“Há muito trabalho a fazer na escolha do tipo de imigração que queremos ter em Portugal”, afirma o diretor-geral da Michael Page, reconhecendo a capacidade do nosso país na atração de talento estrangeiro. Álvaro Fernández defende, no entanto, que precisamos de fazer mais para alcançar imigrantes que “nos ajudem a fazer um upscaling da força laboral portuguesa e melhorar a competitividade de Portugal”..Olhando para a crescente falta de talento em setores-chave como a tecnologia, indústria e construção, como é que as empresas podem preparar líderes para enfrentar as exigências do mercado em 2025?.Primeiro, pela cultura, ter uma empresa que ofereça uma boa qualidade de vida no que diz respeito à flexibilidade e benefícios sociais. Para isso, é preciso ter líderes que, além de fantásticos nos negócios, consigam ter a capacidade e a empatia para perceber quais as necessidades da sua equipa e para conseguir adaptar o modelo de negócio para que essas pessoas encontrem o sítio em que sentem que podem crescer durante os próximos anos. A formação é também apontada como essencial para o crescimento das organizações e para reter o talento..Que áreas de competência devem ser prioritárias para as empresas em 2025? .Quando falamos de formação, estamos a ver principalmente a necessidade de upskilling e reskilling das pessoas. Estão focadas, primeiro, na capacidade de integrar a utilização da inteligência artificial no nosso trabalho do dia a dia e na utilização dos dados. Agora temos a capacidade, com novas ferramentas, de ter informação hiper detalhada sobre cada um dos processos que estão acontecendo nas nossas empresas e que nos permitem poder tomar melhores decisões. Mas para isso precisamos ter os skills para, primeiro, saber usar essas tecnologias e, segundo, para saber interpretar esses dados, obter os melhores resultados e tomar as melhores decisões..E as empresas portuguesas estão preparadas?.Acho que estamos no processo de preparação. Existem, como sempre, duas realidades. A realidade das grandes empresas ou das empresas multinacionais, onde esse processo já está em marcha e muitas empresas já têm feito esses investimentos. Veio uma notícia que publicaram no SES, em que 40% ou 50% dos CEOs já tinham feito investimentos em inteligência artificial. Mas isso é real nas grandes empresas. E depois a realidade das PME. E eu gostaria de saber qual é o rácio de PME que já estão a integrar a inteligência artificial e que estão a preparar as suas equipas para a utilização de todos esses sistemas. Temos um grande gap entre as grandes empresas e a maioria das empresas em Portugal que ainda não chegou lá. Há muitas empresas pequenas que já o estão a fazer de forma proativa, mas há muitas outras que ainda estão muito longe de lá chegar..Portugal ainda apresenta disparidades salariais acima da média europeia. Que medidas práticas é que podem ser adotadas para reduzir esse problema?.Um primeiro ponto, que vai ser importante, é a transparência. Já sabemos que em 2026 vamos ter a aplicação da lei europeia de transparência salarial. O que já é um primeiro passo para que fique claro como se estabelece a matriz de salários dentro de uma empresa. A partir daí temos de trabalhar a produtividade para que rapidamente as empresas se deem conta de que o valor por hora que podem pagar às pessoas é mais alto, porque realmente estão a produzir mais. Em vez de esperarmos para ver como fazem no norte da Europa ou no resto do mundo ocidental, temos de ser os primeiros a assumir essas novas tecnologias e aproveitar ao máximo para sermos mais produtivos. Segundo, temos de trabalhar na formação das nossas pessoas. E não falo só de formação na aplicação destas ferramentas, falo na formação universitária e profissiona. Portugal tem feito um bom trabalho e vemos que temos muitos países e empresas a vir a lPortugal recrutar pessoas. Terceiro, como mantemos os bons recursos portugueses em Portugal em vez de perdê-los para países onde estão a receber melhores salários? Se mantivermos esse know-how de pessoas que têm verdadeiro valor dentro de Portugal, os salários altos que essas pessoas merecem ficarão dentro de Portugal também..Daí que a formação seja a chave para tudo isso?.Absolutamente. Temos de encontrar a fórmula para que as pessoas tenham uma boa formação em áreas onde sabemos que há verdadeiras necessidades. Temos de ver como conseguimos pagar o suficiente para essas pessoas que queiram ficar em Portugal e ter uma carreira de sucesso em Portugal, onde vejam que não há uma grande diferença face à realidade externa. É verdade que, quando analisamos o custo de vida em Portugal, o salário é mais baixo. Com a inflação que temos tido nos