David Dodson chega de tablet debaixo do braço, sorriso caloroso e mão estendida. Alto, grisalho, de fato e olhar afiado, o empresário, gestor, investidor e professor da Universidade de Stanford esteve em Lisboa há uns dias para apresentar o seu novo livro, O Manual do Gestor, que é uma espécie de guia prático para gerir uma equipa e tomar decisões eficazes - tudo aquilo que, considera, não se ensina nas faculdades, mesmo em cursos de MBA.O Dinheiro Vivo aproveitou a oportunidade para conversar com o especialista, cujo entusiasmo pelo tema se notou a cada minuto da quase uma hora que durou o nosso encontro.E começámos por um ponto que nos parece particularmente relevante: afinal, qual é o segredo de uma empresa de sucesso? Ao contrário daquilo que pode parecer óbvio, “as empresas que mais sucesso têm não são as que mais crescem, mas sim aquelas que melhor executam aquilo a que se propõem”, começa por dizer Dodson. “Veja-se o exemplo das companhias aéreas: das 20 maiores companhias aéreas americanas de 1940, apenas 3 existem hoje.” No mesmo sentido, “entre 1961 e 1962 Walmart, Kmart e Target entraran no mercado nos EUA. Apenas a Target e a Walmart sobreviveram. Sam Walton, que fundou a Walmart, começou no Arkansas. E a Margarida sabe o suficiente sobre os Estados Unidos para saber que, se fosse fundar a maior empregadora do mundo, não começaria no Arkansas”, atira com um sorriso.“Não tinha vantagens em termos de imóveis, de custo de capital, não conseguia comprar os produtos de forma mais vantajosa… E, no entanto, superou todos e derrotou todos. E não ganhou apenas: levou-os à falência, porque foi melhor a exe- cutar”, salienta. Ou seja, mesmo tendo nascido sem vantagens estruturais, eliminou concorrentes e fez melhor. Tal como a Apple e a Amazon, continua, entraram tardiamente nos mercados em que operam, mas graças à disciplina extrema com que operam, conseguiram liderar.Para Dodson, o truque é precisamente este: consistência. Líderes considerados visionários, como Steve Jobs (Apple), Jeff Bezos (Amazon) ou Sam Walton não elevaram as suas empresas aos patamares de sucesso onde estão atualmente por serem visionários, “mas porque executaram rigorosamente” os seus planos. Isto significa, por exemplo, não cair na tentação de tentar crescer rápido demais. “Antes de mais, têm de ser excelentes no que fazem. Mesmo que estejamos a falar de uma florista: a taxa de sucesso está ligada intrinsecamente à minha vontade de ser o melhor do mercado, não o maior.” E é aqui que as lideranças entram em ação, acredita também Dodson.No livro que agora chegou ao mercado nacional, o professor universitário identifica cinco questões fundamentais que são, sem exceção, aplicadas por todos os líderes de sucesso: contratação rigorosa, feedback eficaz, reuniões produtivas, planos operacionais claros e disciplina nos processos.Acima de tudo, as empresas têm de ser dotadas de processos que sejam replicáveis, e que permitam à organização crescer e prosperar, ao invés de apenas aspirarem a ser maiores. Dodson acredita, pois, que as equipas devem ser envolvidas nos processos, mas não de uma forma aleatória: “Por exemplo, há uns dias tive uma conversa com responsáveis de uma empresa que estavam a fazer entrevistas para contratar um novo CFO. E disseram-me: ‘Ah, queremos que a equipa decida quem contratar.’ Não! Vocês estão a falhar o ponto. A questão aqui é que estamos a desenhar uma estrutura, um processo que nos permite recolher a maior quantidade de dados relevantes, que depois podem ser avaliados pela equipa para decidir. Mas esse processo, essa estrutura processual, tem de ser replicável”, ainda que com as devidas adaptações para cada função que se quer ocupar, explica.Reuniões, o maior ponto cegoO mesmo acontece com as reuniões, continua. “Nós quando preparamos uma boa reunião, não queremos dizer às pessoas o que elas devem pensar. Queremos é preparar uma reunião que maximize as hipóteses de serem tomadas boas decisões.” Numa altura em que as reuniões parecem ter-se multiplicado, graças às novas tecnologias, pedimos que aprofunde as suas dicas para estes momentos, que são regulares em todas as empresas.“Repare, atualmente, grande parte das reuniões são conduzidas de forma que, em 80% do tempo, estamos a falar sobre coisas que não são importantes. Isto significa também que é a pessoa mais sénior quem, por norma, fala durante mais tempo. E não é assim que se tomam as melhores decisões. Por essa razão, bons líderes como Cheryl Sandberg (Meta) disseram: ‘Não só eu, Cheryl Sandberg, que vou fazer boas reuniões. Eu vou exigir que a nossa organização faça boas reuniões.’ Para que isso aconteça não basta simplesmente dizer: ‘Aqui estão alguns conceitos. Agora vão e façam isso.’ Na verdade, os melhores líderes reconheceram que é preciso ter um processo definido e etapas definidas”, explica. “Por exemplo, na Amazon, há uma maneira específica de conduzir reuniões. Não é que eles acreditem que só há uma maneira de conduzir uma boa reunião, mas sabem que, para funcionar a sua forma de trabalhar, é preciso dizer: ‘É assim que fazemos.’ É como criar uma cultura e criar um processo para replicar em toda a organização, a fim de garantir que essa maneira de fazer as coisas seja a certa. E tem de haver um processo!”, garante.“No meu livro, examinei várias pessoas que conduzem reuniões realmente boas. E depois resumi tudo em sete passos”, sem dizer quem é que faz o quê, e onde, mas tentando criar um guia de criação de bons processos.Em resumo, os sete passos indicados por Dodson para conseguir ter uma reunião proveitosa são os seguintes: 1) definir o objetivo da reunião com clareza; 2) criar e enviar um briefing (curto) de preparação para ser lido previamente; 3) escolher a pessoa responsável pela decisão (DRI - Directly Responsible Individual); 4) estabelecer o tempo e o formato da reunião; 5) conduzir a reunião com disciplina; 6) registar decisões e responsáveis - deixar escrito o que foi decidido, quem faz o quê, prazos e métricas de acompanhamento e, em 7), executar um follow-up rigoroso. De outra forma, as reuniões não servem para coisa alguma.O medo de perder poderPara Dodson, é claro que muitos dos líderes rejeitam processos estruturados porque acreditam que isso reduz a sua autonomia e garante que, se conseguirem libertar-se desses temores, vão perceber que acontece exatamente o oposto quando os implementam: os sistemas criam um ambiente de liberdade criativa, assente em dados valiosos e não em microgestão e ajudando a evitar más decisões. No mesmo sentido, para conseguirem que o seu feedback seja bem aceite, têm de estar disponíveis para o aceitar o retorno das suas equipas: isso exige humildade, mas o ganho é imenso, considera o gestor.E, admitindo que todas as mudanças exigem esforço, sublinha outra coisa que foi descobrindo ao longo dos anos em que tem trabalhado com empresas e gestores: para operar mudanças, bastam 100 dias, durante os quais se vão atravessar quatro fases diferentes, mas relevantes. À primeira chama “incompetência inconsciente” - quando não sabemos que estamos a fazer algo errado. À segunda, “incompetência consciente” - sabemos que estamos a fazer mal, mas não sabemos fazer melhor. A terceira é a fase de “competência consciente” - quando sabemos fazer, mas exige esforço; e, por fim, chega a última fase: a competência inconsciente.“A fase mais difícil é a terceira”, admite Dodson, “e portanto é natural que haja resistência por parte das equipas. E é aqui que se torna relevante, novamente, a liderança. Porque os melhores líderes estão dispostos a dizer à equipa: ‘Lamento, mas isto tem de ser feito. Sei que é difícil, mas não podemos fazer só a parte divertida.’”Quando pedimos que olhe para o mercado português, Dodson garante que os desafios são praticamente os mesmos. “Ninguém, em Portugal, vai dizer que não quer ter uma boa empresa.” Portanto, o desafio é os líderes terem a coragem de alterar os processos - atravessando estes 100 dias, quase em jeito de jogo - para conseguirem melhores resultados. “Voltemos às reuniões. Se chegar à sua equipa e disser que sabe que as reuniões são muito longas e pouco eficazes, todos concordam. Depois diz: ‘Então agora é assim que vamos fazer e vamos fazê-lo durante 100 dias. Tudo o que peço é que continuem com isso por 100 dias. No 100.º dia vamos ter uma reunião e vamos decidir de que partes vocês gostam de que partes não gostam.” E repare como assim deu às pessoas da equipa autonomia. Eles sabem que poderão falar sobre o assunto. Mas só após 100 dias.” Um compromisso que Dodson atesta que muda mesmo a forma de funcionar de equipas e organizações.Aproveitando a presença do especialista, atiramos mais uma questão: o que podem os media, que atravessam tempos tão conturbados, aprender com este livro?“Quando nos deparamos com situações como a da indústria dos media, é tão óbvio que o comportamento do consumidor mudou, e que não se pode continuar a fazer as coisas da mesma forma… diria que os líderes inovadores, aqueles realmente bons, são os que deitam tudo fora e têm a capacidade de reinventar o que têm em mãos. E é por isso que há vencedores e vencidos muito diferentes quando há esse tipo de perturbação numa indústria”, salienta.E deixou uma metáfora em jeito de conselho: “Lembra-se de quando havia o walkman, da Sony, não lembra? A Sony não quis desistir dele - e veja o que aconteceu. A Apple, por seu lado, inventou o iPod. Mas um dia olhou e percebeu que o iPod não era o futuro, e decidiu: não vamos fazer mais iPods. Essas são as raras empresas transformacionais que podem reinventar-se ao longo do caminho. Na indústria dos media, não tenho ideia de quem será o vencedor, mas sei que as pessoas não vão querer consumir informação como até agora. Elas só a querem consumir de uma forma diferente.” Portanto, é preciso descobrir o que deitar fora e o que inventar de novo.