Nas últimas duas semanas, Lula da Silva foi anfitrião do G20, onde fez aprovar um plano ambicioso de combate à fome no mundo e conseguiu reunir, pela primeira vez depois de três cimeiras, todos os líderes do bloco na mesma fotografia – com Sergei Lavrov em vez de Vladimir Putin, claro, mas em diplomacia não há milagres.
Em paralelo, a polícia prendeu militares próximos de Jair Bolsonaro e acusa o ex-presidente de tentativa de golpe de Estado e outros crimes que, acumulados, podem resultar em quase 30 anos de prisão. De tão assustado, o próprio Bolsonaro pediu – talvez até de joelhos – para Lula aprovar uma amnistia natalícia.
E Fernando Haddad, o ministro da Fazenda (ou Finanças, em Portugal) apresentou um plano de corte de gastos no valor de 70 mil milhões de reais – mais ou menos 11 mil milhões de euros.
Lula está por isso a voar nas sondagens, certo? Errado: agora, segundo levantamento do instituto Paraná Pesquisas da última semana, 51% dos brasileiros, mais 4% do que no anterior inquérito, de julho, desaprovam Lula. E 46% aprovam, menos 2% do que há quatro meses.
E a culpa de quem é? Do dólar.
Aliás, é do mercado, segundo o Partido dos Trabalhadores (PT). Ou é do PT, segundo o mercado.
Resumamos a história: o tal pacote de Haddad foi aplaudido até pela Faria Lima (a Wall Street brasileira) por, além dos cerca de 11 mil milhões de euros cortados agora, ainda prever uma contenção de perto de 50 mil milhões até 2030.
Porém – há sempre pelo menos um – o ministro anunciou em paralelo a isenção de IRS de quem ganha até cinco mil reais, isto é, à volta de 780 euros, a pedido do PT.
Com isso, o dólar bateu três recordes nominais consecutivos no final da semana passada – uma alta de 3,21% na semana, de 3,79% no mês, de 23,66% no ano.
“O corte está na direção correta mas o anúncio da revisão da tabela de IRS acabou trazendo uma percepção de risco maior no mercado”, disse Bruno Funchal, presidente do Bradesco Asset, ao site G1.
Com o título “Faria Lima versus Brasil: quem lucra com o dólar a 5,91 reais”, o PT reagiu: “O mercado passou semanas exigindo cortes mas, quando o governo apresenta medidas de contenção de despesas para economizar 70 mil milhões de reais em dois anos, propõe uma reforma socialmente justa e fiscalmente neutra, o que acontece? Mandam o dólar para a lua! É impressionante a especulação contra o Brasil”, escreveu Gleisi Hoffmann, presidente do partido de Lula e de Haddad.
“Essa alta não se limitou a abalar os telões das bolsas de valores. Ela revela uma economia sob intensa chantagem do mercado, assim como o desprezo da elite financeira pelo bem-estar da população. Enquanto Haddad buscava ajustar uma proposta para reduzir desigualdades e promover justiça tributária, os rentistas atacaram, priorizando os seus privilégios às custas da maioria”, concluiu.
Quem tem razão? O PT? O Mercado?
Enquanto isso, o cidadão médio, ao ver que os preços dos produtos importados e para viajar para os EUA estão ainda mais proibitivos, penaliza Lula nas sondagens – até porque a revisão na tabela de IRS vai demorar a ser aprovada por um parlamento muito mais próximo do mercado do que das classes médias baixas que essa revisão visa ajudar.
E, claro, porque no Brasil real ninguém quer saber da foto oficial do G20.