Santa Casa:há 517 anos a pôr heranças ao serviço de causas

A notícia chegou à sede da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) em setembro de 2014: a instituição tinha sido escolhida por um casal de holandeses como herdeira dos seus bens. Receber heranças e doações é uma rotina com séculos na SCML, mas neste caso foi uma surpresa. O processo sobre os bens deixados pelo casal - foi encontrado morto, em maio, junto do seu apartamento, em Lagos - está a decorrer e, quando ficar concluído, os bens juntar-se-ão ao vasto património da Santa Casa da Misericórdia.
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A experiência de quem está na Santa Casa revela que a maior parte dos beneméritos entram em contacto com a instituição, ainda em vida, dando conta das suas intenções. Não foi este o caso dos holandeses; não fizeram qualquer contacto, mas a SCML tornou-se conhecida para eles depois de a mulher ter sido operada num dos seus hospitais.

O contacto e o conhecimento da atividade, da missão e da obra da Santa Casa levam muitas pessoas a escolhê-la como herdeira. E há mais de 510 anos que o fazem. "As pessoas tomam esta decisão porque querem ter a certeza de que os seus bens serão mantidos e que continuarão a ser úteis a alguém", refere Helena Lucas, diretora do Departamento de Gestão Imobiliária e Património (DGIP), acentuando que 93% do património da Santa Casa provém de heranças, legados e doações.

A generosidade dos beneméritos materializa-se num dos lemas da instituição liderada por Pedro Santana Lopes: receber para dar em troca. O que faz, então, a Santa Casa com todo o vasto património que detém e ao qual se juntaram, em 2014, mais nove prédios cujo valor ascende a 1,5 milhões de euros? Coloca-o ao serviço de causas que estão na sua génese, ou seja, destina-o a equipamentos hospitalares, lares, centros de dia ou residências de acolhimento de vítimas de violência doméstica, por exemplo. E há também uma parte que é destinada ao arrendamento, cuja receita reverte para as causas sociais da SCML.

"Neste momento, temos 700 contratos de arrendamento", adianta Helena Lucas. A nova lei das rendas veio permitir à Santa Casa atualizar os contratos antigos e subir rendas que estavam congeladas nos 10 ou 20 euros. Dos 342 casos anteriores a 1990, já foram renegociados cerca de 144, o que permitiu subir o valor das rendas de 25 800 euros para os 62 mil euros. As vendas são raras. "O nosso objetivo não é o lucro, mas ganhar capacidade para fazer mais. Por isso, quando nos deixam mais cinco frações, não pensamos em vendê-las. Nem pensar", sublinha a responsável pelo Departamento do Património.

A preocupação dos doadores em ver o seus bens ao serviço dos outros faz que alguns indiquem a utilização que pretendem que se lhes dê. Mantero Belard, por exemplo, deixou uma casa no Restelo e estipulou que apenas pode ser usada como lar de idosos para artistas, Carolina Picalusa de Andrade legou o seu palacete (localizado em pleno Bairro Alto e onde está instalado o Centro Social de São Boaventura) para que fosse usado como centro de recolhimento para raparigas. Deixou ainda um outro pedido: o quarto da sua filha (que morreu de tuberculose aos 22 anos), conhecido como "quarto da menina", teria de ser preservado tal como se encontrava.

O ritmo das benemerências vai mudando de ano para ano. Em 2013, as heranças e doações registaram uma quebra, mas em 2014 o valor dos imóveis recebidos aumentou 160% e os donativos em dinheiro ultrapassaram os 135 mil euros (mais 180%). Entre os casos de benemerência mais recentes destaca-se o de Delmira Maçãs, de Portalegre, deixou 71 edifícios e propriedades rústicas à SCML, deixando um pedido: que os seus escritos (incluindo os seus poemas) fossem publicados até dois anos após a sua morte, ocorrida em 2007.

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