2025: o ano em que os turistas deixaram de ser bem-vindos

Tensão entre setor do Turismo, Governos e população está a agravar-se em praticamente todos os países da Europa, com o número de turistas a bater recordes e os habitantes a ser mais penalizados.
2025: o ano em que os turistas deixaram de ser bem-vindos
Reinaldo Rodrigues
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Quem passeia pela Baixa lisboeta, se estiver num percurso normal do dia-a-dia, pode encontrar-se numa situação complicada de não conseguir acelerar o passo para chegar a horas ao seu compromisso. As filas de turistas que passeiam calmamente, sobretudo nos bairros históricos, passaram a fazer parte do quotidiano, mas talvez por isso mesmo tornam-se cada vez mais difíceis de suportar.

No mesmo sentido, estar no Porto e decidir, espontaneamente, visitar a livraria Lello – nem que seja para mostrar às crianças as escadas que podem (ou não) ter inspirado J.K.Rowling para as escadarias de Hogwarts, na saga Harry Potter – é uma tarefa praticamente impossível, com filas de horas à porta e bilhetes a terem de ser comprados por antecipação.

Mas há mais exemplos: comprar pastéis de Belém, escolher um restaurante para jantar e ter mesa no mesmo dia, tomar um café numa pastelaria, entrar num museu ou ir a uma exposição, apanhar o metro junto ao aeroporto de Lisboa ou, simplesmente, tentar voltar a entrar no país vindo de uma viagem de fora do espaço Schengen, estão a tornar-se tarefas desesperantes para quem vive em países onde o Turismo bate recordes a cada ano que passa.

Os números da discórdia

A juntar-se às dificuldades do dia-a-dia, há questões mais estruturais que estão a deixar zangados [e mesmo desesperados] muitos dos locais em lugares como Portugal, Itália, França, Países Baixos ou Grécia: o aumento dos visitantes tem não apenas descaracterizado as cidades, mas tem inflacionado de tal forma os preços de bens essenciais, que começou a tornar muito difícil a vida dos locais.

Olhemos para alguns: o preço das casas, em Portugal, disparou 16% somente no primeiro trimestre deste ano. O valor mediano da avaliação bancária das casas em território nacional subiu cerca de 90%% entre 2011 e 2024, segundo dados da Pordata. Sem surpresas, em Lisboa essa subida foi ainda mais expressiva: cerca de 125% entre 2011 e 2024. Para efeitos de referência, o salário médio mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem, no país, aumentou 41% entre o mesmo período temporal, mostram-nos dados do INE. A proliferação dos alojamentos locais, bem como a possibilidade de os nómadas digitais poderem trabalhar à distância e terem poder de aquisição de arrendamento de curta duração, acentuou os problemas já latentes da falta de habitação em Portugal, elevando-os para um patamar muito próximo do insustentável.

No mesmo sentido, o preço do cabaz de bens essenciais, um indicador que começou ser acompanhado pela DECO em 2022, já tinha subido mais de 30% entre o início de 2022 e julho de 2025. De acordo com o Eurostat, mais de metade dos portugueses gasta 30% do seu orçamento mensal em refeições.

Naturalmente, neste caso, o efeito não é apenas do Turismo, mas a crescente presença de pessoas com mais poder de compra – ou pelo menos com mais disponibilidade para gastar dinheiro enquanto estão no país – pressiona também os valores através da inflação. Que, em Portugal, tem estado acima dos pares europeus.

Manifestação pelo direito à habitação, em Lisboa. Estas iniciativas têm-se multiplicado sobretudo nos últimos dois anos, em várias cidades do país
Manifestação pelo direito à habitação, em Lisboa. Estas iniciativas têm-se multiplicado sobretudo nos últimos dois anos, em várias cidades do paísRita Chantre / Global Imagens
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O mesmo acontece com os restaurantes e hotéis, onde os preços elevados tem afastado cada vez mais consumidores portugueses destes setores, numa altura em que grande parte da ocupação vem de fora – cerca de 70% da taxa de ocupação hoteleira no país, em 2024, era garantida por estrangeiros, mostravam dados da Associação da Hotelaria de Portugal.

