Foi uma experiência muito intensa e houve algumas coisas que nos surpreenderam particularmente. Uma é que talvez estivessemos à espera que, ao chegar, houvesse um road map, alguém nos viesse dizer "aqui está o que vocês têm de fazer para ter sucesso". Mas a maior aprendizagem é que não há magic bullets. Para tudo é preciso muito esforço e esse é o ensinamento do YCombinator (YC). Há outros dois ou três aspetos diferentes do YC em relação a outros incubadores. Por um lado, aqui, há a ideia de que a equipa deve passar muito tempo junta. Vivemos os cinco [fundadores] juntos, num apartamento com dois quartos. A ideia é estarmos muito tempo juntos e a cultura da empresa nasceu daí. Depois, é passar o tempo a trabalhar, focar-nos sobretudo em clientes e produto, em fazer aquilo que é o lema do YC, que é fazer algo que, de facto, as pessoas queiram. É esperado de ti que esse esforço aconteça, que seja intenso. A melhor maneira de teres uma boa empresa é criares uma boa empresa, que tenha clientes, que tenha produtos, que tenha uma função no mercado..Que perceção há de Portugal lá fora?.Sobretudo no ano a seguir a termos estado no YC, houve uma sensação de "o que é que se está a passar em Portugal?. Nós fomos os primeiros a ser aceites, mas depois houve quatro empresas portuguesas que chegaram à entrevista final, começou a haver um fluxo de candidaturas portuguesas ao YC que os fez alertar, de tal maneira que o Michael Seibel, um dos partners, esteve cá no ano passado, no Lisbon Challenge, e tem havido cada vez maior ligação..Em que fase está a Unbabel agora?.Está a crescer bastante. Lançámo-nos para o mercado em janeiro de 2014 e, neste momento, temos à volta de 360 clientes que pagam, sobretudo médias e grandes empresas. No mês passado, ultrapassámos, pela primeira vez, os 100 mil dólares de receita mensal, o que foi um marco muito importante, e traduzimos à volta de cinco milhões de palavras. Temos mais de 30 mil tradutores na plataforma, tem sido intenso..Para uma startup portuguesa crescer tem de ir lá para fora?.Os casos de sucesso que tenho visto nos últimos tempos, e há uma série de empresas neste mometno que estão muito bem posicionadas para esse sucesso, passa sempre por a empresa começar em Portugal e, depois, rapidamente criar um escritório em Londres ou em São Francisco e criar essas pontes. O exemplo que gosto de dar é o de Israel, que faz isso muito bem e há muito tempo, e vejo isso começar a acontecer aqui. Portugal é um sítio ótimo para se começar uma empresa e para se ter uma empresa, a nível de qualidade de vida e de recursos que existem. É um país muito desenvolvido a nível mundial, em que muita gente fala inglês, há acesso à cultura, estamos próximos dos EUA, temos boas ligações à internet, é relativamente fácil, mesmo burocraticamente, começar uma empresa. A única coisa que não tem é mercado. É um mercado pequeno. Se queremos ter uma empresa de dimensão global, temos de pensar em dimensão global logo no início. E isso é uma coisa que, cada vez mais, é incutido em qualquer empreendedor que comece uma startup. Portugal é, quando muito, um mercado de teste. Depois, há que partir para fora..O que é preciso fazer, a nível político, para ajudar as startups a desenvolverem-se em Portugal?.Sobretudo, dar alguma estabilidade. Fazer uma startup é, inerentemente, instável. É um risco. E a única maneira de funcionar é se as pessoas conseguirem dedicar toda a sua energia naquilo que estão a fazer. Talvez o governo possa criar condições de estabilidade em tudo o resto: no espaço onde a pessoa está, na facilidade de contratar e na relação com os empregados. Diz-se sempre que, para o pessoal mais velho, é mais difícil criar uma startup, porque a pessoa tem filhos, tem obrigações, e é verdade. Mas, por outro lado, teoricamente, temos um ensino público que deveria permitir a quem tem filhos não ter de se preocupar com ter de fazer dinheiro suficiente para pagar uma escola privada, porque o ensino público é bom. Se isso funcionar de facto, é uma grande ajuda para começar uma empresa. Nos