Crypto is "the driving force of the fourth industrial revolution: steam engine, electricity, microchip - blockchain and crypto is the fourth" (Brock Pierce).A criptomoeda consiste numa moeda virtual, privada, que ao contrário da moeda fiduciária (Fiat) que é emitida por um banco central e cujo valor advém da confiança que as pessoas depositam na entidade que a emite, não requer uma autoridade central e cuja validade é assegurada pela tecnologia blockchain. A tecnologia blockchain é pedra angular deste sistema, exigindo validação criptográfica de toda e qualquer transacção, sob pena de não execução da mesma, e comportando actualização desse registo uma vez validada a transacção com base em protocolo criptográfico. Assim é gerada uma listagem global, descentralizada, partilhada, comum, sincronizada, idêntica e precisa de tais transacções. Existem hoje 18,142 criptomoedas, 460 bolsas/mercados destinadas a tal moeda, o seu valor de mercado monta a 1,7 mil milhões (triliões, na notação inglesa) de USD"s, sendo transaccionados diariamente 91 mil milhões (bilões, na notação inglesa) de USDs, em criptomoedas, sobretudo em Bitcoin e Ethereum (weforum.org)..Atenta a dimensão da indústria em questão, que se encontra em larga medida por regulamentar, muitos têm apelado à sua regulamentação para fomentar o seu crescimento ("lack of regulation in the cryptocurrency industry is a hindrance to innovation and the growth of legitimate business" diz Frank Wagner) com base na eliminação de certos riscos como, por exemplo:.· Especulação: A criptomoeda consiste numa representação digital de valor sem um valor intrínseco, que pode gerar uma bolha especulativa, caracterizada por um forte desvio entre o valor do activo e o seu (não) valor real;.· Controlo: O seu valor não se encontra subjugado à vontade e estratégia soberana dos governos e bancos centrais, o que é fonte de grande preocupação para essas entidades em sede de política monetária;.· Crime: A opacidade da maior parte das redes de criptoactivos agiliza a possibilidade de branqueamento de capitais e de financiamento de actividades de natureza terrorista; e.· Hacking: A ausência de segurança cibernética permite, neste contexto, actividades ilícitas que vão desde a exploração de protocolos até ao phishing de utilizadores. Desde o início de 2022 até à data, hackers desviaram mais de 1,6 mil milhões de USD"s em criptomoedas pelo mundo fora (CertiK),.· Concorrência: Às moedas nacionais, digitais ou não, com capacidade de influência e pressão sobre os preços, atingindo-se determinada massa critica, passando a concorrente directo das moedas Fiat..Perante estes e outros riscos, os bancos centrais e os Governos pretendem proteger o consumidor, obstar ao financiamento de actividades ilícitas, proteger a integridade do mercado e/ou promover a inovação, variando as abordagens a nível internacional no que toca à prossecução destes objectivos A China, por exemplo, baniu as criptomoedas privadas e lançou o yuan digital: moeda emitida e controlada pelo respectivo Banco Popular da China. Tal como configurado, o yuan digital tem o seu valor alicerçado em ouro e o Estado acompanha e regista as transacções sem preocupações atinentes à privacidade do utilizador por parte das autoridades - aliás as revindicações de patentes em causa fazem referência a algo de dá pelo nome de "anonimato controlado". O projecto Orwelliano chinês, ainda em estado embrionário, visa garantir a soberania monetária do respectivo Estado, o domínio da sua moeda em todas as formas de negociação, o estabelecimento de standards e a salvaguarda da sua posição geopolítica através da projecção de soft power: "the reality is that when China sneezes at crypto, the rest of the world catches the cold" nota William Mougayar..Já na União Europeia (UE) as criptomoedas são lícitas, variando a respectiva regulamentação, de Estado Membro para Estado Membro, no que toca â sua transacção e tributação. Em 2019, a UE expressou apreensão atinente aos riscos associados às criptomoedas, avançando que o Banco Central Europeu estava a considerar a possibilidade de emitir moeda digital própria (Reuters). Nesta sequência, a UE começou por fazer um percurso legislativo cauteloso e em nome de valores indiscutíveis: por exemplo, a 5ª Directiva de Combate à Lavagem de Dinheiro, que entrou em vigor em 2020, incluiu no seu escopo regulatório os fornecedores de serviços de criptomoeda estabelecendo práticas de KYC/conheça seu cliente e AML/anti lavagem de dinheiro, para instituir um maior grau de fiscalização no que toca ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Subsequentemente, ainda em 2020, temendo os potenciais riscos que certas criptomoedas podem acarretar para a estabilidade financeira e para uma política monetária harmoniosa, a Comissão Europeia deu passos mais vigorosos através da publicação de uma proposta de Regulamento relativo aos mercados de criptoactivos (MiCA - Markets in Crypto-Assets Regulation). A proposta inclui regras destinadas aos emitentes de criptoativos bem como aos prestadores de serviços e custódia de criptoactivos na UE assim como regras em matéria de prevenção do abuso do mercado envolvendo criptoactivos (talvez para evitar o impacto dos tweets de Elon Musk?). O quadro jurídico assim estabelecido implica sérios desafios para as entidades visadas, mas os benefícios segundo a Comissão são claros: (i) segurança jurídica, (ii) apoio à inovação, (iii) incorporação de níveis adequados de integridade do mercado e de protecção dos consumidores e investidores e (iv) assegurar a estabilidade financeira comunitária. Continuando a sua marcha no sentido de um cenário regulatório cada vez mais rígido, em 2021, a Comissão Europeia publicou um conjunto de propostas legislativas com consequências para os prestadores de serviços de activos virtuais (VASP) que exigem, entre outras coisas, a colecta de informação sobre remetentes e destinatários de transferências de criptomoedas. Não se trata, todavia, de tema incomplexo, de tal forma que, em Março de 2022 vários membros do Comité de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu votaram contra uma versão do MiCA, que poderia banir efectivamente as criptomoedas baseadas no mecanismo de consenso da prova de trabalho (PoW) na União Europeia (Exame). O assunto merece, claramente, maior reflexão..Estamos perante (mais) uma tecnologia disruptiva de foro digital, que requer a formulação de perguntas, o exame aturado de questões, a ponderação das consequências de cada acção e omissão legislativa e, por fim, a formulação de claras fronteiras no âmbito de um quadro democrático - que não se compadece com ataques despóticos à privacidade dos utilizadores ou com a tributação draconiana dos rendimentos obtidos através da transacção de criptoactivos..É preciso não esquecer que, por exemplo, sob o ponto de vista do consumidor o custo de armazenamento e de transferência de criptoactivos é nulo ou extremamente reduzido e que o progressivo interesse institucional é visto com um inevitável impulsionador do seu continuado crescimento - podendo vir a converterem-se as moedas em padrão único, digital e global..A solução não reside nem na ausência nem no excesso de regulamentação. Regulemos, sim, tendo em conta uma visão global e genuína do interesse público e em prol da inovação. Nem de mais, nem menos..(Nota: A autora não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico).Patricia Akester é fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria (www.gpi-ipo.com)