Você pensa que a cachaça é rum?

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Os Estados Unidos reconhecem a cachaça como bebida genuinamente brasileira. A decisão representa lucros de milhões para o Brasil. E evita

falsificações.

Depois de Carmen Miranda, que se chamava Maria do Carmo e nasceu

em Marco de Canaveses, a segunda Carmen mais famosa do Brasil foi

Carmen Costa, intérprete do Você Pensa que a Cachaça é Água, marcha vencedora do

Carnaval carioca de 1952, exportada para o mundo em geral e para os

imensos carnavais de bairro portugueses em particular.

Ora, se os portugueses sabem desde os anos 50 que a cachaça, que

vem do alambique, não é água não, os americanos pensam até hoje

que ela é rum. Até hoje, sim, porque amanhã, dia 11 de abril, já

pensarão diferente: a cachaça vai deixar de se vender no maior

mercado consumidor de bebidas alcoólicas, o dos EUA, como Brazilian

Rum e passar a ser conhecida assim mesmo, como cachaça, para evitar

falsificações.

Porque se você pensa que a cachaça é vodca, a cachaça não é

vodca não. A vodca, apesar de realmente russa, não é oficialmente

russa. Como a Rússia não estava registada na Organização Mundial

do Comércio perdeu o direito comercial exclusivo sobre um dos seus

patrimónios - expondo toneladas da sua bebida nacional às tais

falsificações e perdendo com isso toneladas de dinheiro.

Alertado pelo problema russo, o Instituto Brasileiro da Cachaça

conseguiu após dez anos de negociações o reconhecimento da cachaça

como bebida exclusivamente brasileira. Negociações que envolveram

Dilma Rousseff e Barack Obama: a primeira levou uma garrafa cravejada

de diamantes no valor de 212 mil reais (cerca de 80 mil euros) para o

segundo na visita oficial do ano passado, de acordo com o jornal O

Estado de São Paulo.

A Alemanha ainda é o principal importador de cachaça - a

propósito, a União Europeia não a reconhece como brasileira -

mas estima-se que a breve prazo perca a posição para o gigante

norte-americano. Dos 700 mil litros exportados para os EUA neste

momento, o Brasil espera passar para 5 milhões num prazo inferior a

dez anos. E assim multiplicar os lucros das marcas nacionais dos

atuais dois bilhões de reais anuais (cerca de 700 mil milhões de

euros) para números ainda incalculáveis.

Por causa dessas e de outras, consta que a empresa que detém a

segunda cachaça mais vendida no Brasil, a Velho Barreiro (a mais

vendida é a Caninha 51), já foi alvo de uma proposta da

multinacional Pernod Ricard.

O reconhecimento nos EUA surge no momento exato em que o mercado

interno brasileiro se retraía. O aumento do poder de compra

dos consumidores e consequente sensação de status levou muitos

emergentes a trocarem a cachaça nacional por uísque e vodca de

segunda linha, talvez falsificados, como muita da cachaça que

chegava aos americanos.

Aliás, como um almoço (e uma bebida) nunca é grátis, Dilma

comprometeu-se perante Obama a reconhecer o Bourbon Whiskey e o

Tennessee Whiskey como produtos genuinamente americanos para evitar a

exportação das indesejadas falsificações.

Falsificações como o Você Pensa que a Cachaça é Água que os portugueses consumiram e consomem desde os anos 50 sem

imaginar que é um comprovado plágio de Pierrot Apaixonado, de

1935. Basta ouvir.

Jornalista

Crónicas de um português emigrado no Brasil

Escreve à quarta-feira

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