últimos anos, podemos ver que cidades como Lisboa, com a habitação tão cara, têm ficado muito mais caras. Há um desequilíbrio, efetivamente, entre os salários e o custo de vida real atual..Não acha injusto, por vezes, a forma como se pode pagar um salário noutras geografias e que venham buscar talento qualificado a Portugal?.Acho que de facto se tem de trabalhar nessa competitividade, porque senão vamos perder o talento. Há países que têm feito um trabalho fantástico para atrair talento e outros que têm falhado em algumas coisas e que vão deixado sair muito talento. Acho que há alguns instrumentos fiscais que funcionaram bem para atrair de volta o talento português, mas ainda falta muita coisa. O que poderia ser injusto para o país é justo para a pessoa que tem a capacidade de tomar a decisão de dizer que quer ter as melhores oportunidades que qualquer outro cidadão europeu e não ficar no seu país para que Portugal sinta a justiça de ter cá os melhores profissionais..E Portugal está a falhar ou não?.Portugal tem feito um bom trabalho no sentido de formação. Acredito que temos grandes profissionais. Mas também estamos a falhar na retensão do talento jovem. Temos de trabalhar melhor para ver como conseguimos que eles tenham uma boa capacidade de crescer profissionalmente em Portugal, com bons salários. Independentemente disso, também acho que Portugal está a fazer um bom trabalho para atrair talento estrangeiro. Mas há ainda muito trabalho a fazer na escolha do tipo de imigração que queremos ter em Portugal. Podemos trazer imigração com formação que nos ajude a fazer um upscaling da força laboral portuguesa e melhorar a competitividade de Portugal. Acredito que tem de haver um fit cultural, porque é o que faz com que a sociedade funcione melhor. E, por outro lado, um fit de quais são as necessidades reais que tem o mercado português. Hoje, os números de desemprego são muito bons. Estamos num nível de desemprego muito baixo. Significa que ainda há necessidade de profissionais. É preciso é analisar quais são essas áreas em que Portugal tem deficit e como conseguimos atrair talento. Temos as áreas de tecnologias de informação, onde vemos que é muito difícil recrutar. As áreas de engenharia, onde há profissionais muito bons, mas há falta de profissionais. Ou áreas como a saúde, onde vemos também que há um deficit de pessoas. Professores, estamos a ver que temos um problema de professores. Por isso, acho que um dos objetivos que tem o Governo tem de ter, hoje em dia, é analisar bem quais são essas áreas de necessidade e criar políticas para atrair talento para aí. Seja através de benefícios fiscais ou de qualquer outro tipo de benefícios. Aí temos um potencial de crescimento. Por outro lado, trabalhar em paralelo em como conseguimos que os fantásticos jovens portugueses que se formaram aqui fiquem aqui para poder cobrir essas posições e não ter de ir para outros países europeus ou para a América do Norte fazer carreira..Como conseguir isso?.Através de incentivos. Eu acho que temos de incentivar fiscalmente, provavelmente, e, por outro lado, ver como conseguimos que os salários sejam competitivos face a outros países europeus, tendo em conta que tem que existir um equilíbrio entre custo de vida e o salário. Quando analisamos o tema das startups, acho que Portugal tem feito um trabalho espetacular. Desde a vinda da Web Summit, Portugal converteu-se num hub para quem trabalhas em tecnologia, e onde muitas incubadoras vieram ajudar a criar startups. O que temos de fazer é ver como conseguimos que essas startups tenham, primeiro, o apoio necessário para poder continuar a crescer e, segundo, tenham o ambiente, uma vez mais, para que se possam tornar empresas globais, para que não tenham de sair de Portugal, porque Portugal não oferece os meios para poderem crescer. Temos visto alguns desses unicórnios portugueses que começam em Portugal, vão crescendo e chega a um momento em que, quando começam a ser maiores, acabam por sair para ir a outras geografias. Como conseguimos que essas empresas fiquem aqui, dando, primeiro, mais emprego a pessoas que estão aqui em Portugal e, segundo, dando um benefício à sociedade portuguesa, ficando com a inovação dentro de Portugal..Tem ideia de que os estrangeiros estejam muito voltados para Portugal por esta aposta no empreendedorismo, nas startups portuguesas e na inovação?.Portugal tem feito, realmente, muito bom trabalho nesse aspeto. Temos de felicitar os diferentes governos por atraírem centros de serviços partilhados ou centros de excelência para Portugal. Vemos também que se criou um ecossistema de pessoas internacionais que vieram para Portugal trabalhar em hubs