O Banco Central Europeu deve destacar a "margem de manobra" que deu a si mesmo em relação à inflação ao atualizar a sua orientação futura na próxima semana ou corre o risco de perder credibilidade, disse o membro do Conselho de Governadores do BCE, Mário Centeno, em entrevista à Reuters nesta terça-feira.
O banco deve anunciar a orientação futura sobre as próximas etapas de política na sua reunião de 22 de julho para refletir a sua nova estratégia, anunciada na última quinta-feira, de ter como meta a inflação de 2% no médio prazo, em vez de "abaixo, mas perto de 2%", conforme definido anteriormente.
A política anterior deu a impressão que o BCE se preocupava mais com o crescimento dos preços acima da meta do que abaixo, mas Centeno disse que a nova meta é simétrica, o que significa que "desvios positivos ou negativos são igualmente indesejáveis".
Afirmou que o BCE agora tem "maior margem de manobra do que antes" depois de criar graus de liberdade na política monetária, especialmente no contexto de taxas de juro extremamente baixas.
"A estratégia admite uma inflação temporariamente e de forma moderada com valores acima de 2% ... Devemos ser pacientes e tolerantes com desvios que não toleraríamos anteriormente", considerou.
O objetivo da estratégia, disse Centeno, é ver sinais permanentes de inflação a convergir para 2%, tomando medidas "contundentes e persistentes" sempre que ela for muito baixa.
"Quando estamos a rever a estratégia, alargando o leeway (liberdade de ação) das trajetórias de inflação que são admissíveis, é importantíssimo que a forward guidance esteja adaptada a este novo enquadramento, caso contrário perderia credibilidade", alertou.
Avançou que o BCE admite medidas forceful and persistent "sempre que estejamos próximo do effective lower bound", frisando: "Isto dá um sinal do grau de acomodação a que estamos dispostos a ir, a aceitar para ancorar as expectativas".
Centeno, que é o governador do Banco de Portugal, assegurou, no entanto, que "não há lógica de overshooting ou taxa média de inflação" na estratégia de médio prazo.
É temporário
Sustentou que as principais causas do aumento da inflação na Zona Euro "são eminentemente temporárias" e estão ligadas à reversão de uma redução do imposto sobre o valor acrescentado na Alemanha, recuperação dos preços do petróleo e dificuldades nas cadeias de abastecimento globais.
"A expectativa é que esses fatores, que irão fazer subir temporariamente a inflação em 2021, não permaneçam e, tanto é assim, que a nossa previsão para 2023 é de 1,4%, significativamente abaixo dos 2%", afirmou Centeno.
Com a vacinação contra a covid-19 a dar frutos e a economia a reagir melhor às sucessivas vagas da pandemia, a recuperação no médio prazo não está em jogo, mas há "uma enorme incerteza sobre a evolução no curto prazo", principalmente nos setores de serviços, como o turismo.
Prudente
Centeno defendeu que o BCE deve ser cauteloso ao remover as medidas de apoio, uma vez que as insolvências e o desemprego tendem a aumentar nos estágios finais da recuperação económica, quando se dá a realocação de recursos.
Adiantou que o Programa de Compras de Emergência Pandémica do BCE "prevê compras líquidas até março de 2022 e então, pelo menos até o final de 2023, haverá uma fase de reinvestimento".
"E não está tomada a decisão quando é que passamos do reinvestimento para o desinvestimento", disse Centeno.
Quanto ao Programa de Compra de Ativos (APP), lançado em 2014, avançou que "há expectativa de durabilidade".
O Programa de Compras de Emergência Pandémica, cujo envelope total vale até 1,85 milhões de milhões de euros e é mais flexível que o APP, foi lançado no ano passado.
"Digo com a mesma tranquilidade que não devemos ter a retirada de estímulos de forma prematura, mas também devemos ter atenção à existência de apoios que, pela sua duração e montante, possam criar dificuldades à política monetária num futuro mais ou menos próximo", referiu.
Sublinhou que "o BCE não mudou o seu mandato, no qual a prioridade é a estabilidade de preços", acrescentando que "não é um mandato dual como o do Federal Reserve dos EUA - crescimento e estabilidade de preços".