Espanha está
a enfrentar uma elevada taxa de desemprego e um crescimento lento. Este artigo
foca-se numa fonte importante desses problemas - o seu mercado imobiliário.
Embora tenha havido alguma correção desde que a bolha do imobiliário rebentou
no país em 2008, os preços das casas e a construção precisam de diminuir mais
para abrandar a acumulação insustentável de dívida externa.
Qual é o problema em Espanha? Começou com uma bolha
imobiliária clássica financiada por capitais estrangeiros, e como um manual preveria,
quando a entrada de capitais
estrangeiros parou e a bolha rebentou, o desemprego disparou e o sistema
financeiro também entrou em colapso (Reinhart 2008).
Os problemas fiscais atuais são, sobretudo, um reflexo
da crise imobiliária. O Governo espanhol está a gerir um enorme défice fiscal
enquanto a economia se mantém fraca e as perdas cada vez maiores no setor bancário
se erguem como a espada de Dâmocles sobre o setor público.
Por este motivo, tem sido dada
demasiada atenção ao não cumprimento da meta do défice em 2011 e que défice poderá
ser alcançado em 2012. Devia ser dada mais atenção aos fatores por trás do défice.
Nós defendemos que a raiz do problema está no facto de a bolha imobiliária
espanhola ter sido extrema e de a correção ter sido demasiado lenta. Especificamente,
abrimos um novo ângulo sobre duas questões-chave: quanto tempo vai demorar a
absorver o legado da bolha e quanto é que isso vai custar?
A bolha imobiliária espanhola
A maioria dos comentadores
concentra-se nos preços das casas, normalmente em termos reais, como a medida
para a bolha imobiliária e seus desenvolvimentos (por exemplo, Münchau 2012).
Os dados sugerem que os preços das casas sofreram realmente uma correção, mas
não o suficiente. A Figura 1 mostra o índice de preços das casas em Espanha
(medidos em relação às rendas) aproximadamente ao mesmo nível de 2003 e ainda
muito acima dos níveis anteriores a 2000. Favorecemos o índice de preço de
aluguer em detrimento do preço real porque não deverá ser afetado pela imigração;
qualquer aumento na procura de habitação por parte desta fonte deverá
manifestar-se em pressão para subir tanto nas rendas como nos preços.
Pelo
contrário, a imigração deverá colocar mais pressão nas rendas do que nos preços
das casas pois a maioria dos imigrantes não terá provavelmente dinheiro para
comprar e optará por alugar.[2]
O gráfico confirma que os preços
das casas seguiram o índice do preço de aluguer desde o seu pico no último trimestre
de 2006 mas ainda continuam mais altos do que no período pré-bolha.
Um gráfico análogo para a Irlanda mostraria
uma curva em forma de sino, com a relação preço/renda atual já em níveis semelhantes
aos de finais dos anos 90. Se a correção dos preços na Irlanda está perto de terminar,
pode dizer-se que a Espanha ainda está a meio do caminho.
Embora isto possa ser verdade, defendemos
aqui que para desenvolvimentos macroeconómicos, os preços das casas são menos
importantes do que a quantidade de recursos
reais usados no setor imobiliário.
O que importa para a economia real é a dimensão
do setor de construção (especialmente emprego) e a sua trajetória temporal em
relação ao equilíbrio a longo prazo.
Para a Irlanda, o excesso acumulado
de construção entre 1997 e 2008 é equivalente a cerca de 99 bilhões de euros,
ou 55 % do PIB (2008). No caso de Espanha, isto é mais do que 380 bilhões de
euro ou 37% do PIB (2010).
Defende-se muitas vezes que a Espanha
é diferente porque há uma forte procura de casas de férias por parte de
estrangeiros. Embora possa ser verdade, isto já é tido em conta na media a
longo prazo como se mostra com uma taxa de "equilíbrio" de gastos na construção
(em relação ao PIB) 5% mais alta em Espanha do que na Irlanda e acima da
maioria dos países europeus.[5]
Até que ponto está o
processo de correção avançado?
A zona abaixo da linha encarnada que
representa a média do investimento em construção a longo prazo mede o processo
de absorção da bolha. Como as casas não se deterioram rapidamente, a única maneira
de equilibrar a oferta e a procura é construindo menos.
Em ambos os países, o processo está
claramente incompleto no sentido em que a zona que mede a absorção é muito mais
pequena que a zona que mede o excesso.