que prestam serviços a nível europeu ou até mesmo alguns a nível mundial. Conseguimos trazer experiência e talento para juntar ao talento português na criação de equipas muito grandes. Temos algumas equipas com nove mil colaboradores internacionais a prestar serviços, e a criar também posições de responsabilidade mundial em áreas concretas, baseadas em Portugal. Este tem sido um ponto de trabalho fantástico, que traz grandes resultados. E uma vez que temos cá esse ecossistema e essas pessoas estão cá, algumas deles quando se dão conta de que já não querem continuar nessa empresa multinacional e querem empreender, já estão em Portugal, já descobriram Portugal, e já querem ficar em Portugal. Uma das coisas que vejo como expat (expatriado) que sou, vim para Portugal há muitos anos, é que muitas dessas pessoas que vêm a pensar que vão estar durante três, quatro anos, e alguns deles vêm por incentivos fiscais, outros vêm porque são transferidos para aqui pelas suas empresas para dirigir o negócio, passados os anos em que supostamente têm de sair, temos muitas pessoas a contactar-nos e a dizer “eu quero encontrar uma oportunidade como local, porque quero ficar em Portugal”. E dá-me muita pena quando vejo que os mecanismos fiscais que Portugal usou para atrair talento de alta formação, estão a desaparecer. Acho que isso vai fazer com que percamos uma série de pessoas que podem trazer um grande conhecimento para Portugal e que nos vão ajudar a evoluir para o caminho que realmente queremos, que é aumentar a produtividade. Para não nos transformarmos num país somente de turismo e serviços, mas sim num país que tem talento e que tem inovação..Foi um erro ter alterado essas políticas?.Sim, realmente acho que vai haver uma parte do investimento estrangeiro que vinha para Portugal que vai ser perdido. Esse investimento ia ajudar-nos. É verdade que causava alguns problemas no sentido de uma possível inflação na habitação. Temos de trabalhar é em como conseguimos que o mercado da habitação esteja mais liberalizado para poder ter melhores preços. Acho que há outras formas de trabalhar, porque honestamente não acredito que apenas por tirar esses benefícios fiscais o preço da habitação em Portugal vá cair. Acho que há outros mecanismos que temos de trabalhar para conseguir que o preço da habitação seja atingível para as pessoas que trabalham com um salário português, mas, por outro lado, sem deixar de trazer o máximo do investimento estrangeiro que nos permitiu a Portugal, nos últimos 15 anos, ter um desenvolvimento fantástico, que foi um modelo para o resto da Europa..E esse investimento em recursos humanos e na criação de novas empresas já está descentralizado no país?.Historicamente, nos processos que tínhamos, era principalmente a Lisboa que se dirigia. Muito rapidamente, o Porto entrou na competição e conseguiu trazer investimento e grandes centros de serviços partilhados e hubs. E, hoje em dia, temos começado a ver, efetivamente, Braga, Coimbra, etc., que estão a ter uma realidade de hubs que procuram lugares onde há bons profissionais, porque têm universidades muito boas. O que temos de ver é como conseguimos descentralizar ainda mais, que nos permitirá criar mais riqueza em todo o país e não somente nas duas principais cidades..E acha que o Estado português está a olhar para as outras regiões do país como uma oportunidade ou não?.Há uma tendência mundial, independente do governo português, em que as pessoas se concentram nas grandes cidades. Isso é um fenómeno que acontece em todos os países do mundo. Pouco a pouco, vamos ver como mais e mais pessoas vão sair do campo para ir às grandes cidades, e temos que dimensionar as cidades para que isso possa ser assim. Não nos podemos é centrar somente nas cidades, mas também na forma como ampliar as cidades para que as infraestruturas funcionem. E é verdade que isso acaba por ir fazendo com que as aldeias fiquem mais desertas. O que temos de ver é como conseguimos que este movimento migratório para as grandes cidades não se centre somente nas duas principais cidades, mas vá para outras cidades que possam oferecer este mesmo desenvolvimento e esta mesma capacidade de fazer uma grande carreira profissional em cidades mais pequenas, como Coimbra, Braga, Aveiro e outras cidades..No que diz respeito aos recursos humanos, quais é que vocês veem como as grandes tendências para 2025?.Diria que uma das primeiras coisas que vamos sentir todos é a dificuldade em recrutar, e já estamos a ver que é difícil preencher as vagas. Há muitas empresas que têm dificuldades para preencher as vagas de profissionais qualificados, porque há uma grande luta pelo talento. E muitas vezes