Antes da guerra da Rússia contra a Ucrânia, os números da resposta à crise europeia satisfaziam..O Banco Central Europeu (BCE) tinha sinalizado que iria subir as taxas de juro, mas devagarinho..O fundo de recuperação da União Europeia (UE) era substancial, parecia chegar para meter os países na rota do crescimento novamente. Uma retoma amiga do ambiente, inclusiva, baseada em novas tecnologias, menos dependente do petróleo e do gás.."O orçamento de longo prazo da UE [o quadro plurianual clássico de fundos europeus], juntamente com o Next Generation EU (NGEU), o instrumento temporário concebido para impulsionar a recuperação, será o maior pacote de medidas de estímulo alguma vez financiado na Europa", enumerou a Comissão Europeia quando concretizou o plano geral..O NGEU é a base onde assentam os Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) dos países. Para o financiar, a Comissão Europeia concordou em ir aos mercados endividar-se em 800 mil milhões de euros..No total, a resposta da Europa à crise, financiada por nova dívida e pelos recursos próprios (as contribuições dos orçamentos de Estado dos países da União, foi orçamentada em "2,018 biliões de euros". Dois milhões de milhões de euros..Pois, parece que tanto dinheiro não vai chegar porque em cima da crise pandémica é agora preciso financiar as necessidades impostas pela guerra. Isso mesmo ficou claro na Declaração de Versalhes, no início de março..Para justificar a urgência de investimento na defesa (como melhor ataque às crises gémeas: pandemia e guerra/energia), os líderes recordaram em Versalhes que "em dezembro de 2021, decidimos que a UE iria assumir uma maior responsabilidade pela sua própria segurança e, no domínio da defesa, seguiria uma linha de ação estratégica e aumentaria a sua capacidade de agir de forma autónoma"..O que vai acontecer agora é isto, mas mais rápido de forma a responder à ameaça russa. Rápido e de dimensões consideráveis, onde ocorre a necessidade de mais dívida pública. Eventualmente, reajustar ou adaptar algumas prioridades dos PRR e do quadro comunitário de apoio à nova e ameaçadora realidade..Mexer internamente nas traves do PRR é algo que ainda não foi falado, mas seria uma alternativa para evitar mais dívida. Seria uma decisão política.."Tendo em conta os desafios com que nos defrontamos e para proteger melhor os nossos cidadãos, e reconhecendo ao mesmo tempo o caráter específico da política de segurança e defesa de determinados Estados-membros, temos de, resolutamente, investir mais e melhor em capacidades de defesa e em tecnologias inovadoras", avisaram em Versalhes..A quota da NATO vai subir.Uma das metas, senão a maior delas, é aumentar o dinheiro dedicado à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO). Há países que ainda precisam de fazer um esforço adicional para responder ao repto da defesa comum e transatlântica, como Portugal..Em Versalhes, os líderes europeus não pouparam nos advérbios. Isto passa por "aumentar substancialmente as despesas no setor da defesa, com uma parte significativa consagrada ao investimento", encontrar "novos incentivos para estimular os investimentos colaborativos dos Estados-membros em projetos conjuntos e na aquisição de capacidades de defesa". Como novo armamento, tecnologias próprias, logísticas bélicas..E, claro, "investir mais nas capacidades para realizar toda a gama das missões e operações" necessárias, para casar com as ideias da NATO..Como o dinheiro não nasce nas árvores e o BCE entrou numa nova era por causa da inflação muito alta, este tipo de resposta "substancial" só pode ser concretizado pelos governos, com mais dívida ou até reorientação de fundos já no terreno (como partes do PRR), dando-lhe nova roupagem, por exemplo..Se for para reduzir a dependência do gás e apostar em altas tecnologias que "protejam melhor os nossos cidadãos", porque não? Os incentivos estão definidos ao mais alto nível desde Versalhes..Quando a agressão da Rússia à Ucrânia tinha apenas duas semanas, a Bloomberg apurou uma informação. Em Bruxelas, onde a Comissão Europeia está e tem como vizinha a NATO, havia já quem estivesse a fazer contas à guerra..Fala-se em mais 150 a 200 mil milhões de euros em endividamento extra para erguer uma ferramenta que ajude aos planos "substanciais" declarados em Versalhes. A Comissão disse que nada estava em cima da mesa..Mas a semente da ideia ficou. Seja qual for o plano para ir buscar dinheiro seja onde for, ele terá uma base: nova dívida, no mínimo..Para os países mais endividados da zona euro e ameaçados pelo regresso do Pacto de Estabilidade (que virá), há aqui um enorme problema latente. Mais dívida vai atrasar ou complicar o tão propalado ajustamento das "contas certas". Ou subtrair fundos a áreas que, até agora, eram prioridades maiores..A guerra parece estar a reordenar essas prioridades. Na mais recente avaliação ao rating de Portugal, a Standard & Poor"s (S&P) deixou claro o que está em jogo para um país deste tipo: endividado estás, mais endividado serás.."O aumento da incerteza geopolítica pode levar a um ritmo mais lento de consolidação orçamental", avisou a S&P.."Compreendemos que a UE poderá lançar uma nova emissão de obrigações para ajudar os Estados-membros com os custos de despesas adicionais de energia e defesa na consequência do conflito ucraniano. Portugal, membro fundador da NATO, gastou cerca de 1,6% do PIB na defesa no ano passado, contra os 2%, que é a meta orientadora da própria NATO.".Ora, "se Portugal decidir cumprir este objetivo em despesas com defesa até 2024, atrasaria o regresso da sua posição orçamental global ao equilíbrio", afirma a agência de rating..Será que a defesa é também o maior ataque dos anos vindouros às "contas certas"? Pelos vistos, é um risco sério, como refere a S&P.