Enquanto o asfalto em certos bairros de Los Angeles atinge 62º, com a cidade debaixo de uma cúpula de calor insuportável, os economistas fazem contas em salas com ar condicionado tentando perceber o que raio se está a passar..Há três meses que o preço dos combustíveis desce de forma sustentada, embora a inflação continue muito elevada (acima dos 8%). A procura em certos segmentos travou de forma abrupta, como mostra a revisão em baixa das previsões de vendas de produtos como computadores, tablets e smartphones, depois de dois anos em alta. As viagens estão caríssimas mas os aeroportos continuam cheios..A economia adicionou 315 mil novos empregos em Agosto, um desempenho abaixo do esperado. E uma pesquisa que a Deloitte publicou esta semana mostra que quase metade dos directores financeiros na América do Norte esperam que a economia entre em recessão já este ano. Mais de um terço antecipa a temida "estagflação" até ao final de 2022..Diz que é uma espécie de crise, embora não se perceba ainda bem de que tipo. O cenário está completamente desconchavado. O dólar ultrapassou o euro pela primeira vez em vinte anos e tem andado em paridade, mais coisa menos coisa, o que são péssimas notícias para multinacionais domésticas que vendem muito fora dos Estados Unidos (como a Apple e a Amazon) e para empresas em todo o mundo que compram produtos e matérias-primas pagas em dólares..O caldo vai azedar ainda mais quando o Inverno elevar as necessidades energéticas sem que haja fim à vista para a guerra na Ucrânia. Alguns países estão mais expostos que outros, mas a economia é global e haverá repercussões em todo o lado. Possivelmente ainda não temos noção de quão más as coisas podem ficar..Como se não bastasse, a juntar a esta mistela há um desastre que se adivinha após as eleições intercalares norte-americanas, que vão decidir o controlo do congresso e o futuro da presidência de Joe Biden. E isto no meio da tempestade judicial que assola Donald Trump em várias frentes - de uma potencial acusação por tentativa de subverter os resultados de 2020 a uma potencial acusação por desvio, retenção e uso indevido de documentos altamente classificados pertencentes ao governo..Os próximos meses serão decisivos porque destes desenvolvimentos políticos vão sair medidas com impacto global. Se os republicanos retomarem o controlo do congresso, o apoio financeiro e militar à Ucrânia será diminuído ou mesmo suspenso, atirando uma enorme pedra para a engrenagem que mantém o país na resistência. Se houver recuo nas sanções à Rússia, a unidade que o mundo ocidental demonstrou no início da guerra pode desfazer-se. E o pior que podemos ter agora é uma manta de retalhos e uma política de cada um por si em relação ao que a Rússia está a fazer..Por outro lado, a possibilidade de que Donald Trump, mesmo acusado criminalmente, seja candidato e possa ganhar as eleições em 2024 é por si só um elemento de instabilidade. Não se sabe qual o procedimento nesse cenário, porque isto nunca aconteceu. Numa democracia que já está ameaçada, qualquer incerteza sobre a liderança será dramática. E perante uma crise económica e geo-política sem precedentes não se pode ter um vazio de poder..Se os avisos catastrofistas que fomos ouvindo nos últimos meses pareceram exagerados, a realidade começa a mostrar que o alarme é justificado. O momento exige sobriedade e acção por parte dos governos e responsabilização e vigilância por parte da imprensa e da sociedade civil. Há demasiado do nosso modo de vida em causa. Esta não será apenas mais uma recessão; ajamos em conformidade.