A odisseia da mobilidade elétrica no país vizinho

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A experiência de utilização de um veículo elétrico pode ser muito diferente quando se atravessa a fronteira. Numa altura em que o ritmo da venda de carros elétricos em Portugal continua a subir, é importante estarmos preparados para a diferença da experiência de planeamento e carregamento de um elétrico no estrangeiro para que possamos usufruir com maior tranquilidade da viagem e também para que não nos limitemos.

Durante sete dias, em conjunto com um grupo de pessoas com experiência na área da mobilidade elétrica, saí de Portugal rumo a Espanha, onde percorremos mais de 4.000 quilómetros com um carro elétrico. Levámos connosco um cartão de carregamento de um eMSP (Electric Mobility Service Provider) que se pode equiparar a um CEME (Comercializador de Energia para a Mobilidade Elétrica) e cinco aplicações móveis instaladas nos nossos telemóveis, às quais fomos adicionando algumas outras de OPCs (Operadores de Postos de Carregamento) específicos, que fomos instalando à medida das nossas necessidades.

A primeira parte desta experiência, que acabou por se tornar numa verdadeira odisseia e nos deixou, em vários momentos, bastante ansiosos, foi de Aveiro a Barcelona, contabilizando mais de 2.000 quilómetros a utilizar diferentes redes de carregamento. Mesmo com uma rota planeada - e tendo experiência nesta área -- tivemos muita dificuldade em compreender a disponibilidade dos postos de carregamento e a sua localização exata, pois foi necessário estarmos sempre a alternar entre aplicações e verificámos, diversas vezes, que os postos de carregamento estão em ruas distintas ou que estão ocupados, enquanto supostamente comunicam que estão livres.

Depois desta pequena frustração em Barcelona, seguimos rumo a Madrid e, durante a viagem, tentámos fazer o registo na aplicação de carregamentos do município para conseguirmos carregar num posto, perto do restaurante no qual queríamos almoçar, que foi bastante morosa. Depois de conseguirmos, carregámos a carteira virtual da aplicação com 20 euros que, infelizmente, acabámos por não conseguir utilizar pois os carregadores estavam ocupados quando chegámos ao destino, apesar de, nas aplicações, indicar que estariam livres. Em algumas das aplicações que acabámos por utilizar, apercebemo-nos de que muitas vezes, os canais de suporte falam apenas numa só língua (e não é em inglês), sendo também um pouco morosos a agir. Além disso, são poucas as aplicações que nos permitem manter visibilidade sobre a nossa sessão e as que o permitem, mostram apenas o tempo e kWh. No que diz respeito ao preço, é muito comum existir um valor por kWh, mas as aplicações com maior cobertura, não calculam o preço final. Face à realidade portuguesa, a verdade é que esta experiência de mobilidade elétrica em Espanha acabou por se revelar muito pouco user-friendly.

Ao longo da nossa viagem, acabámos também por contactar com muitos utilizadores que diariamente lidam com a realidade da mobilidade elétrica em Espanha. Sempre acreditei e afirmei que, nesta área, Portugal começou com o pé direito, não obstante os muitos desafios que ainda temos por ultrapassar. Estes utilizadores partilharam connosco as barreiras que ainda existem e têm de ser ultrapassadas para que se crie a confiança necessária para adoção massiva de viaturas elétricas no país vizinho, sendo uma delas, precisamente, a qualidade e fiabilidade dos dados para que consigam viajar mais tranquilamente. Confidenciaram-nos também que muitos utilizadores gostam de carregar os seus carros até 100%, dado que o preço é maioritariamente por kWh e não por minuto, mesmo em postos de carregamento rápido -- o que, já sabemos, acaba por congestionar a rede de carregamentos.

Acredito que deve haver, claramente, um maior reforço na infraestrutura. Durante a nossa viagem, chegámos a deparar-nos com várias zonas, incluindo autoestradas, em que só existia um posto de carregamento. Basta um erro de cálculo na rota, de hardware ou de software, para ficarmos literalmente a pé. Mas além de reforçarmos a infraestrutura, precisamos de garantir que os sistemas são fiáveis e que os dados que são comunicados, são fidedignos. De pouco adianta termos uma rede densa se tivermos de continuar a viajar em modo tentativa-erro até encontrarmos um posto disponível e que funcione devidamente.

Enquanto estrangeiros no nosso país vizinho, houve ainda uma outra situação que nos espantou. Ao regressar a Portugal, passámos por Salamanca, onde tentámos carregar o carro com uma aplicação local em que não conseguimos efetivar o registo, uma vez que éramos obrigados a inserir dados que só um cidadão espanhol teria. Optámos assim por um eMSP que tinha compatibilidade e conseguimos fazer o carregamento, no entanto, houve uma clara discriminação no preçário, que acabou por ser duplicado - se tivéssemos usado a aplicação do OPC teríamos pago 0,40€/kWh e ao usar um eMSP, acabámos por pagar 0,79€/kWh.

Até ao início de março, Espanha não contava com uma regulamentação e legislação específica para o mercado de mobilidade elétrica. Só agora, pela primeira vez, existe uma legislação que que permite criar um ecossistema de roaming com ofertas de vários operadores e também ofertas de eMSPs, sem discriminação e com uma plataforma de roaming para o efeito.

Esta regulamentação é uma ótima notícia para a mobilidade elétrica como mercado e para o utilizador final, uma vez que permitirá que surjam mais soluções e que a veracidade dos dados comece a aumentar. Pudemos concluir que existe uma clara necessidade de evolução no que toca aos vários aspetos que envolvem a mobilidade elétrica, neste caso em Espanha mas não só, para que a utilização de carros elétricos se possa tornar efetivamente numa alternativa viável, prática e eficaz para todos, sem exceção e parece-me que a regulamentação Espanhola e Europeia, acelera este caminho.

Daniela Simões, CEO da miio

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