Vinte anos de reviravoltas no jogo em Macau

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Comemora-se por estes dias o vigésimo aniversário da transferência de soberania sobre Macau e da criação da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China. Quanto ao setor do jogo, foram duas décadas não lineares, com bastantes voltas e reviravoltas.

Em 20 de dezembro de 1999 todos sabiam três coisas: a indústria do jogo não só continuaria sob soberania chinesa como deveria crescer, porque a concessão da STDM, que vinha já de 1962, iria terminar no final de 2001; o monopólio acabaria de seguida; passaria a haver concorrência.

Em 2001, a opção foi por um mercado composto por três concessionárias. Alguns comentadores observaram que três concessões seria pouco; outros duvidaram se alguma empresa internacional investiria numa terra que recentemente tinha tido uma séria vaga de criminalidade.

Surgiram nada menos de 21 concorrentes ao concurso público de 2001-2002, que culminou com a entrada de duas empresas de Las Vegas, a Wynn Resorts e a Las Vegas Sands/Venetian. Esta com uma parceira de Hong Kong, a Galaxy; porém, desentenderam-se pouco depois. A subconcessão acordada no final de 2002 resolveu o problema de um modo criativo e salomónico. As três passaram a quatro.

Em maio de 2004 abriu o casino Sands e começou a concorrência no terreno. Os mercados financeiros, até aí tradicionalmente muito desconfiados do jogo em Macau, renderam-se; passaram a financiar todo o tipo de investimentos na anteriormente pecaminosa indústria. De repente, Singapura anunciou em 2004 que também iria ter casinos, deixando toda a Ásia espantada.

Seguiu-se outra novidade: as operadoras, basicamente, forçaram o governo a legalizar o crédito para jogo, algo que não estava no plano original. A lei de 2004 que o fez referiu-se, de passagem, a “subconcessões”, no plural; em 2005 e 2006 foram celebradas mais duas, a da parceria entre a MGM e Pansy Ho e a da Melco (na altura com os australianos da PBL/Crown). As quatro operadoras passaram a seis. Foi a base de uma expansão meteórica da indústria, ajudada pela boa saúde da economia.

Hoje a memória já será escassa, mas em 2002 ninguém estava muito interessado em investir no Cotai, geralmente ridicularizado como sendo um pântano distante e cheio de mosquitos. O foco inicial foi em Macau e a grande maioria dos contratos de subconcessão foram cumpridos através de investimentos na península. Muitos casinos abriram, grandes e pequenos. Aconteceu então uma cambalhota: o Venetian abriu portas em agosto de 2007 e num ápice afinal todos queriam terrenos para investir no Cotai. O governo providenciou nesse sentido; e desde então não abriram mais casinos a norte das três pontes que ligam Macau à Taipa.

Outra guinada de peso deu-se com o crescimento muito rápido dos promotores de jogos: em 2004 alguns analistas previam um vasto mercado de massas, com muitas slot machines. Aconteceu o oposto: o Bacará cresceu bastante e a importância dos promotores aumentou de maneira imprevista, de tal forma que as comissões do Bacará foram limitadas em 2009. Só agora, em 2019, o mercado de massas está finalmente a ultrapassar o setor VIP.

Eis então que afinal não era desejável que a indústria crescesse tanto: surgiram limitações ao número de mesas de jogo e todos começaram a falar na importância da diversificação da oferta para além do jogo (non-gaming).

A crise económica em 2008 suspendeu o desenvolvimento do Cotai por algum tempo, mas com tanta liquidez na economia, e novos “resorts integrados” (como se passou a dizer, por influência de Singapura) a abrir a bom ritmo, a receita bruta continuou a crescer; atingiu o seu nível recorde, estratosférico, em 2013.

A crise veio mesmo, mas em 2014; numa grande reviravolta, tudo começou a descer. Várias leis foram apertadas (branqueamento de capitais, tabagismo) e o dinheiro secou. Os promotores de jogo, tão fortes apenas alguns anos antes, agora tinham sérios problemas. Muitos simplesmente fecharam; surgiram escândalos, protestos e ações judiciais. O mercado VIP perdeu parte do seu brilho. Metade da receita bruta do jogo de 2013 tinha desaparecido em 2016. Os mercados e os analistas financeiros entraram em depressão. Então, finalmente, as coisas começaram a recuperar.

A revisão intercalar das concessões de 2016 foi uma reviravolta regulatória inesperada: agora iria ter lugar um grande exame surpresa. Ninguém o esperava, mas todas as subconcessionárias passaram com boas notas.

Em 2019 foram alinhados os prazos, até aí diferentes, das concessões (18 anos para a SJM e sua subconcessionária, 20 anos para as demais), desfazendo a decisão inicial; agora todos terminarão ao mesmo tempo, em 2022.

As próximas voltas nesta trama serão reveladas após 20 de dezembro de 2019.

A reviravolta que a indústria sempre desejou, a diminuição da pesada tributação, nunca aconteceu.

Professor de Direito do Jogo

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