O sistema informático em causa é o IGS, desenvolvido, ainda nos finais da década de 90, pela empresa norte-americana IGT, com o acompanhamento da Inspeção de Jogos, de forma personalizada para os casinos portugueses. Só que, entretanto, o IGS foi descontinuado, o que significa que a sua manutenção já não é assegurada..“O sistema controla todo o dinheiro que entra, todo o dinheiro que sai e todas as vezes que as máquinas são abertas pelos funcionários do casino”, explica ao Dinheiro Vivo um inspetor de jogos, que preferiu não ser identificado. Além disso, controla a operação das máquinas. “Estatisticamente, as máquinas têm de devolver 80% do dinheiro investido pelo jogador.” Isto é, a longo prazo, por cada euro jogado, deve haver, pelo menos, 80 cêntimos de prémio. “As máquinas estão programadas para dar esses valores e nós controlamos isso com os dados que são enviados pelo IGS. Se o sistema não funciona, não sabemos se a máquina está a funcionar corretamente”, diz. É um sistema “muito sólido”, mas há aspetos que não podem ser contornados. “Alguns técnicos que prestam apoio aos casinos portugueses nunca tiveram contacto com o IGS”, alerta o inspetor..Ou seja, o sistema não deveria ser arranjado, mas substituído. O próprio Ministério da Economia admite que, ainda que o IGS continue “a dar resposta à finalidade para que foi instalado”, existe “uma situação latente de dificuldades e problemas que podem surgir a qualquer momento”. Só que o concurso que foi lançado para a aquisição de um novo sistema está a arrastar-se há mais de três anos. “O processo encontra-se pendente de decisão do tribunal por força de providências cautelares e recursos interpostos por um candidato excluído no procedimento concursal”, justifica fonte oficial do Ministério da Economia..Este concurso foi anunciado em Diário da República a 23 de maio de 2013. O Turismo de Portugal, que o lançou, pretendia adquirir um sistema de controlo informático e serviços de assistência técnica por 14,61 milhões de euros. Na altura, o i noticiou que esta seria a despesa mais alta de todos os projetos de tecnologia que conseguiram visto prévio da Agência para a Modernização Administrativa (AMA). Ao mesmo jornal, Jorge Armindo, presidente da Associação Portuguesa de Casinos, deixou o aviso: “Se houver uma quebra, será difícil repará-lo.” As candidaturas tinham de ser apresentadas até 30 dias após a publicação do anúncio e, 80 dias depois, o Turismo de Portugal tinha de escolher o candidato. Não foi lançado novo concurso..O único dos 11 casinos existentes em Portugal que não está equipado com este sistema é o de Troia, porque foi inaugurado em 2011, já depois de o sistema ter sido descontinuado. Todos os outros recorrem ao IGS para fazer o controlo das máquinas. O casino da Madeira é o caso mais problemático, que se arrasta há mais tempo. “O sistema IGS sofreu uma avaria no dia 10 de outubro”, confirma ao Dinheiro Vivo Etienne Heinrich, diretor do Pestana Casino da Madeira, admitindo que há “consequências muito graves para a operação e para os utilizadores”..Após a avaria, o equipamento foi enviado para o Turismo de Portugal, em Lisboa, onde está a ser reparado pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), que é o proprietário destes equipamentos. Mas foi preciso esperar um mês, até 12 de novembro, para um técnico e um inspetor chegarem à Madeira, para tentarem resolver o problema (que, até à data, se mantém). “O concessionário, juntamente com o serviço de inspeção, tem assegurado o controlo do funcionamento das máquinas”, garante o ministério, sublinhando que “a situação está controlada”. Etienne Heinrich, por seu lado, salienta que o Casino da Madeira “tem assegurado todos os pagamentos das máquinas e respetivo controlo manualmente”. Mas reconhece que “esta situação tem criado sérios problemas à operação”, além de estar a gerar “insatisfação entre alguns clientes que, com este problema, deixaram de frequentar o casino”..Em Lisboa, o caso não é tão grave, mas também levanta preocupações, tendo em conta que é o casino que mais fatura em Portugal - em outubro, as máquinas deram ao casino receitas de 5,6 milhões de euros. “Os problemas do sistema informático de controlo das máquinas de jogo do Casino Lisboa, nomeadamente no mês de outubro, prendem-se exclusivamente com avarias de equipamento periférico (hardware), que, devido à intensa utilização e natural desgaste, apresentaram falhas de funcionamento”, justificou fonte oficial do casino operado pela Estoril Sol. À semelhança da Madeira, os problemas foram reportados ao SRIJ, com quem o Dinheiro Vivo tem tentado falar, sem sucesso..A mesma fonte sublinha que “quer o normal funcionamento do IGS quer o funcionamento das máquinas automáticas, em momento algum esteve em causa”. E acrescenta que o impacto “na operacionalidade da sala de máquinas foi residual, limitando-se a ligeiras demoras no pagamento de prémios que, [em vez] de serem efetuados através de tickets emitidos diretamente pelas máquinas, foram efetuados manualmente”..Mas esse é um dos riscos apontados pelo inspetor de jogos. É que, quando este ticket automático não é emitido, não há provas do prémio que é devido ao jogador. Tem de ser um funcionário do casino a levantar, manualmente, o dinheiro numa das caixas, o que leva a que, mais facilmente, possa haver manipulações - tanto a favor do casino como a favor dos jogadores -, já que não há registo informático do prémio. “Os valores podem ser manipulados. Um funcionário pode dizer que o prémio foi de 1000 euros, quando na realidade foi de 500, levantar 1000 na caixa, pagar 500 ao jogador e embolsar o resto”, exemplifica. O problema será tanto mais grave quanto mais se prolongar. “Se os jogadores se aperceberem de que esta não é uma situação esporádica, mas, em alguns casos, permanente, pode haver mais tentativas de enganar”..O Dinheiro Vivo sabe que também houve problemas nos casinos do Algarve - Monte Gordo, Praia da Rocha e Vilamoura - mas continua a aguardar pela resposta da Solverde, concessionária destes casinos, bem como do de Espinho..A questão afeta, ainda, o Estado, já que uma boa parte das receitas dos casinos é tributada. Só em outubro, e contando apenas com as máquinas, os 11 casinos faturaram mais de 20 milhões de euros, o que resultou em 4,9 milhões em receitas fiscais. O Ministério da Economia reconhece que, no caso da Madeira, “a situação revela alguma complexidade e, por isso, ainda não está resolvida”. Mas “em momento algum esteve ou está em causa o controlo da atividade e o cálculo e cobrança do imposto de jogo”. Até porque “foi reforçada a equipa de inspetores no Funchal” e “a empresa concessionária tem vindo a reforçar o número de trabalhadores”.