A balança e o fantasma

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Há muito que nos encontramos divididos entre Ocidente e Oriente. Ou melhor, entre o globalismo ocidental e as suas antíteses - as quais tanto se manifestam na oposição russa a um mundo unipolar como na inversão chinesa do polo dominante, fazendo-o transitar para os lados de Pequim.

Então, o que se passou a 24 de fevereiro? Quando os meios políticos se esgotam, pela intransigência das partes, e o confronto mediático se anula, por meio da censura e/ou monopolização da informação, a guerra torna-se inevitável. Deste modo, além da invasão da Ucrânia, podemos esperar novos conflitos armados sempre que estas condições se reunirem, já que os blocos estão a fechar-se.

No âmbito da economia, este processo tornou-se manifesto. Os EUA e aliados decidiram tentar isolar a Rússia com sanções económicas draconianas. Serão justas? Claro que sim. Proporcionais? Não sei. Mas apesar de a curto prazo alcançarem o resultado desejado - punir o agressor - tenho dúvidas quanto aos seus efeitos a médio e longo prazo.

Em primeiro lugar, porque dão um sinal de alarme a todos os países relutantes em seguir a bitola ocidental, levando-os a tomar medidas de resistência face ao Ocidente e a aderir mais facilmente aos sistemas económicos e financeiros recém-criados pela Rússia e pela China. Neste âmbito, registe-se também as iniciativas chinesas em curso no sentido de substituir o petrodólar pelo yuan apoiado em ouro.

Em segundo lugar, porque as sanções terão um efeito bumerangue, atingindo um Ocidente fragilizado pelas medidas antipandémicas e condenado à inflação. Sobretudo na Europa, não imagino como se compensará o drástico aumento da energia sem se comprometer, também drasticamente, o défice.

Então, das duas, uma. Ou recorremos novamente à fantasia do quantitative easing, o que agravará o problema inflacionário, ou deitamos definitivamente a casa abaixo com o aumento das taxas de juro (sejamos honestos, a nossa economia não aguenta uma efetiva e proporcional subida dos juros sem cair aos pedaços). Assim sendo, não sei se os nossos governantes acreditam em fantasmas, mas não me admirava que daqui a um ano fossem obrigados a chamar os ghostbusters para combater a estagflação.

Num mundo cada vez mais bipolarizado entre o dólar e o renminbi, talvez esta guerra seja apenas o segundo grande passo para um volte-face na balança do poder global. Quanto ao primeiro, todos sabemos qual foi (uma dica: Sars-CoV-2).

Economista e investidor

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