E 50 anos para não esquecer que a luta continua

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O PS faz 50 anos e é, sem sombra de dúvida, um dos partidos chave na construção da nossa democracia. Nesta época festiva gostaria, porém, de recordar o livro: "Contos proibidos: memórias de um PS desconhecido", um livro fundamental para compreender este partido e a nossa histórica democrática.

Em 1996, Rui Mateus, na altura um alto quadro do PS, responsável pelas relações internacionais dos socialistas desde a sua fundação, conta a história do seu partido (e de como o que vemos hoje não é fruto do acaso). A fluidez do financiamento, os compadrios e os favores estão no ADN do Partido Socialista. É certo que o livro é a visão do seu autor e tem implícita uma pequena vingança, mas, não obstante, se apenas metade do que está escrito for verdade, ou mesmo um quarto, ou um décimo, qualquer ideia romântica que se possa ter construído em torno do PS e da sua criação, desaparece por completo.

A leitura do livro é muito dura e complexa. Há muitos nomes e datas, muitos pequenos recados de vingança, difíceis de acompanhar - por falta de tempo, falta de paciência e por o tempo histórico não ser o meu. Ainda assim, o livro lê-se muito bem.

A tese do livro é simples de contar:

1. O PS conseguiu um nicho de financiamento e de posicionamento internacional. Após o 25 de Abril de 1974 (e mesmo antes), o PS conseguia financiar-se com o apoio de alguns partidos socialistas ocidentais e com o apoio americano. O nicho de financiamento vinha do facto de estar disposto a trazer uma visão americana para o espaço socialista europeu; já para o lado europeu, havia a autoridade conferida por ter lutado contra a ditadura, o comunismo, e por não ter deixado que este canto da Europa caísse para um qualquer lado extremista. Basicamente, o PS e Mário Soares faziam a ponte entre duas visões do mundo e duas visões distintas da esquerda democrática. Essa posição central dava destaque aos seus dirigentes e acesso a um forte fluxo financeiro. O PS conseguiu, com esta visão, moderar vários conflitos internacionais e ganhar protagonismo na sua família política.

O problema é quando percebemos como este apoio internacional se concretizava. O fortíssimo apoio financeiro de que o PS beneficiava, era feito via fundações associadas a esses países, diretamente pelos diferentes partidos, empresas do regime desses outros países, serviços secretos, etc. Todos esses valores eram despejados em empresas (nem sempre fantasma), contas pessoais, fundações, etc. Valia tudo.

O autor conta estas histórias de financiamento partidário e de deslizamento moral como absolutamente normais, banais até. Nota-se, por vezes, uma certa candura em torno da teia de tráfego de influências que apresenta.

2. À medida que o tempo foi passando, houve necessidade de diversificar as fontes de financiamento e de desenvolver um plano de controlo político que garantisse uma maior exposição mediática do PS em Portugal. Acredito que esta necessidade se tenha devido ao facto de as referências revolucionárias não abrirem mais portas internacionais e, sobretudo, canais de maior acesso a financiamento.

A opção recaiu sobre a criação de um grupo empresarial, com especial foco na comunicação social. Era fácil colocar lá dinheiro e simultaneamente satisfazer a ambição de poder. Essa aventura, no entanto, não correu bem.

3. Com o fracasso desse projeto, houve necessidade de repartir os despojos (o capital remanescente), e de satisfazer os investidores informais do PS.

Um desses investidores quis comprar o acesso e o resultado do concurso público para a construção do aeroporto de Macau. Tendo perdido o concurso, queria ser ressarcido do suborno que tinha realizado oferecido em troca. Esta é a parte da história que o autor nos quer contar (os célebres faxes de Macau) e que dá origem ao livro.

*

Poderíamos ser levados pensar que a confusão que se procura explicar em "Contos Proibidos" havia terminado naquela altura - nos anos 90. Mas não. Com o passar dos anos vemos que as práticas iniciais se foram integrando no regime legal e institucional vigente, embora nem sempre com sofisticação. O fiasco do projeto empresarial e de controlo de comunicação social foi apenas um acaso, um "conto proibido".

E, de facto, ainda no tempo de António Guterres, e com outros protagonistas, Armando Vara quis fazer uma Fundação PS (Fundação Prevenção e Segurança), onde até o nome, Fundação PS, era uma descarada estratégia para conseguir mais alguns fundos. O controlo da comunicação social foi um desejo tentado pelo governo de José Sócrates e um pouco por todos os demais líderes socialistas. A captura de todo o terceiro setor, desde as misericórdias às fundações, é outro exemplo, bem como o constante patrocínio dado às empresas do regime, onde o "caso BES" ou agora da TAP são os mais evidentes. Os exemplos que agora citei, já depois do livro, são os exemplos conhecidos - faltam os contos proibidos dos outros anos mais recentes.

O compadrio, o financiamento obscuro, as empresas do regime, a ambição de poder, a vaidade pessoal desmedida - nada disto é novo. É fácil perceber que as ideias e práticas iniciais, contadas no livro, continuam lá, enraizadas - aliás, continuam cá.

No final, o que fica do livro, e destes 50 anos de PS, é a ambição de Mário Soares, dos seus sucessores, do partido como estrutura tentacular, e a sua visão em rede de captura do regime e do próprio Estado.

Um livro a ler. E 50 anos para não esquecer que a luta continua.

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