também Pedro Rebelo de Sousa da SRS Advogados defendeu que não há códigos jurídicos perfeitos e, por isso, “o bom senso, os princípios e os valores têm de estar presentes.” Para Stephan Morais, managing general partner da firma de capital de risco Indico Capital Partners, existe uma dicotomia entre regras e princípios. “Em Portugal há um enfoque nas regras.”.Tal como Maria da Glória Ribeiro acentuou na sua apresentação sobre orientações para a seleção de membros da Administração, Stephan Morais, ex-diretor da Caixa Capital, área de capital de risco da Caixa Geral de Depósitos, acredita na diversidade (de nacionalidades e experiências profissionais, por exemplo) e que quando as pessoas não se conhecem e são independentes têm mais facilidade em falar. “O que tem sido valorizado é seguir a linha do chefe, do acionista ou do CEO” com medo de perder os benefícios adquiridos. “Discordar é um problema na sociedade portuguesa”, acentuou o investidor em capital de risco de empresas tecnológicas..Autorregulação não chega.Stephan Morais discorda da auto-regulação. “Precisamos de uma mão forte e independente. Talvez chamar um regulador internacional fosse importante.” Trazer pessoas que não pertencem ao “sistema”, que não se importam de dar livremente a sua opinião porque não estão sujeitas a sofrer consequências [represálias] é a sua recomendação..“A autorregulação não chega”, disse Carlos Rodrigues, CEO do Banco Big. Para si, o que temos feito até ao momento é produzir regras, que são importantes, mas que pecam por serem complexas e demasiado extensas. Além de mais, “o regulador e legislador ignora o que já foi regulado e nunca foi implementado.” A preocupação hoje é tornar “fazíveis” as regras de Corporate Governance, que devem ser simples e “consumíveis” por quem as vai aplicar..Para Duarte Pitta-Ferraz, professor da Nova SBE, o código do Instituto Português de Corporate Governance não reflete as melhores práticas nesta área. Porque as empresas querem ter boa governance? “Para angariarem capital dos acionistas, obrigacionistas e sistemas financeiros”, respondeu durante o segundo painel da conferência sobre o impacto do Corporate Governance na sustentabilidade dos negócios e que foi moderado por Rosália Amorim, diretora do Dinheiro Vivo..Remuneração dos administradores.O tema da remuneração dos administradores é dos mais delicados quando falamos de governance. Ou melhor, o tema da média da remuneração do CEO face aos salários dos colaboradores. Segundo João Talone esse rácio não deve ser superior a 34 vezes. “Acima de 1/34 começam os problemas de coesão social”. Defende que se na empresa ninguém tem seguro de doença ou complemento de reforma, então os administradores também não devem ter. “O modelo de remuneração dos administradores deve estar alinhado com o dos colaboradores”, concluiu..Contra as remunerações excessivas do board está também Vítor Bento, chairman da SIBS, a empresa que gere o Multibanco em Portugal. “Não há nenhum estudo que mostre que há ligação entre o nível de remuneração e o nível de desempenho”, clarificou, dizendo tudo sem dizer..Qual é a função mais importante do board? “Desafiar o CEO sobre o rumo e a definição da estratégia de médio e longo prazo da empresa”, disse João Talone, partilhando com a assistência uma boa pática. Segundo a sua regra dos “0/20 e 60/20”, o board deve dedicar zero minutos a fazer apresentações- estas devem ser feitas e distribuídas com uma semana de antecedência às reuniões-; 20% do tempo deve ser aplicado a fazer perguntas ao CEO e ao CFO; 60% do tempo deve ser ocupado com a discussão e equilíbrio entre visões alternativas; e, por fim, a decisão deve ocupar 20% do tempo..Na verdade, o exemplo tem de vir do board. Para Luis Rodrigues, executive board member da Nova SBE, o bord tem de dar o exemplo à organização e à sociedade. “Não são tão importantes as medidas que toma, mas o exemplo que dá”, disse, citando o Índice da Competitividade das Nações que coloca Portugal na posição 32 entre uma lista de 137 países. Mas, realça, “no indicador eficácia dos board corporativos estamos no lugar 76.” Muita há a fazer, indo além de relatórios bonitos que não saem da gaveta. “Os últimos grandes escândalos em Portugal aconteceram nas empresas que tinham os melhores relatórios de Corporate Governance”, acrescentou certeiro Luis Reis, chief corporate center officer da Sonae SGPS.