Revigrés: 40% das vendas já são para fora. Alvo são os clientes de luxo

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Se não fosse o paludismo de Paula Roque, provavelmente Adolfo

Roque nunca teria saído de Angola e os pavimentos da empresa

portuguesa não estariam agora no aeroporto de Moscovo, em

universidades no Japão ou no novo stand bandeira da Rolls-Royce, em

Londres. Mas a história começa nesta segunda filha do casal Roque

que não conseguia ambientar-se ao clima angolano. E... o que não

faz um pai pelos filhos? Claro: deixou o confortável trabalho na

Companhia de Diamantes de Angola e voltou à metrópole.

Corria o ano de 1968 e o aguedense Adolfo chega a Lisboa em

contraciclo com a expansão dos negócios africanos, apesar da guerra

colonial.

Adolfo ia fazer 33 anos e a possibilidade de criar o próprio

negócio não foi a primeira opção. Empregou-se dois anos na

General Motors em Lisboa e depois mais alguns nas tintas Dyrup, até

que se aliou ao seu amigo Augusto Gonçalves e decidiram criar um

negócio na terra natal. Estávamos no turbulento ano de 1977 e a

ideia tinha por detrás uma oportunidade: um país que precisa tanto

de materiais de construção tem de ter mais fábricas de cerâmicas.

Barrô, uma das freguesias de Águeda, era um dos locais do País

onde as argilas e a grés geravam a possibilidade desse negócio. Foi

assim que nasceu a Revigrés. No tempo em que os camiões ficavam à

porta à espera de tijolos quentes a sair do forno...

Passados 35 anos, é Paula Roque quem está no lugar do pai,

repartindo a liderança com Augusto Gonçalves (área administrativa

e financeira) e Paulo Conceição (produção e logística). Com este

tripé na gestão, a filha do fundador pode fazer aquilo que é a sua

vocação: o marketing, o design e a expansão internacional da

companhia. Foi para isso mesmo que tirou Gestão na Católica de

Lisboa e depois o MBA em marketing, além de uma passagem de três

anos por uma financeira do grupo Indo-Suez com escritórios em

Lisboa.

Pouco depois de acabar o MBA, o pai convidou-a para a empresa -

coisa a que foi resistindo. Queria ter independência e mundo. Mas

com 30 anos sentiu ter chegado o momento. O convite veio a revelar-se

estratégico, porque Adolfo Roque viria a falecer mais tarde de forma

algo inesperada aos 73 anos, descoberta uma doença incurável que o

vitimou em poucos meses. Paula ainda trabalhou 13 anos com o pai e

isso ajudou a concertar uma nova visão para a companhia: "Até

2001, a internacionalização era secundária porque o mercado

interno absorvia quase tudo."

A expansão internacional tinha já, aliás, o caminho aberto por

uma decisão pioneira da década de oitenta: "O patrocínio das

camisolas do FC Porto e as vitórias internacionais do clube criaram

uma perceção megalómana sobre a marca Revigrés". Do ponto de

vista de notoriedade internacional, não há história de clubes

vencedores da Taça dos Campeões ou Taça Intercontinental terem na

camisola uma empresa de revestimentos cerâmicos. "Em termos

internacionais, as pessoas comparam-nos à Roca, que tem 20 mil

funcionários, enquanto nós temos apenas 300."

Design próprio em projetos internacionais

Mas uma expansão internacional tem de assentar em coisas

concretas. A empresa de Águeda escolheu duas vias: uma, o design, de

que é exemplo o patrocínio do Concurso Nacional de Design desde o

arranque da iniciativa, em 1997. A proposta vencedora é passada para

a coleção da empresa e tem proporcionado estágios que se revelam

num importante fator de pesquisa de talentos. Além disso, a empresa

tem tradição de se associar a artistas plásticos portugueses e

estrangeiros, de que é exemplo a coleção de azulejos Júlio

Resende. Mas este ano o uau surgiu através da designer russa Alena

Agafonova, com o tema "chocolate". Uma linha que imita

tabletes e que tem tanto de inovador no design como de difícil na

produção industrial, diz Paula Roque, enquanto nos leva pelo

showroom Siza Vieira, na fábrica, a ver as novidades da coleção.

A outra chave de crescimento externo assentou na criação de uma

rede de 50 representantes comerciais pelo mundo. Os resultados são

visíveis não apenas pelo facto de as vendas externas representarem

já 40% do total da Revigrés, mas também pela notoriedade das obras

ganhas. Nos últimos meses, a carteira inclui três aeroportos

(Moscovo, Varsóvia e Réus, próximo de Barcelona), a estação

ferroviária de Haia, na Holanda, três estações de metro em Madrid

e a de Waterloo, em Londres.

Do ponto de vista iconográfico, a marca portuguesa é fornecedora

de revestimentos para instalações de alto design, como são o novo

stand da Rolls-Royce em Londres ou o da Mercedes em Barcelona. Obras

em universidades do Japão, hotéis um pouco por todo o mundo e lojas

FNAC em França e Portugal completam o portefólio da presença

constante desta marca portuguesa nos grandes circuitos

internacionais.

Louça portuguesa, a segunda mais exportada no mundo

Pequenas vitórias de PME como a Revigrés (com uns consideráveis

36 milhões de euros de faturação) permitem ir mudando o perfil da

economia portuguesa. Repare-se que a taxa de cobertura das

importações pelas exportações de produtos cerâmicos estava em

478,7%, em 2011. Há poucos sectores assim. As exportações

ascenderam a 557,4 milhões de euros, mais 4,1% do que em 2010.

As importações, curiosamente, caíram 14% no ano passado.

Registe-se mais uma curiosidade: segundo a Associação Portuguesa

das Indústrias Cerâmicas, as exportações portuguesas de "louça

de uso doméstico em faiança ou barro fino, grés e barro comum"

representavam 8,9% do total das exportações mundiais em 2010, o que

nos conferia o segundo lugar no ranking mundial, só ultrapassados

pela China.

No segmento onde está a Revigrés - "exportações

portuguesas de pavimentos e revestimentos vidrados/não vidrados ou

esmaltados/não esmaltados" - Portugal está entre o quinto e o

sétimo exportador mundial, com uma quota global de 1,6% a 2,5%. No

total, há produtos portugueses cerâmicos vendidos em 151 países,

embora a União Europeia represente 75% das vendas. É caso para

dizer que nem só de cortiça, sapatos ou vinho se podem orgulhar os

portugueses no comércio mundial.

Indicadores como estes são possíveis porque há uma revolução

tecnológica em curso neste sector. Talvez os mais surpreendentes

sejam os mosaicos que produzem energia em fachadas "solares",

ou que são autolimpantes. Mas há mais: os que se destinam a

instalações hospitalares ou industriais e são antibacterianos, ou

os que se integram na domótica das novas habitações e são

sensíveis ao toque, ligando a luz e tornando desnecessários os

interruptores.

Algumas destas razões levam Paula Roque a sentir que está num

negócio que se transformou em algo já longe da definição clássica

dos "materiais de construção" brutos e pesados. "Sinto

que hoje o meu trabalho é estar muito próximo da arquitetura e da

decoração de interiores e isso é todos os dias estimulante."

Tranquilamente, por entre um trato fino e um permanente sorriso com

que vai dizendo as coisas e gerindo as pessoas em seu redor,

descobre-se mais uma portuguesa à frente desta grande cruzada de

mudança do País que passa por inovar, exportar e globalizar.

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