"A forma como as pessoas percecionam o mundo tende a estar errada"

A perceção de que governantes, empresários e sociedade têm do mundo está genericamente errada, conclui uma pesquisa da Gapminder. Em entrevista exclusiva ao Dinheiro Vivo, Anna Rosling Rönnlund, cofundadora deste projeto, explica a importância de entender o contexto atual através de factos.
Anna Rosling Rönnlund, cofundadora da Fundação Gapminder
Anna Rosling Rönnlund, cofundadora da Fundação GapminderDR
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Como é que podemos tomar as melhores decisões se estivermos errados sobre os factos atuais? Como é que podemos fazer o melhor para o futuro quando o conhecimento sobre o mundo se baseia em ficção? Duas questões para as quais Anna Rosling Rönnlund não tem dúvidas sobre as respostas. “Visualizando e utilizando dados, e contando histórias baseadas nestes mesmo dados, vamos tornar o mundo mais fácil de entender”.

A cofundadora da Fundação Gapminder, que, desde 2005, procura combater a ignorância devastadora com uma visão do mundo baseada em factos que todos possam compreender, esteve em Portugal para falar perante uma plateia de empresários, durante o jantar de Presidentes do BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento sustentável.

À margem do evento, e em conversa com o Dinheiro Vivo, explicou um pouco melhor o trabalho que desenvolve, e de que forma a abordagem pelos dados garante melhores respostas aos desafios e problemas do mundo. Segundo Anna Rosling Rönnlund, há uma combinação de temas globais importantes que é preciso resolver em conjunto de diferentes formas. “São grandes desafios, mas o maior é a forma como as pessoas percecionam o mundo, e que tende a estar errada”, afirma, garantindo que o diz sem rodeios porque “testámos o que as pessoas sabem sobre as tendências e perceções globais entre o público em geral, mas também entre empresários e decisores, em muitos países”.

Foram mais de 10 mil as questões colocadas pela equipa da Gapminder pelo que, garante, “temos uma ideia bastante boa da perceção que o público em geral tem sobre o mundo em que vive”. No entanto, o problema é ainda mais preocupante porque a Fundação também testou audiências de especialistas e concluiu que “são tão maus como o público em geral no conhecimento dos factos sobre as tendências e perceções globais”. Estas conclusões, e especialmente perante especialistas e decisores, não são notícias fáceis de dar, mas, assegura a responsável da Gapminder, a abordagem passa por focar no tema sem envergonhar o público, mas sensibilizando-o para o facto de ser humanamente natural ter dificuldades em ter uma ideia correta sobre o mundo.

Habitualmente, revela ainda Anna Rosling Rönnlund, “a boa notícia é que depois de compreender que o seu instinto muito provavelmente o leva na direção errada, pode agir em conformidade, porque os dados estão lá para o apoiar em muitos casos.” Por isso, a recomendação da investigadora é que, de cada vez que estiver prestes a usar o seu instinto, gaste alguns minutos extra a tentar descobrir se pode verificar a informação de alguma forma. E, muito provavelmente, acredita, esta prática levaria a uma resolução de problemas muito mais construtiva e a fazer as perguntas certas sobre os problemas em que está a pensar.

10 razões por que estamos errados sobre o mundo

No livro que escreveu, em parceria com o marido, Ola Rosling, e o sogro, o médico sueco Hans Rosling, intitulado ‘Factfulness’, Anna Rosling Rönnlund identificou dez razões por que estamos errados sobre o mundo, e o que podemos fazer para alterar a nossa perceção. Um dos mais importantes, aponta, é o que chamamos de instinto de negatividade. “Penso que este é talvez o mais fácil de resolver, e o que tem maior impacto na nossa vida quotidiana”, salienta.

Seja a partir de notícias ou de conversas com os outros, o mais natural é abordar o problema e o que não funciona, o que limita a visão global do tema e tende a desviar-nos do essencial, e das tendências de longo prazo. A autora exemplifica com a forma como encaramos o desenvolvimento humano. “Há 200 anos, quase 80% da população mundial vivia naquilo a que atualmente se chama pobreza extrema. Agora, apenas uma fração vive ainda nesta situação”. Este tipo de tendências, reforça, é muito importante, “porque se compreendermos que conseguimos fazer grandes melhorias ao longo do tempo, então porque é que não havemos de ser capazes, agora que somos mais inteligentes, mais instruídos, temos melhores ferramentas, melhores comunicações, melhores competências, melhores conhecimentos, porque é que não havemos de resolver os grandes problemas?”.

O objetivo deste livro é, nas palavras de Anna Rosling Rönnlund uma boa ferramenta para todos, incluindo empresários e, até, chefes de estado, que promove a análise do mundo através dos dados. Em muitas situações, garante, “basta aplicar pequenos hábitos para garantir que não se está tão errado como se estaria sem estas ferramentas de pensamento e uma base sólida de factos”.

No fundo, explica, a expectativa dos autores é a de que quando, por exemplo, vemos as notícias, “possamos pegar nas informações que recebemos e, de alguma forma, garantir que temos uma estrutura dentro de nós para que possamos colocar essa notícia num contexto correto”. Uma alteração de mentalidades que conduz a uma maior literacia e que ajude a combater a expansão das ‘fake news’, entre outros fenómenos de massas.

Quem é Anna Rosling Rönnlund?

Concebeu a interface de utilizador da ferramenta de animação de gráficos de bolhas Trendalyzer, utilizada por estudantes em todo o mundo para compreender as tendências de desenvolvimento global. A ferramenta foi adquirida pela Google, onde trabalhou entre 2007 e 2010. Ali, Anna melhorou os resultados da pesquisa de dados públicos, desenvolveu ferramentas de exploração de dados para os dados públicos e criou uma ferramenta de bolhas (gráfico em movimento) nas folhas de cálculo do Google. Em 2010, regressou à Gapminder para desenvolver novos materiais didáticos gratuitos.

Além disso, fundou a Dollar Street, o maior banco de imagens sistemático com documentações representativas de casas baseadas em dados. Atualmente, existem quase 30.000 fotografias e 10.000 videoclipes, que podem ser utilizados gratuitamente ao abrigo da licença Creative Common.

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