Alcançar um acordo entre as partes envolvidas num processo judicial pode ser uma tarefa hercúlea ou até mesmo impossível em diversos casos. Segundo dados do governo português, a média anual de litígios resolvidos pelo Centro de Arbitragem Administrativa aponta para os 1370. Mas este número poderia ser maior, não fosse interpor uma ação judicial uma despesa avultada, à qual nem todos têm bolso para fazer face. Foi a pensar nessas pessoas que o advogado Fernando Folgueiro e o engenheiro Yago Zavalía criaram a Qanlex, uma startup tecnológica que financia litígios, com a ajuda de machine learning. Aos três anos de vida, a empresa argentina já marca presença em 15 países da América Latina e Espanha, tendo dado recentemente o salto também para Portugal.
Esta prática, que tem vindo a ganhar terreno nos últimos dez anos, especialmente nos Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, consiste em conceder financiamento ao autor de uma ação judicial meritória, em que se comprove que a falta de capital impossibilita o acesso à justiça, para iniciar ou dar continuidade ao seu processo. O retorno depende da sentença: se for favorável, o financiador recebe uma percentagem do valor arrecadado; se não for, nada é exigido aos clientes, que podem ser empresas ou cidadãos.
No caso da Qanlex, os cheques por si emitidos podem ir dos 100 mil a um 1,5 milhões de euros, patrocinados por investidores externos de diferentes tipos. No que à natureza dos processos passíveis de financiamento diz respeito, são variados, abrangendo, por exemplo, divergências comerciais, indivíduos contra empresas ou Estado e quebras de contratos. A startup cobra habitualmente uma comissão que varia entre 5% e 40% do resultado económico da ação.
Trata-se de uma prática de risco, que a tecnológica argentina mitiga através da plataforma Case Miner, uma solução digital por si desenvolvida, sem concorrência no mercado, que rastreia e seleciona, entre milhões de processos de empresas, escritórios de advogados e cidadãos, aqueles que têm maior probabilidade de ter uma decisão favorável. A machine learning permite extrair dados, parametrizar casos, classificá-los, compará-los com o passado e antever se terão ou não um desfecho promissor, sendo os processos com maior probabilidade de sucesso contactados automaticamente. Além do algoritmo, a avaliação é feita em consonância com a equipa jurídica da startup e por escritórios de advogados parceiros.
"Na altura, entendemos que havia duas necessidades claras. Primeiro, desenvolver o modelo em novos territórios, principalmente naqueles de direito comum onde este serviço não existia. Depois, operar sob um modelo escalável que nos permitisse chegar a novos mercados, de forma eficiente e sustentável", contam os fundadores da empresa ao Dinheiro Vivo, destacando que a missão está a ser cumprida, graças à tecnologia. Desde que está no ativo, a companhia, que emprega um total de dez colaboradores, afirma já ter analisado mais de nove milhões de documentos e investido em mais de 50 processos. A taxa de sucesso registada até ao momento é de 100%.
Já há alguns meses que a Qanlex opera em Portugal e o objetivo, dizem os responsáveis pelo negócio, é expandir nos próximos anos. "É um país muito interessante para nós, uma vez que tem um sistema judicial muito digitalizado, onde podemos utilizar facilmente a Case Miner." Apesar de não ter posições específicas em aberto ou avançar com a confirmação de um eventual escritório em território nacional, a empresa deixa a mensagem de que está "sempre à procura de advogados locais excecionais, interessados em participar no projeto".