Sim, o seu condutor Uber está a avaliá-lo

Empresas como a Uber, a Airbnb e a OpenTable têm surgido ultimamente nas notícias por avaliarem os clientes - usando sistemas de avaliação com que os próprios utilizadores nem sempre estão familiarizados.
Publicado a

Alguns consumidores começaram a sentir-se desconfortáveis e começámos a perguntar se isto seria mesmo necessário para o melhor interesse da empresa. Falámos com Frances Frei e Anne Morriss para lhes perguntar. Ambas são co-autoras de Uncommon Service: How to Win by Putting Customers at the Core of Your Business [Serviço Invulgar: Como Vencer Pondo os Clientes no Centro do Seu Negócio].Morriss é co-fundadora e CEO da GenePeeks. Frei é decana e professora de Gestão de Serviços da UPS Foundation na Harvard Business School. O que se segue são excertos editados da nossa conversa.

HBR: As empresas não terão tentado sempre manter um registo de quem é bom cliente e quem é mau?

FRANCES FREI: Na verdade, avaliar os clientes é um fenómeno bastante recente. A maioria das organizações tem uma falsa sensação de segurança, pensando, "Nós temos a regra 80/20 - 80% dos nossos clientes são bons e talvez 20% sejam maus". Mas não o verificam de facto, não sabem realmente quem é quem.

HBR: O que há de novo no que estas empresas de dados e tecnologia estão a fazer?

FREI: Pôr o empregado a fazer a avaliação é uma mudança. Uma empresa preocupa-se com a longevidade do cliente e com a sua rentabilidade. Mas o empregado avalia o cliente com base na sua simpatia. Daí que se ouçam histórias como a que surgiu recentemente sobre a Comcast, em que alguém mudou o nome de uma cliente no sistema para "SuperBitch" e quando esta recebeu a conta, estava endereçada a "SuperBitch Bauer". Era apenas uma senhora de 63 anos a tentar que a sua ligação por cabo funcionasse. Por isso, parece-me que ainda é invulgar dar esse poder e critério aos empregados.

HBR: Uma questão que deixa os clientes desconfortáveis parece ser o facto de as pessoas nem sempre saberem que estão a ser avaliadas, ou que critérios o avaliador vai usar.

ANNE MORRISS: No caso da Uber, por exemplo, não foram nada transparentes acerca do facto de estarem a avaliar os clientes, o que acabou por conquistar os cabeçalhos no The New York Times, New York Magazine, Business Insider. Criou uma grande ansiedade entre os utilizadores, mas eles não sabiam como influenciar a sua pontuação, que comportamentos estavam a ser medidos.

FREI: Na verdade, quando se ficou a saber disso, a Anne convenceu um dos condutores a ver a pontuação dela. Descobriu que tinha 4,8. Ficou obcecada em saber quem não lhe tinha dado um 5. [Risos] O que se passou foi que ela convenceu um condutor a mostrar-lhe a sua pontuação e descobriu que esta estava relacionada com algo fora do seu controlo. Então, naquele caso, a avaliação nem sequer conduziu ao comportamento que o condutor da Uber pretendia.

HBR: É interessante, contudo, porque a Lyft diz que, basicamente, qualquer coisa menos que um 5 perfeito significa que alguém fez asneira, alguma coisa correu mal. Qual é o interesse de ter uma escala de 5 pontos se 5 é ótimo e tudo o resto é mau?

FREI: É praticamente inútil. Por exemplo, chamamos um rapaz de uma empresa de controlo de pestes. Antes de sair, ele diz-nos, "Vai telefonar-lhe alguém para lhe pedir a minha avaliação. Se me der menos de 10 numa escala de 10, não me pagam este trabalho". Nessa altura, qualquer ideia de que a empresa esteja a pedir feedback útil, desaparece. Sem um bom sistema de gestão, essas avaliações podem tornar-se perversas. Isso é verdade tanto do lado do cliente, como do lado do empregado. Talvez não seja isso que a Uber está a fazer. Espero que tenham um sistema de gestão inteligente, mas a maneira errada de fazer isto é pegar nos dados cegamente e apresentá-los cegamente.

HBR : Nesse caso, que método é melhor que esse?

MORRISS: As empresas têm de ser muito estratégicas em relação a como e porquê usam essas pontuações. Deixar o cliente saber quais são as suas pontuações e formar os empregados quanto à maneira de usar o sistema de avaliação. Se não houver um sistema de gestão, torna-se uma maneira de castigar pessoas.

HBR: Existe também uma maneira tecnológica de resolver as coisas?

FREI: Em relação aos sistemas de feedback de clientes, se um cliente apenas der pontuações de 1 quando avalia hotéis, por exemplo, o sistema deixará de penalizar os hotéis que obtenham má pontuação desse cliente. Do mesmo modo, se um empregado só der 1 aos clientes, pode-se deixar de tomar em consideração as avaliações desse empregado. É só um exemplo simples.

HBR: Não se podia argumentar que só eram necessárias mais avaliações, para ajudar a equilibrar as casualidades? Que é só uma questão do tamanho da amostra?

FREI: Mais dados apenas torna o problema pior. As pessoas sentem-se falsamente confortadas por terem muitos dados. Pensam, "Oh, ouvi-o de 100 mil pessoas, por isso deve ser verdade". Mas se todos esses 100 mil estiverem a usar as suas imparcialidades peculiares, mais dados não é necessariamente a solução. É preciso um sistema de gestão.

HBR: Houve quem especulasse que agregar as pontuações dos clientes através de aplicações como a Open Table, a Uber e a Airbnb podia levar a uma nova espécie de "credit score" com base na maneira como alguém desempenha o seu papel de cliente. Imagina isso a acontecer?

FREI: Obviamente, a qualquer momento surgirá um agregador de pontuações. Mas se alguém o vai inventar e se este será útil, são duas questões diferentes.

HBR: Quando comecei a usar a Uber, era relaxante e parecia-me um luxo. Agora, fico preocupada com o julgamento que estão a fazer de mim.

MORRISS: De repente, torna-se mais um sítio onde temos um desempenho, outra pessoa de cuja aprovação precisamos. Os clientes preocupam-se agora em que os seus condutores tenham uma experiência fantástica, a ponto de entrarem no carro e, seja qual for a música que está a tocar, dizerem "Isto é boa música!" E não creio que seja isso que a empresa pretende para essa experiência, estar moralmente investido na experiência do meu condutor. Então, particularmente à escala da Uber ou da Airbnb, temos de ver como é que estas fantásticas intenções se concretizam e acho que vamos aprender com isso na próxima geração.

HBR: Como acha que será a próxima geração de sistemas de avaliação?

FREI: Tanto para a avaliação de empregados como de clientes, as organizações têm de cuidar de que o processo não transcenda o propósito. O propósito destes sistemas é compreender o que está de facto a acontecer, para que se possa melhorar. Mas o processo transcende o propósito quando Joe, o exterminador, diz, "Não me pagam, a não ser que me dê um 10". É uma grande ideia querer saber o que os clientes acharam, e o que os empregados pensam, mas isso não nos liberta de termos de gerir.

MORRISS: Temos de contar com a nossa humanidade nesses sistemas. Temos de os conceber para considerarem o facto de que serão seres humanos, com defeitos em toda a sua glória, que os vão operar.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt