É preciso construir uma estratégia demográfica em Portugal

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Um dos temas mais sensíveis nos dias que correm, estão relacionados os movimentos migratórios. As eleições para o Parlamento Europeu trouxeram uma maior visibilidade ao tópico, que na realidade é muito mais abrangente do que apenas os desafios da Europa enquanto espaço aberto às comunidades de imigrantes, e de como integrar economicamente e culturalmente as mesmas. As dinâmicas demográficas de facto, serão uma variável relevante para entender a forma como o mundo desenvolvido vai conseguir crescer economicamente, e também sustentar o seu modelo social, ou velocidade com que os países conseguem adotar as medidas necessárias para tornar uma economia mais digital ou ambientalmente sustentável. E na União Europeia, assim como em Portugal, este é será sem dúvida um fator incontornável nas próximas décadas.

Sabemos que hoje existe uma acelerada alteração da pirâmide demográfica nos países desenvolvidos. As taxas de natalidade têm vindo a descer nas últimas décadas, e o tempo médio de esperança de vida tem vindo a aumentar progressivamente. Isto significa que existem cada vez menos jovens em idade ativa para trabalhar, o que cria também maior pressão no mercado de trabalho - abrindo a necessidade de integração de populações imigrantes para fazer face a este problema, o que tem vindo a criar pontos de tensão dentro da sociedade, e exige atenções no âmbito de políticas públicas, que criem uma sustentável coesão cultural.

Um ângulo estrutural está relacionado com a própria sustentabilidade fiscal, e é o que é atualmente mais visível e mais debatido. Uma esperança de vida maior exige maiores despesas do Estado relacionadas com pensões, mas também com o sistema de saúde ou outros serviços públicos dedicados à população sénior, que ao mesmo tempo também detém muitas das vezes isenções fiscais e tributarias. Ou seja, novos desafios se irão colocar em termos de dinâmica fiscal e dos equilíbrios das finanças públicas nas próximas décadas, em que os governos deverão ter que encontrar soluções que consigam mitigar esta acelerada erosão da base demográfica e que levam a decisões complexas a tomar sobre variáveis como a idade da reforma, acesso aos serviços de saúde e sustentabilidade das pensões pagas.

Outra vertical desta discussão, talvez menos debatida, está relacionada com a implementação de melhor tecnologia, e da adoção das medidas ambientais necessárias para atingir as metas de crescimento sustentável. As gerações mais jovens estão mais abertas a inovação ligada aos pagamentos e moedas digitais, à implementação de medidas de políticas públicas e produtos positivamente ligados à construção de um mundo climaticamente mais positivo, como é o caso dos carros elétricos. Ou seja, a estratificação demográfica também é relevante para os países desenvolvidos que se encontram politicamente comprometidos com os objetivos de sustentabilidade ambiental e de inovação digital, como é o caso da União Europeia e de Portugal.

Existe, portanto, muito trabalho a fazer no campo das políticas públicas demográficas. Importa salientar que o debate da relevância económica é incontornável, tanto quanto é redutora a discussão atual em torno dos fenómenos migratórios, que procura transformar esta na única solução de estabilização do problema de natalidade dos países europeus. Há que cuidar dos incentivos às famílias residentes para aumentar a natalidade, e olhar mais para a coesão social e cultural no que diz respeito à integração das comunidades emigrantes. Esta sustentabilidade e harmonia social é essencial para que seja possível manter o atual sistema europeu, sem enormes penalizações nos benefícios das pensões e da saúde.

E no caso concreto de Portugal, importa também reter e conseguir trazer de volta ao país a classe jovem que emigrou, e de promover literacia tecnológica junto das gerações mais idosas. As implicações económicas de uma estratégia demográfica bem estruturada e diversificada serão positivas para Portugal, uma estratégia que não esteja assente apenas na entrada de emigrantes para compensar problemas estruturais nacionais de natalidade e a fuga de jovens quadros portugueses para o estrangeiro.

Luís Tavares Bravo, economista, presidente do Internacional Affairs Network

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