O clube que se acha "mais do que um clube" [més que un club, no catalão original], desde que o recém-empossado presidente Narcís de Carreras cunhou a frase em 1968, está hoje numa crise financeira que é mais do que uma crise financeira.
Segundo o último relatório e contas, o passivo do FC Barcelona chega a dez dígitos: 1.730.000.000 de euros. As dívidas ultrapassam os mil milhões, sendo que as de curto prazo somam 730 milhões.
"Poço sem fundo", titularam os jornais desportivos de Madrid, salivando de prazer.
Na lista de credores há clubes de todo o mundo - do Liverpool ao compatriota Betis, da Juventus ao brasileiro Grêmio, do Ajax ao português Sporting de Braga, à espera de receber 9,6 milhões de euros ao longo de 2021 pela promessa Trincão.
A diminuição abrupta de receitas face à pandemia - a direção do Barça estima perdas na ordem dos 204 milhões, sobretudo em bilheteira - é apontada como explicação. Mas esse é um desafio comum a todos os clubes, não apenas aquele que se acha més que un club.
O fenomenal salário - 555 milhões de euros em quatro anos - do fenómeno Messi, divulgado na imprensa por "fonte próxima do clube", é outra justificativa interna. Mas, sem La Pulga, a equipa torna-se comum.
Segundo economistas do desporto, o âmago da crise é o desvio na política do Barça - a política que fazia dele, sim, "mais do que um clube".
O Barcelona foi apostando na contratação de jogadores já feitos em vez os promover das suas escolas, como Xavi, Iniesta e tantos outros craques Made In La Masia, a fábrica de talento dos blaugrana, que lhes permitia ter excelência a preços razoáveis, por um lado, e manter a identidade da instituição, por outro.
Claro que os sócios do Barça choram de barriga cheia: em paralelo às contas assustadoras, o clube ainda é o que mais fatura do mundo, à frente do rival Real Madrid e do campeão europeu Bayern, segundo a Deloitte Football Money League, com 715,1 milhões ao ano.
Mas essa faturação deriva, num negócio desportivo, de resultados no campo - que escasseiam - e da identificação dos clientes com o produto - que vem caindo, por causa do défice de importância de La Masia no plantel principal.
Para o Barcelona voltar a ter uma crise financeira igual à de todos os clubes precisa, portanto, de voltar a ser més que un club.
São Paulo, Brasil