A pressionar o descontentamento das populações, em capitais semelhantes a Lisboa – Paris, Madrid ou Roma –, está ainda o desaparecimento de lojas de comércio tradicional que deram origem a lojas de souvenirs para turistas e a proliferação de atrações para quem não é habitante local. Dados recolhidos pela Bloomberg davam conta de que em Paris, no ano passado, houve mais de 400 mil visitantes por metro quadrado na cidade, um valor 20 vezes maior do que a população residente daquela cidade.

As medidas para [tentar] travar os turistas

Este ano, milhares de pessoas saíram à rua em muitas cidades para protestar contra o excesso de Turismo e consequente degradação das condições de vida dos locais – por cá, as manifestações de Barcelona foram amplamente divulgadas – e alguns Governos decidiram tomar medidas [tímidas]. Passam, sobretudo, pela revogação de licenças de alojamento local (Barcelona) ou pela instituição de regras que permitem que apenas sejam alugadas, nessas condições, 90 noites por ano (Londres e Paris). Mas, sem surpresa, escreve ainda a Bloomberg, estas medidas carecem depois de fiscalização e têm, portanto, tido resultados praticamente nulos.

Amesterdão tem estado a apertar o cerco com a proibição de abertura de mais lojas dedicadas apenas aos turistas, enquanto dá benefícios para que ONG se instalem nos espaços livres no centro da cidade. No mesmo sentido, as listas de sugestões para visitantes têm-se enchido de lugares menos procurados nos Países Baixos, para tentar levar os turistas para fora da cidade. Em Santorini (Grécia), as autoridades decidiram limitar a chegada de pessoas a 8000 por dia – o que está, por outro lado, a indignar os proprietários de negócios que fazem do turismo a sua vida.

Turistas enchem as ruas de Lisboa
Turistas enchem as ruas de LisboaPaulo Spranger

Outra medida bastante popular é a introdução de taxas diárias para visitantes – como já acontece em Veneza e em Amesterdão - com valores entre os 5 e os 10 euros por pessoa.

Mas estas, para já, só têm conseguido aumentar o valor das receitas das metrópoles. E a verdade é que mesmo que se aumentem os preços de acesso a parques, museus, edifícios históricos ou até a alguns pontos de interesse, para visitantes, e estes sejam gratuitos para os habitantes, facto é que se não houver uma diminuição da quantidade de pessoas, esses lugares continuam inacessíveis para os cidadãos que os pretendem incluir, simplesmente, nos seus passeios diários espontâneos.

“Nenhum governo europeu está, efetivamente, a tentar reduzir o turismo”, escrevia, no mês passado, a Bloomberg. Isto porque, considera aquela agência noticiosa, seria politica e economicamente inviável, para muitos destes países, continuar a sobreviver sem as receitas de um setor que tem tido cada vez mais peso nas economias nacionais.

No caso de Portugal, o turismo contribuiu com 34 mil milhões de euros para a economia em 2024, o equivalente a 12% do Produto Interno Bruto (PIB). Os dados foram divulgados este mês de agosto pelo INE. Segundo os resultados da Conta Satélite do Turismo, o INE estima que a atividade turística “tenha gerado um contributo total (direto e indireto) de 34 mil milhões de euros para o PIB em 2024, o que corresponde a 11,9%”, ficando em linha com o valor de 2023 (12%) e acima da percentagem de 2022 (11,2%).

A atividade turística já tinha atingido em 2023 máximos históricos. No entanto, se nesse ano foi responsável por quase metade do crescimento real da economia (48% do total), o peso baixou em 2024, com o turismo a explicar apenas 15% da variação do PIB, mostram os mesmo números.

Se olharmos para a Europa, em termos globais, as receitas relacionadas com o Turismo cresceram 5,7% no ano passado, para 725,3 mil milhões de dólares (621 mil milhões de euros).

A zona ribeirinha do Porto enche-se de visitantes
A zona ribeirinha do Porto enche-se de visitantesAndré Rolo

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