A parte boa de ter amigos de infância é que os amigos infância ficam velhos, como nós. Fazem-nos companhia nas rugas. Não faz mal nenhum ficar senil, mais gordo e mais feio, mais fraco e mais esquecido, com mais barriga e mais peles a caírem por todos os lados, quando temos companhias amigas nestas desgraças. Mas só os amigos de sempre é que nos valem nestas ocasiões.
Podemos gostar muito dos outros amigos, até podemos gostar mais, ter mais afinidades, achá-los mais interessantes ou divertidos, mas só os de sempre são para sempre. Estão connosco na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. E sim, são-nos fiéis todos os dias das nossas vidas, até que a morte nos separe. Ou isso, ou não são amigos de sempre. Não são os melhores. E os de sempre, meus amigos, são os melhores amigos que se pode ter.
Tenho amigos de sempre a quem não ponho a vista em cima há anos. Mas é um amor eterno e indestrutível que nos une. Ele conhecem-nos pelo olhar - mesmo quando já temos as pálpebras a descaírem para cima dos olhos - e sabem se estamos bem ou mal só pelo tom da nossa voz ou pelos silêncios que não devíamos fazer. "Estás a rir-te menos...".
Tudo o resto é cosmética, acessório: são coisas que a vida nos veio acrescentando e que é indiferente à nossa amizade. Já dormimos em casa uns dos outros vezes sem conta, fizemos confidências indescritíveis com elevados graus de alcoolemia no sangue, mentimos aos nossos pais e encobrimo-nos com lealdades comoventes. Não sei bem porquê mas os amigos de sempre vão à casa-de-banho em grupo sem qualquer pudor (são cheiros que não se esquecem), sabemos o que vai na alma de cada um, o que faz rir e sofrer, partilhamos histórias incontáveis, experiências que guardamos no fundo dos nossos corações e consciências.
Aquilo que somos, somos muito por causa deles. E o amor de amigos assim é tão grande que cada filho que nasceu destes nossos amigos é um bocadinho nosso porque nós gostamos de tudo o que eles amam.
É um assunto sério, amigos de uma vida. E eu tenho a sorte cósmica de ter amigas e amigos assim.
Vi vezes sem conta o Top Gun com amigas assim. Saltávamos de sofá em sofá a cantar as músicas e com a certeza de que o Tom Cruise era um ser eleito e esculpido por Deus. Fumávamos cigarros às escondidas e obrigávamos o meu irmão mais novo a fazer de sentinela à janela para avisar quando a minha mãe estivesse a chegar.
Fui ver o novo Top Gun para voltar lá, aos saltos no sofá, e levei algumas delas arrastadas para o cinema e cheias de sono. "Só tu...", queixaram-se. Não via uma há meses, mas vieram por mim, acho eu, para me comporem o cenário. Amigos de sempre são assim: "Bora ver o Top Gun?" . "Bora". É na alegria e na tristeza, e o Tom Cruise será sempre uma alegria.
Jurista