EUA, por exemplo, é uma preocupação: as melhores escolas são privadas, as universidades são privadas, o sistema de saúde é caríssimo. Apesar de tudo, em Portugal, temos acesso a esse tipo de recursos de uma maneira mais fácil. Em tudo o que vi, até agora, a nível de programas políticos, há sempre uma boa intenção. Há sempre uma série de medidas que são um pouco de senso comum, de "vamos ajudar as empresas", e todas elas fazem sentido se forem, na sua maioria, aplicadas da maneira como são escritas. O problema é que há pessoas a executar, as pessoas é que tornam a coisa complicada. A minha política tem sido "se não estragarem, já não é mau". Não vi, até agora, nenhum ecossistema bem sucedido que tenha sido criado por mecanismos do Estado. O Estado pode amplificar um movimento que exista, pode facilitar, mas esse movimento tem de existir, tem de partir da energia das pessoas..E no que toca à cultura de negócio, o que é que Portugal pode aprender com os EUA?.Uma das coisas que é mais crucial para uma startup, e que é difícil em Portugal, é ter os primeiros clientes. Há uma cultura relativamente fácil nos EUA de se conseguir chegar a empresas, de marcar reuniões muito facilmente, e há uma vontade de arriscar por parte das pessoas que estão nessas empresas. Em Portugal, é mais difícil. É típico, para uma startup que queira marcar uma reunião com um quadro superior de uma EDP ou Portugal Telecom, demorar dois, três, quatro meses. Nos EUA, nós tivemos reuniões com pessoal da Google ou da Pinterest no espaço de uma semana. Há um processo mais burocrático em Portugal, talvez também seja uma questão de estrutura hierárquica. Lá, se calhar não é preciso autorização do superior para gastar 1000 dólares, alguém do quadro médio tem essa autoridade. Em Portugal, acaba por ser uma decisão por comité. Também tem a ver com a questão de networking. Nos EUA, fazer networking é visto como uma coisa positiva. Aqui, é algo que começa a aparecer, mas, até há pouco tempo, o networking era quase negativo..Era a cunha..Exatamente. E há uma grande diferença, porque uma coisa é o networking dar oportunidades a pessoas que não são capazes, mas o networking existe para que, quando aparece uma oportunidade e uma pessoa está preparada, se maximize o impacto disso através das ligações que tem. Nas empresas, assim como em todos os aspetos da vida, as relações pessoais são muito importantes. Especialmente numa situação em que um produto não deu muitas provas, tem de haver uma capacidade de dar um salto de fé. E isso acaba por ser muito dependente da capacidade que temos de nos sentar à frente de uma pessoa e dizer "acredito que esta pessoa vai conseguir fazer o que se propõe"..Na semana passada, a Sandra Correia, da Pelcor, dizia que é preciso encontrar formas alternativas de financiamento. A banca já não consegue responder às necessidades de uma startup?.Acho que a banca também está a mudar aos poucos. Uma startup, muitas vezes, ainda não tem um modelo de negócio, portanto, também é difícil para um banco fazer uma análise de risco quando todo o negócio é de risco. Mas mesmo dentro do capital de risco, há várias formas de financiar. A Unbabel tem investimento tanto de grandes fundos como da Google Ventures, até de plataformas de crowdfunding ou de angels. Temos vários tipos de investimento e todos eles funcionam muito bem em conjunto. A nossa relação com bancos em Portugal começou há relativamente pouco tempo e estou a sentir cada vez mais abertura por parte dos bancos para conseguirem adequar-se às necessidades de uma startup, mas acho que ainda está muito no início. Os bancos estão a começar a perceber que há algumas iniciativas nas quais têm de estar envolvidos, se não, vão deixar de fazer parte do panorama empresarial. Hoje, o que vejo do ponto de vista dos empreendedores é que o banco é mais uma forma de alavancar algum capital que se tem, mas tem um risco diferente. No capital de risco, vendemos muito mais a nossa empresa, mas, ao mesmo tempo, é transparente que o risco é partilhado por todos. Num banco, o risco