A transição ou transformação energética é o caminho para atingir uma economia de baixo carbono, tão necessária ao planeta. Significa que estamos num processo complexo de mudanças de um paradigma de produção e consumo baseados em recursos fósseis para um outro, alicerçado em energias limpas, mas que será gradual. Essa evolução traz oportunidades e desafios para os países, notadamente para Portugal e Brasil, que possuem algumas similaridades na economia da energia, e em diversas áreas envolvidas nesta transformação: económica, social, tecnológica, ambiental, políticas públicas, regulatória, dentre outras..Essa transformação pode ser planeada considerando cinco dimensões, conceito amplamente difundido no setor de energia, que compreende os 5D´s: descarbonização, descentralização, digitalização, desenho de mercado e democratização. Em resumo, significa que as economias devem atingir as metas de baixo ou zero carbono; incentivar a integração de recursos energéticos distribuídos, para produção e armazenamento de energia nos próprios centros de consumo; desenvolver os recursos digitais - Internet das coisas, inteligência artificial, robótica, smart grids -, que possibilitam uma melhor gestão dos sistemas energéticos e demanda; atentar para o modelo setorial que deve considerar a eficiência e a gestão de custos e riscos, como a intermitência das renováveis e seus impactos; e possibilitar a garantia de acesso de energia à população de modo contínuo e módico..O Brasil possui hoje 210.700 MW de capacidade instalada de geração de energia elétrica, com cerca de 85% de fontes renováveis, solar, eólicas, hídricas e biomassa, conforme dados da ANEEL - Agência Reguladora do setor elétrico. As fontes fósseis vêm perdendo espaço gradativamente na matriz elétrica brasileira. Segundo as informações da Agência Internacional de Energia - IEA, o Brasil é responsável por 7% da produção mundial de renováveis, superando sua participação de 3% da população global e 2% do PIB mundial e lidera a produção de biocombustíveis..O desenho de mercado do setor elétrico brasileiro vem passando por mudanças importantes, com parcela significativa no mercado regulado e com cerca de 30% no mercado livre e em expansão para um mercado liberalizado. A importância do arcabouço regulatório desenvolvido e aprimorado propiciou a expansão e o crescimento do setor, nos diversos segmentos de geração, transmissão, distribuição, comercialização e geração distribuída..As inovações tecnológicas têm papel fundamental na transição energética. Há 20 anos iniciava-se a produção eólica no Brasil, com um programa de incentivos do governo, associado ao financiamento da cadeia de valor, com implantação da indústria de partes e componentes. Nesse ínterim nasce a fotovoltaica, que através de políticas públicas, permite o desenvolvimento da geração distribuída. Muitos países estão a intensificar esforços para produção de tecnologia de energia limpa, visando reduzir a pegada de carbono, fortalecer a segurança energética e competir na nova economia global da energia..O Brasil está expandindo sua inovação energética em novas áreas tecnológicas, através do Plano Nacional do Hidrogénio e o Programa Combustível do Futuro, onde a pesquisa e desenvolvimento está entre os principais pilares. Além destes, com vista a atender a cadeia de valor para a transição energética, o Plano Nacional de Mineração prevê incentivar a produção e comercialização dos minerais estratégicos, essenciais para a cadeia de fornecimento de equipamentos para as energias renováveis..A posição geoestratégica do Brasil se soma ao papel de potência ambiental e produtor relevante, competitivo e confiável de energia elétrica. Entretanto, será fundamental a sensibilização dos agentes públicos para implementar os programas definidos, atrair o setor privado para os vultosos investimentos, com um arcabouço jurídico e regulatório que garanta segurança aos investidores e com disponibilidade de financiamento compatível com o risco envolvido nos empreendimentos..Portugal, na qualidade de Estado- membro da União Europeia, orienta-se presentemente à consecução dos objetivos de política pública do Green Deal, encontrando-se vinculado, de um lado, à Lei Europeia do Clima (Regulamento EU 2021/1119), no sentido de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 55%, relativamente aos níveis de 1990, até 2030, e realizar a neutralidade carbónica até 2050; e, de outro, a um conjunto abrangente de medidas para descarbonização dos mais diversos setores económicos propostas pela Comissão (sendo muitas delas já aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho) no Pacote Fit for 55 e no mais recente Plano REPowerEU..No entanto, na matriz energética portuguesa, ainda se encontram dominantes as fontes fósseis, conforme indica o Observatório da Energia na publicação Energia em Números 2022, tendo o petróleo participado em 40,9% e, o gás natural, 25% no consumo de energia primária em 2020, enquanto as renováveis participaram em 29,9% no mesmo ano base. No setor da eletricidade, contrariamente, a tendência tem sido de forte participação das fontes produtoras renováveis, com o atingimento sucessivo de recordes históricos na produção diária em 2023, superiores aos 70%..Contudo, consoante a já referida publicação do Observatório da Energia, a energia elétrica representou apenas 25,8% do consumo de energia final no país em 2020, demonstrando, assim, a necessidade não apenas de substituir ou combinar as fontes carbono-intensivas, mas também de investir fortemente na eletrificação, compreensiva e transversal, da economia. .Neste contexto, o Estado português aprovou o Plano Nacional Integrado de Energia e Clima para 2030 (PNEC 2030), que estabelece um objetivo claro de eletrificação no país e fixa as metas de incorporar 47% de energia de fontes renováveis no consumo final bruto de energia e 20% de renováveis nos transportes, bem como de reduzir 35% do consumo de energia primária com vista a uma melhor eficiência energética - cuja consecução, conforme estimado no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050), implicará um montante global de investimento nos setores energéticos superior a 407 mil milhões (biliões, em escala americana) de euros até 2030..De destaque são ainda o Plano Nacional do Hidrogénio - fixando diversas metas de integração do hidrogénio verde nas redes de gás natural, no consumo de energia do setor da indústria, do transporte rodoviário, do transporte marítimo doméstico e no consumo final de energia até 2030 -, a Estratégia Nacional para o Mar - que estabelece a meta de produção de energia elétrica superior a 300 MW a partir de tecnologias eólica offshore e maremotriz até 2030 - e a aprovação do novo marco legal do Sistema Elétrico Nacional - que simplifica os procedimentos para a instalação de fontes produtoras renováveis e de instalações de armazenamento distribuídas, assenta o regime jurídico do autoconsumo coletivo e consagra o estatuto jurídico geral de novos sujeitos intervenientes no setor da eletricidade, como as comunidades de energia renovável, as comunidades de cidadãos para a energia, os agregadores independentes e os clientes ativos. .Tudo isso apresenta, pelos horizontes temporais de curto, médio e longo prazos em que as medidas de ação serão implementadas, conjugadamente com o acesso a partir do país ao mercado interno europeu e à sua estabilidade política, institucional e jurídico-regulatória, um quadro favorável ao investimento e ao desenvolvimento socioeconómico nos anos porvir, com a realização de uma transição energética justa e equitativa..A transição e as oportunidades energéticas para Portugal e Brasil serão discutidas num painel do Duetos - Diálogos Além-Mar. Entre 22 e 25 de abril, o evento discutirá as integrações social e económica entre portugueses e brasileiros, paralelamente à Cimeria Luso-Brasileira. A entrada é gratuita e as inscrições podem ser feitas no site do Fórum de Integração Brasil Europa - FIBE..Natália Moreno é professora da Universidade de Coimbra.Thereza Cristina Aquino é professora da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do GESEL