Ser porteiro em Paris ainda "mata fome" a muitos portugueses

A profissão de porteiro em Paris "matou fome" a muitos emigrantes portugueses nos anos 1960 e "continua a fazê-lo agora".
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A profissão de porteiro em Paris "matou fome" a muitos emigrantes portugueses nos anos 1960 e "continua a fazê-lo agora", disse à Lusa Elisabeth Oliveira, presidente da associação que vai ser apresentada formalmente este sábado, na região de Paris.

A associação 'ALMA, Gardien(nes) d'Immeubles à Paris' existe desde outubro do ano passado e Elisabeth Oliveira alerta que "hoje, em Portugal, as pessoas estão desesperadas" e que recebe diariamente, através do Facebook e do correio eletrónico, pedidos de ajuda para encontrar trabalho em Paris.

"Este trabalho matou fome a muita gente nos anos 60, na primeira onda de emigração, e continua a fazê-lo agora com esta segunda onda de emigração", explicou a porteira que há três anos trocou Pombal por Paris devido à crise em Portugal, deixando para trás as aulas de inglês e metendo na gaveta uma licenciatura em Psicologia.

Elisabeth é filha de porteiros, nasceu em França há 45 anos, mas vivia em Portugal desde 2002, onde regressaria "sem pensar duas vezes se aparecesse um contrato em Pombal", porque só emigrou para Paris "para pagar as contas de lá" e o filho mais novo está sempre a perguntar quando voltam "para casa".

Pouco depois de ter chegado à capital francesa, Elisabeth Oliveira criou um blogue e, depois, uma conta Facebook em que publicava vários anúncios de emprego, tendo conquistado rapidamente centenas de seguidores e protagonizando várias reportagens, o que suscitou o interesse do vereador franco-português Hermano Sanches Ruivo que a incentivou a criar uma associação.

"Tudo o que temos feito até agora, de maneira diária, é corrigir currículos e cartas de motivação. Recebemos imensos pedidos de Portugal, de pessoas que têm de emigrar porque perderam o trabalho e ser porteiro é uma maneira de conseguirem trabalho e casa", diz.

"Estamos sensíveis à situação das pessoas - eu talvez mais do que os outros porque cheguei a França há apenas três anos por causa da crise lá e sei aquilo por que eles estão a passar", descreveu.

A associação faz também "esclarecimentos jurídicos e um apoio psicológico porque de vez em quando há uma ovelha ranhosa e quem paga é sempre o porteiro", continuou, apontando que muitos condóminos veem os porteiros como alguém que "tem de estar sempre às ordens".

Ainda que a página Facebook tenha quase 1800 membros, o objetivo é aumentar o número de aderentes da associação que, por enquanto, ronda apenas 50 pessoas que pagam uma quota anual no valor de 20 euros.

"Queremos criar um guia dos direitos e deveres do porteiro para distribuir de forma gratuita aos condomínios e aos porteiros porque muitas vezes não sabemos onde começa e onde acaba a vida privada e a vida profissional. No contrato só aparecem as tarefas domesticas, as limpezas do corredor, do elevador? Mas não está lá nada sobre se, por exemplo, devemos guardar as chaves das pessoas", explicou.

De acordo com a associação, haverá cerca de 15 mil porteiros em Paris, dos quais 60% serão portugueses, mas ainda "há um estigma em relação a esta profissão", explicou Elisabeth Oliveira, sublinhando que nos bairros mais chiques de Paris essa perceção é ainda maior.

"Ser porteiro continua a ser visto como uma profissão para pessoas que não têm nível escolar. Por exemplo, é impensável dizer às pessoas que eu escolhi ser porteira porque elas não compreendem. Ou falar de Flaubert e Maupassant num jantar e quando me perguntam o que faço, pensam que é uma piada", lamentou, explicando que a associação pretende alterar essa imagem.

O trabalho já começou a ser feito, com os porteiros a serem classificados como "embaixadores de Paris" e "heróis" pela autarca da capital francesa, Anne Hidalgo, há uma semana, durante a cerimónia em que agradeceu, nomeadamente, a quatro porteiros portugueses por terem prestado os primeiros socorros às vítimas do atentado ao Bataclan, a 13 de novembro do ano passado.

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