pensamos, se a economia não está a crescer a grandes níveis, por que há tanta dificuldade em contratar pessoas? A dificuldade não é encontrar pessoas, a dificuldade é encontrar as melhores pessoas do mercado, e aí é onde está a luta. E como todas as empresas, quando vão recrutar, o que tentam é encontrar os melhores, aí é onde sentem que têm uma dificuldade para encontrar a pessoa que tem os skills certos para a posição que estão a desenvolver..As universidades podem ajudar nesse processo?.Claramente, as universidades podem ajudar nos perfis juniores. O problema é que a maior dificuldade não está em encontrar pessoas jovens, recém-licenciadas, onde temos muitas pessoas fantasticamente e bem formadas. O problema são as pessoas mais seniores, com experiência concreto, que essas pessoas jovens ainda não adquiriram. Outra tendência que vemos é uma dificuldade em encontrar um equilíbrio entre o regresso aos escritórios e a vontade de flexibilidade por parte dos colaboradores. Muitas empresas estão a pensar, a única forma que tenho, nestas épocas mais desafiantes, para manter uma cultura e manter as pessoas motivadas, é que estejamos todos juntos no escritório. Por outro lado, vemos que quando fazemos inquéritos aos nossos candidatos e a maior parte deles querem manter a flexibilidade. Por isso, há uma divergência entre a realidade das empresas que querem ter as pessoas de volta e a necessidade das pessoas terem flexibilidade..Falou de dois desafios, há mais algum?.Sim. O terceiro desafio é como conseguirmos que as gerações mais velhas, mais experientes, se consigam adaptar às novas tecnologias. Temos as tecnologias a evoluir a uma velocidade vertiginosa, e pensamos que muitas empresas vão precisar rapidamente formar as pessoas para que possam se beneficiar de todos esses movimentos de crescimento dessas novas tecnologias, para aumentar sua própria produtividade e se adaptar à nova realidade..É um desafio de inclusão, não é?.É um desafio de inclusão, onde já vemos empresas a fazer projetos muito interessantes, com mentorias bidirecionais: as mais seniores as mais jovens que estão a entrar no mercado laboral; e as mais jovens dão mentoria às seniores sobre como podem utilizar as novas tecnologias dentro do ambiente de trabalho. Há formas não necessariamente muito caras para as empresas em que ambas as partes podem beneficiar do conhecimento umas das outras..Mas também há outro tipo de inclusão que tem a ver com pessoas com deficiência. Como é que o mercado está às necessidades dessas pessoas e das empresas?.Este é um dos principais desafios que vamos encontrar em 2025 e, provavelmente, 2026. Todas as empresas estão a tentar cumprir a lei de quotas para pessoas com deficiência, mas há uma verdadeira dificuldade porque não se consegue. Não conseguem as empresas encontrar pessoas que tenham os skills necessários para poder desenvolver este trabalho com deficiência? E qual é o grande problema que temos? Creio que o nível de percentagem de deficiência que foi escolhido pelo Governo português é muito alto. E isto faz com que seja super difícil recrutar. Todas as semanas temos empresas que nos contactam e temos uma equipa dedicada ao recrutamento de pessoas com deficiência. Mas chega a um momento em que temos mais pedidos que candidatos. Quando comparamos com outros países da Europa, vemos que há uma diferença na percentagem de capacidade necessária para poder preencher as quotas..Qual é a diferença entre Portugal e os outros países?.Há países que estão nos 30 a 35%. Em Portugal, estamos no 60%. Há uma grande diferença. E é uma pena, porque é uma oportunidade perdida. Temos pessoas que estão entre os 30 e 60% de incapacidade, que estão desejosas por ter uma oportunidade. Bastaria adaptar estas percentagens para poder ter muitos mais candidatos..Uma última pergunta, que na verdade é aquela que todos fazemos sempre: acredita que a inteligência artificial vai fazer desaparecer algumas profissões?.Tenho certeza de que sim, não há nenhuma dúvida. Vamos estar tranquilos que no ano de 2025, não acredito que a inteligência artificial ainda consiga fazer as coisas por nós. O que vemos é que ajuda a desenvolver as tarefas de uma forma mais rápida e mais efetiva. Vamos ver também que nos vai ajudar a avançar na medicina, nos diagnósticos. Há muitas coisas nas quais vai ter um efeito muito positivo. É verdade que, a meio longo prazo, e talvez mais médio que longo, vamos ver que haverá uma série de funções que serão perfeitamente exequíveis através da inteligência artificial e das máquinas. Por isso é tão importante o reskilling e o upskilling, porque vai permitir que as pessoas conseguirem utilizar bem essas ferramentas.