A cigarra e a formiga

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Quando olho para países da dimensão de um Brasil, não posso deixar de pensar que deve ser muitíssimo difícil governar nações tão grandes e com uma população de proveniências tão diversas. Na verdade, até aceito que haja razões que dificultem o papel de um bom governo em países tão complexos.

Quando me centro em Portugal (e não me vou focar, hoje, nas múltiplas qualidades intrínsecas de um país à beira-mar plantado, com gastronomia ímpar, um clima de invejar habitado por um povo de brandos costumes que prima pela hospitalidade) não consigo entender como é que em 44 anos de vida, nunca ouvi dizer que Portugal estivesse num período bom, sem crise, com finanças sólidas e bem governado. Houve tempos melhores do que os que hoje vivemos - certamente! - mas nunca nada que nos colocasse no pelotão da frente dos exemplos a seguir.

Há vários desafios para um bom governo em Portugal.

É importante dizer que estes desafios não são exclusivos de Portugal. Bem sabemos que nenhum país é perfeito. No entanto, se desconsiderar os primeiros 14 anos da minha vida (durante os quais não tinha grande consciência política) já lá vão 30 e parece que ouço os mesmos assuntos em modo "repeat"...... é, por isso, natural que comece a ter um bocadinho de pressa (o que dirão aqueles que são mais velhor?), já que olho para a superação desses obstáculos por países que - há uma década - estavam bem atrás de nós.

Como excluo que seja por falta de estudos, inteligência ou competência técnica dos nossos representantes (se compararmos com a generalidade dos seus homólogos Europeus), só me resta a conclusão de que será por falta de vontade..... e, com isso, vivo pior.

A corrupção é um problema persistente em Portugal, que mina a confiança no Governo e impede a implementação eficaz de políticas públicas urgentes. A falta de transparência e a impunidade dos casos de corrupção contribuem para a perpetuação desse problema. Ligado a este, a prática do favorecimento de amigos, familiares e aliados políticos em detrimento do interesse público é um desafio gritante. O clientelismo compromete a meritocracia e a eficácia da administração pública, resultando em decisões políticas e contratações inadequadas.

Portugal enfrenta desafios significativos em termos de crescimento económico. Somos um país pobre, pouco produtivo, com parcas medidas de fomento à indústria, ténue foco nos jovens e na massa do nosso tecido empresarial: as PMEs. Aqueles que querem mudar alguma coisa em Portugal, seja a ter mais filhos, a investir e/ou a criar novos negócios cada vez são mais estrangulados.

A falta de investimento em áreas-chave como a educação, a saúde e a justiça torna Portugal num país que não devolve aos seus cidadãos um mínimo aceitável, tendo em conta o que estes contribuem com os impostos a que estão sujeitos. Não há um retorno digno e justo aos cidadãos, que se vêm cada vez mais despojados de liberdade e de independência económica, não conseguindo enriquecer com o fruto do seu trabalho. O que não acontece lá fora.

A desigualdade social em Portugal tem vindo a aumentar, com um grande número de pessoas a viver na pobreza ou em situação de exclusão social. A falta de políticas eficazes de redistribuição de riqueza e oportunidades limita o progresso social e económico do país.

Quem comanda os destinos de Portugal não tem uma visão estratégica para além da sua longevidade política e não se aventura em medidas de fundo que surtam efeito a 10 ou 20 anos (altura em que, em princípio, já não estarão no poder). Concentram-se no que dá votos. No imediato. E mudam a estratégia (quando a há) a seu bel-prazer, sem qualquer apreço ou consideração pela certeza e segurança jurídicas, tão prezadas pelos investidores estrangeiros (de quem dependemos largamente).

Isto tudo se traduz numa baixíssima participação cívica e num longínquo envolvimento dos cidadãos na política. E os que votam, aqueles que dependem de uma das mais pesadas administrações públicas que há na Europa, votam sempre na mesma direção, sem qualquer espírito critico sobre um futuro melhor como o que tem vindo a ser traçado pelos Países que - muito mais tarde do que Portugal - se juntaram à UE. A participação eleitoral é baixa e o interesse cívico e político é muito limitado, e isto leva-nos outra vez ao investimento na educação......

Tendo sido emigrante num país da Europa do Norte por mais de uma década, e tendo convivido de perto com as comunidades Portuguesas, sei que os Portugueses lá fora vingam, são respeitados, têm foco e são reconhecidos. Porquê? Porque são bem geridos. Têm regras, transparência, consequências rápidas e eficazes para a transgressão dessas ditas regras, bons exemplos. Há educação, há investimento nos jovens e nas empresas, há métricas.

Faz-me muita pena que, em Portugal, um país pacífico, pequeno, com uma população controlada, sem grandes temas de regionalização (como os que há em Espanha, por exemplo), não consigamos deixar caciquismos de lado e não consigamos apostar naquilo que importa, com olhos postos num futuro melhor para todos.

Isto é muito maior do que o fim do RNH ou do que o programa mais habitação.

Estamos há 44 anos a "tocar guitarra", como a cigarra.....

Mariana Veríssimo, country leader do TMF Group em Portugal

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