
Qualquer utilizador que faz uma pesquisa online por calções de corrida ou as datas das próximas maratonas sabe que, assim que entrar no Facebook ou Instagram, vai ver anúncios a sapatilhas, aplicações de running e suplementos para atletas. É a máquina de segmentação da Meta a funcionar, apanhando na sua rede gigantesca todo e qualquer comportamento que possa gerar negócio para um anunciante.
Mas o Instagram não sabe quem é que foi à loja de desporto do seu bairro comparar opções, nem quem tem ficha de cliente numa das gigantes do segmento. Isso só seria possível com uma solução que digerisse todo o tipo de dados de vendas e marketing e gerasse alvos tão segmentados que o retorno promocional triplicaria. O Instagram não tem isso, porque a solução foi criada por uma startup portuguesa.
“A Full Venue utiliza Inteligência Artificial para ajudar os seus clientes a aumentarem as suas vendas ao consumidor”, diz ao Dinheiro Vivo o CEO da empresa, Tiago Costa Rocha. A solução é complexa e está a ser desenvolvida desde 2020, quando o empreendedor fundou a startup, mas a ideia resume-se a isso: dizer às equipas de marketing para que alvos apontar, de forma a que o dinheiro que investem em anúncios, envolvimento e outras ações resulte em maior número de conversões.
“Nós aparecemos para adicionar uma camada de ciência de dados, de aprendizagem automática”, explica Tiago Costa Rocha. “Os clientes recolhem dados que, grande parte das vezes, não estão a fazer nada com eles”, descreve. “A Full Venue entra, unifica-os, aplica modelos proprietários, identifica clusters com alta propensão de compra de determinados produtos e comunica diretamente com as equipas de marketing, para estas depois fazerem a magia e aumentarem as vendas.”
Um dos clientes da Full Venue em Portugal é a Lightning Bolt, marca historicamente ligada ao surf que vende moda e acessórios. A plataforma analisa as fontes de dados da marca, desde a loja online ao email marketing, identifica grupos inclinados para comprar produtos e passa-os ao departamento de marketing. O objetivo é que “consigam apontar as suas campanhas de marketing com muito mais assertividade, baixando nos gastos que têm a nível da publicidade e comunicação e aumentando as vendas.”
A proposta fez virar cabeças no mercado europeu e explica porque é que a startup levantou uma ronda semente de dois milhões de euros em janeiro, liderada pela GED Ventures. Este financiamento servirá para a expansão do negócio e o lançamento em chão mais firme no próximo ano, com a Full Venue já de olhos postos no enorme mercado norte-americano.
“Temos o objetivo e estamos a fazer um push para entrar nos Estados Unidos”, sublinha Tiago Costa Rocha. “É difícil”, admite. “Mas é possível.”
Aqui, a ideia é entrar pelo segmento em que a Full Venue se focou inicialmente. Tal como o nome em inglês indica, a startup começou por querer usar Inteligência Artificial para vender mais assentos em estádios e garantir casa cheia. Fecharam contrato com federações e clubes de futebol europeus - tal como o espanhol Villa Real e as federações da Roménia, Bélgica, País de Gales, Finlândia e Albânia - e estão em conversações com o Benfica, Sporting e Porto em Portugal. Nos Estados Unidos, a atenção está virada precisamente para o futebol, estando identificadas as tecnológica que operam na área.
“Já há coisas parecidas, competidores e estamos numa conversação longa com a U.S. Soccer, que para nós foi identificada como o ponto de entrada no mercado americano”, refere Tiago Costa Rocha. “A Major League Soccer também é um objetivo”, diz, referindo contactos com uma equipa do Utah, Real Salt Lake. A ideia é dinamizar as receitas dos clubes nos canais B2C - bilhetes, lugares anuais e merchandising.
A segunda vertente que motivou a Full Venue foi a dos eventos, nomeadamente festivais de música. Trabalha com o Primavera Sound (Barcelona e Porto), Marés Vivas, Sudoeste, Paredes de Coura e Blue Ticket. “Percebemos que havia espaço em eventos culturais e passamos para esse lado e estamos a crescer também”, explica o CEO.
Mas é no retalho de moda online que a equipa vê agora o próximo grande passo: “Acreditamos que há um potencial brutal.” Especialmente porque muitas marcas não têm o orçamento ilimitado das gigantes para anunciarem nas plataformas da Meta, Google, TikTok e outras de uma forma eficaz. E, por outro lado, estas plataformas sociais aplicam os algoritmos nos dados dos clientes que têm lá conta, mas não têm visibilidade para o resto.
“Nós estamos ligados aos dados diretos da marca, é um nível de Inteligência Artificial anterior”, explica Rocha. “Conseguimos separar o trigo do joio e criar segmentos nas plataformas apenas com o que interessa.”
O resultado, segundo o CEO, é que a Full Venue triplica o retorno das campanhas. Em vez de um ROAS (retorno do investimento em publicidade) de 4 ou 5, a startup está a permitir alcançar níveis dos 15 aos 25, garante Rocha. Isso é relevante para as marcas que têm orçamentos apertados e pressão para aumentar as vendas.
“Se não tiverem este tipo de soluções, no futuro vai-se tornar infrutífero colocar dinheiro em publicidade, porque a concorrência é muito grande”, considera Rocha.
O obstáculo da startup é que estas soluções caso a caso, que incluem consultoria, têm um custo a que muitas empresas torcem o nariz. No futuro, o negócio será escalado por outra via: a Full Venue pretende lançar, dentro de seis meses a um ano, uma solução similar em regime self-service para quem faz marketing digital. A pessoa faz login, conecta os dados da marca, corre os modelos disponíveis e integra-os nas suas plataforma de comunicação. “Tudo isso de forma independente, em meia dúzia de cliques”, indica Rocha. “É quase juntar a consultora de IA com a empresa de produto, que nos vai trazer escala.”