E se em vez de tinta for gasolina?

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A esquerda sabe ser mais e melhor ativista que a direita. A direita, no âmbito dos protestos, nomeadamente na arte gritar, atirar tinta, mostrar o rabo, despir-se, fazer cartazes icónicos como o "Vai estudar, oh Relvas!", é um desastre. Enquanto a esquerda se despe contra as touradas, a direita reza o terço à porta das clínicas do aborto; enquanto a esquerda pinta a barba dos ministros de verde, à direita só lhe ocorre entrar com um megafone no lançamento de um livro. Nem um cartaz, nem um fósforo para queimar uma única página do livro. Nada. A direita, definitivamente não sabe ser um adolescente malcriado. Não há um movimento cívico de direita divertido, arruaceiro, disruptivo, original que irrite verdadeiramente o alvo do protesto. São sempre entediantes, assim como as crianças que vão fazer birras para o quarto e acabam por adormecer.

A direita quando protesta corre quase sempre mal, chegando mesmo a favorecer o inimigo. Os livros ou os filme, por exemplo: quando a direita se indigna, os livros esgotam nas livrarias e as salas de cinema enchem-se de curiosos para ver o filme sobre os últimos flirts de Jesus. E aquilo que era suposto não ser visto ou lido torna-se um sucesso financeiro da esquerda. As editoras e produtoras deveriam apostar em financiar grupos de protesto para vender livros e bilhetes, seria mais eficaz do que as pipocas.

A direita nem cancelar coisas consegue. Desde os livros de Saramago até hoje que cancelar não é um direito que lhe assiste. A esquerda, pelo contrário, é só estalar os dedos, uma vez que quando cancela o faz com jeitinho, sorrateiramente e sempre com a sua juvenil arrogância moral. A direita, não: a direita enche o peito de orgulho, grita moralidade e acaba cozida e calada. Não resulta. Por isso é que quando o protesto vem da direita fala-se de censura, quando é a esquerda, de cancelamento; assim como à esquerda só existem ativistas - gente de bem - e à direita arruaceiros.

A razão que leva a esquerda a ser profissional na arte da selvajaria tem a ver com a prática. Existe à esquerda uma infinidade de direitos a proteger, privilégios a eliminar e um sem fim de nichos, grupos, setores, minorias, géneros e espécies a igualizar. Com tudo isto desenvolveu a técnica com mestria. A queimar soutiens desde a década de 60, a esquerda nunca se acanhou com a forma, vale tudo em prol do bem maior que é a causa, a minoria, o animal ou a igualdade do momento. Desde queimar livros a pintar estátuas e ministros, tudo isto são meros degraus para atingir o cume da virtude, da ética republicana, da democracia, vá.

A esquerda é o adolescente mimado que atira a sopa à cara dos pais porque não foi feita com legumes biológicos, que faz greve de fome porque a mãe se recusa a acolher gatinhos vadios e pinta o quarto com canetas de feltro porque quer ser trans aos 12 anos. São sempre fins virtuosos que justificam a agressão. É um jovem de voz esganiçada, que vai deixando sair agudos enquanto a puberdade não chega, porque quer fumar, viajar, beber cerveja apesar de não ter idade, nem juízo e muito menos direito. E o país - o mundo -, impávido, obedece-lhe, perdoa, ri-se. Até ao dia, o dia em que em vez de tinta resolve atirar gasolina para cima de ministros ou queimar infiéis para os exorcizar. Já estivemos mais longe.

Inês Teotónio Pereira, jurista

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