Na
Irlanda, a correção deu-se a alta velocidade e cerca de um terço da bolha
já foi absorvida.Em Espanha,
a absorção mal começou e as previsões da Comissão Europeia para 2012 e
2013 (representadas pela linha pontilhada) sugerem que é provável que a
correção estagne.
Se a construção continuasse à taxa
ainda relativamente alta atual, o processo de absorção da bolha demoraria mais
de 30 anos.
Dados mais recentes, de fontes diferentes, sobre início de
construção de casas (e conclusão) indicam que as previsões da Comissão para
2012 e 2013 poderão estar a subestimar a queda na atividade de construção, que
está a acelerar de novo. Esta poderá ser também a razão principal (em vez da correção
fiscal) porque as taxas de crescimento para Espanha estão a ser revistas para
baixo.
O desempenho relativamente bom da
economia espanhola em 2010/2011 pode, portanto, ter-se devido ao facto de que
durante estes anos a correção tanto nas contas do governo como no setor imobiliário
abrandou. Os custos a longo prazo deste atraso estão agora a tornar-se evidentes.
A nossa estimativa muito
aproximada do excesso de construção também fornece dados sobre as perdas que
o setor bancário poderá enfrentar após a correção estar finalizada - pelo
menos a partir de uma perspetiva de ordem de grandeza.
Afinal, o excesso de
construção representa a quantidade de recursos reais desperdiçados num setor cujas
despesas foram financiadas principalmente pelo crédito. Escusado será dizer que
o nosso total estimado de 380 bilhões de euros excede em muito as provisões e
desvalorizações acumuladas pelo sistema bancário espanhol (e em particular pelas
caixas económicas) até agora.
A fonte do financiamento é
importante
Um excesso de imóveis per se
não tem de levar a uma crise financeira grave se foi financiado por poupanças
internas (como acontece no Japão e Alemanha). Infelizmente, não foi
este o caso em Espanha.
A Figura 3 mostra que as despesas
de investimento em construção seguiram de perto a acumulação de dívida
externa por parte de Espanha (isto é, a conta corrente).
Na última
década, Espanha acumulou dívida externa que atinge perto de 90% do PIB.O
painel de avaliação do Procedimento para Desequilíbrios Macroeconómicos da
Comissão mostra que a dívida externa espanhola já é igual à da Grécia
(EC 2012).
O nível de dívida externa está a
aumentar porque a conta corrente ainda está em défice. Com base nas
tendências atuais, aumentaria até cerca de 100% do PIB até 2016 (o nível que Portugal
tem atualmente). Neste ponto, Espanha estaria claramente em perigo de ficar
sem acesso aos mercados.
O que se pode fazer?
A tarefa fundamental a curto prazo
para Espanha é acabar com a acumulação de mais dívida externa, para que o
país deixe de depender de entradas contínuas de capital estrangeiro. Isto só
pode ser atingido rapidamente se o setor de construção (que provavelmente gasta
recursos adicionais) tiver permissão para encolher mais.
É claro que isto só pode funcionar
se os recursos libertados pelo setor de construção a encolher forem empregues
noutro lugar na economia; nesta fase, a economia só pode crescer se as exportações
também crescerem.[6]
Esta realocação da mão-de-obra para o setor
exportador está a dar-se muito lentamente e exigirá uma queda nos salários - pelo
menos em relação com o resto da zona euro, e especialmente em relação à Alemanha.
Isto requer um mercado de trabalho em que os salários possam descer se
existir um excesso de oferta.
No entanto, os dados espanhóis a este
respeito são muito desencorajadores
É evidente que em Espanha a situação se deteriorou desde
2007 (a taxa de inflação dos salários era muito superior em 2008 para
o mesmo nível de desemprego que existia no início da década). Isto provavelmente
deve-se à indexação dos salários para trás, que transmite os choques em termos
de comércio dos preços mais elevados do petróleo para o mercado de trabalho.
A
observação deste gráfico parece sugerir que uma taxa de desemprego acima de
20% é necessária para manter a inflação dos salários próximo do zero. Na Alemanha,
pelo contrário, a inflação dos salários baixou para zero com uma taxa de
desemprego de cerca de 10%.
Conclusão
A nível geral, parece que a Espanha ainda não se
adaptou por completo ao colapso da sua enorme bolha imobiliária, que
impulsionou a sua economia para um caminho insustentável até 2008. Os preços
das casas têm que cair mais, o setor da construção tem de encolher mais e a
realocação de mão-de-obra para empresas exportadoras está a ser abrandada por
um mercado de trabalho que impede que os salários desçam suficientemente
rápido.