é exclusivamente da empresa, se as coisas não funcionarem o dinheiro tem de ser pago na mesma. Isso torna as coisas complexas. Não conheço nenhum empreendedor que comece uma coisa que não quer que funcione, mas é muito fácil não funcionar. As probabilidades estão contra nós..Já começaram a pagar aos tradutores por hora de trabalho, em vez de por palavra. Têm cada vez mais colaboradores. Estão a criar uma nova dinâmica de emprego?.Há uma tendência global no sentido da shared economy, onde se encontram empresas como a Uber ou a Airbnb, e a Unbabel também se insere aí. As pessoas querem, cada vez mais, ter a flexibilidade de poderem usar os seus talentos em situações diferentes, sem ter, necessariamente, de estar num escritório durante um tempo fixo. Como é que essa relação deve funcionar com as empresas é algo que não está explorado o suficiente, ainda estamos no início da discussão. Algo está a mudar, e isso cria disrupção, e por isso se vê todos os problemas que estão a acontecer com a Uber, por exemplo. Da mesma maneira, na tradução, há muita gente que se insurge contra a Unbabel porque acha que vamos criar disrupção..Como lidam com essas reações?.Muito bem. A Unbabel baseia-se na tese de que o conteúdo necessário traduzir em todo o mundo está a aumentar exponencialmente. As empresas, para funcionar a nível global, precisam de lidar com a barreira da linguagem, e isso significa produzir conteúdo em várias línguas. Sejam websites, web posts, descrições de produtos, comunicação de ofertas, customer service. Tudo isso é conteúdo que precisa de ser traduzido e a verdade é que não há, no mundo, pessoas suficientes para fazer isso. A unbabel está a potenciar a produtividade de um tradutor humano. Neste momento, fora da Unbabel, um tradutor traduz 300 a 400 palavras por hora. Dentro da Unbabel traduz entre 1000 e 1200, e o nosso objetivo é que um dia traduza 40 mil. Quando chegarmos a esse ponto, essa pessoa está a produzir tanto valor que permite que, por um lado, seja muito bem paga pelo seu talento, e, por outro, o preço da tradução para o cliente seja muito baixo. Lidamos bem com isso porque o que vemos é a comunidade da Unbabel a continuar a crescer, porque a quantidade de conteúdo que traduzimos está a crescer exponencialmente..Como se veem dentro de 2 a 3 anos?.Gostávamos de chegar a um ponto de scalable recurring revenue no final deste ano ou início do próximo. Isso seria um sinal de que estamos prontos para escalar. Voltando à questão inicial, sobre o YC, a maior parte dos investidores acha que o mais importante é o crescimento. E é verdade que é bastante importante, mas o YC acha que uma das questões importantes é ser rentável o mais rápido possível. Ser rentável não só indica que, de facto, estamos a fazer algo que o mercado quer, como nos permite saltar daí para uma plataforma de crescimento muito mais acelerada. Ou seja, ser rentável não implica que agora não precisamos de investimento, implica que o investimento que vamos ter vai ser usado para mais investimento. O que estamos a fazer agora é focarmo-nos em empresas que têm necessidades recorrentes de tradução. Estamos a crescer muito no mercado de viagens e de e-commerce, por exemplo..Com que empresas trabalham?.Grupo Pestana, Hotel tonight, Pinterest, algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo. Se pensarmos na área de viagens, essas empresas precisam constantemente de produzir novos conteúdos de ofertas e o que querem é que essas ofertas estejam disponíveis em várias línguas. É nesse tipo de conteúdo que estamos a especializar-nos..Que conselhos dão a quem queira começar uma startup, sobretudo na área tecnológica?.Cheguem ao mercado o mais rápido possível, descubram clientes. Se há uma coisa que percebemos é que sem clientes, a tecnologia é inútil. A coisa mais importante é ir rapidamente para o mercado, testar a ideia, testá-la com clientes. E o melhor feedback que podemos receber é ter pessoas a pagar pelo nosso produto. Fazer uma startup é difícil, há muitos over night successes que demoraram anos a fazer.