A viragem ‘pop’ da Google: IA com carisma e Pixel como estilo de vida

Mais 'talk show' do que apresentação técnica: a Google aposta no espetáculo para tornar o Pixel 10 um ícone 'lifestyle' com IA no centro.
Jimmy Fallon abriu o “programa” com Rick Osterloh, diretor da Google para os dispositivos.
Jimmy Fallon abriu o “programa” com Rick Osterloh, diretor da Google para os dispositivos.YouTube/Google
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'A Google não apresentou apenas novos produtos — mostrou uma nova atitude. Com o Pixel 10, a empresa transforma tecnologia em cultura pop, posicionando a IA como protagonista e o smartphone como símbolo de estilo de vida. O evento desta quarta-feira, 20 de agosto, em Nova Iorque, Made by Google, para mostrar a nova linha de hardware, com celebridades e estética de talk show, marca uma viragem clara: deixar de ser vista como marca técnica e passar a ser percebida como marca emocional, criativa e próxima do quotidiano.

A mudança de tom é estratégica. À procura de crescer sobre um sólido quarto lugar nos EUA — com cerca de 3% de quota de mercado e 800 mil unidades vendidas no segundo trimestre de 2025, segundo a consultora de mercado especializada em tecnologia e eletrónica Canalys — a Google aposta numa abordagem emocional e lifestyle para conquistar novos públicos.

A nível mundial, o impacto ainda é tímido: menos de 2,5% de quota e 3,5 milhões de unidades vendidas no primeiro trimestre de 2024, de acordo com a empresa de consultoria IDC. Apesar dos números modestos, o crescimento é consistente - o que justifica uma atitude mais ousada e diferenciadora.

Quando a tecnologia se torna espetáculo

A Google rompeu com o formato tradicional de keynotes e transformou o evento Made By Google 2025 num episódio especial do The Tonight Show. Com Jimmy Fallon como anfitrião e convidados como os Jonas Brothers, o basquetebolista da NBA Steph Curry e o piloto de Fórmula 1 Lando Norris, o evento em Nova Iorque tornou-se um híbrido entre lançamento de produto e entretenimento televisivo.

O objetivo era claro: humanizar a tecnologia e tornar o Pixel 10 mais do que um smartphone — uma peça central de um estilo de vida criativo e assistido por IA.

A tecnológica abandonou os slides técnicos e apostou em conversas descontraídas com demonstrações ao vivo. O Gemini foi apresentado como “copiloto criativo”, com destaque para funcionalidades como tradução em tempo real, edição de imagem e geração de vídeo com Veo 3 Fast. A narrativa centrou-se em experiências, não especificações — com foco na utilidade prática da IA no dia a dia.

A empresa quis mostrar que a IA, especialmente o Gemini, não é apenas uma tecnologia avançada, mas uma ferramenta acessível e integrada no quotidiano — capaz de ajudar em tarefas reais, desde chamadas com tradução automática, até sugestões contextuais em apps como Gmail e Maps.

Curiosamente, as capacidades de geração de vídeo do Veo 3 — uma das mais avançadas do mercado — foram demonstradas de forma limitada: em palco, a tecnologia foi usada apenas para transformar uma foto de um cão num apresentador falante canino, um sketch breve e sem detalhes técnicos.

O Pixel 10 é capaz de produzir vídeo por IA generativa diretamente no telefone a partir, por exemplo, de uma foto e um 'prompt' de texto. Um progresso técnico que deu um breve sketch.
O Pixel 10 é capaz de produzir vídeo por IA generativa diretamente no telefone a partir, por exemplo, de uma foto e um 'prompt' de texto. Um progresso técnico que deu um breve sketch.YouTube / Google

Estratégia por trás do show

A escolha de Nova Iorque e o formato televisivo indicam uma tentativa clara de conquistar o público. A integração entre hardware e o Gemini mostra que a Google quer ser reconhecida como uma empresa de IA com dispositivos e não como fabricante de smartphones. Afinal, a Google é essencialmente uma empresa de serviços...

Mais do que competir com Androids premium, a Google posiciona o ecossistema Pixel como alternativa frontal ao iPhone — num momento em que a Apple parece paralisada perante a revolução da IA. Afinal, o iOS 18 chega sem funcionalidades generativas relevantes, sem integração nativa com modelos de linguagem e sem visão clara para competir com o Gemini. O resultado é um vazio estratégico com consequências reais: só nos últimos quatro meses, a Apple perdeu cerca de 110 mil milhões de dólares em valor de mercado — uma queda que expõe a fragilidade de uma marca que deixou de liderar a conversa sobre inovação.

Apesar do domínio da Samsung no mercado Android — que a Google continua a definir como parceira estratégica — e da concorrência da Xiaomi a nível global, esta mudança representa uma verdadeira corrida para a frente: a Google quer afirmar o seu hardware como referência absoluta da experiência Android.

Facto é que, nos Pixel, as atualizações são garantidas por sete anos e chegam primeiro. Afinal, a ‘dona’ do Android é a Google e os outros fabricantes precisam sempre de tempo para alterar ou testar o sistema operativo. Com a Samsung, a Xiaomi ou outras marcas, o calendário é incerto — os utilizadores podem ter de esperar semanas, meses ou até nem recebem. A Google transforma essa previsibilidade num argumento de força, posicionando o Pixel como o único Android com atualizações fiáveis e imediatas.

Informação técnica à mesa

Apesar do tom informal, a apresentação dos Pixel trouxe dados técnicos relevantes — como o DN escreveu por antecipação no seu site.

Jimmy Fallon abriu o “programa” com Rick Osterloh, diretor da Google para os dispositivos.
Google lança novos Pixel 10 com processador 70% mais potente para o Gemini. E aposta em ecossistema próprio

O novo processador Tensor G5, fabricado pela TSMC em processo de 3nm, promete até 73% mais desempenho face à geração anterior, maior eficiência energética e melhor desempenho em multitarefa. Os modelos Pro e Pro XL incluem um TPU dedicado para IA, desbloqueando experiências como tradução multimodal, edição inteligente de imagem e vídeo, e geração de vídeo a partir de texto com Veo 3 Fast.

Todos os modelos vêm com Gemini integrado no sistema, permitindo sugestões proativas, tradução em tempo real durante chamadas, edição inteligente de imagens e vídeos, e integração com apps como Gmail, Docs e Maps.

Na fotografia, os Pixel 10 Pro e Pro XL trazem câmara traseira tripla Pro com sensores de 50MP (principal), 48MP (ultra grande angular) e 48MP (teleobjetiva 5x), com zoom digital até 100x e estabilização cinematográfica. A gravação de vídeo chega aos 8K, com modos noturnos e assistência de IA para ângulos e iluminação.

O modelo Pro XL distingue-se pelo ecrã maior de 6,8″ Super Actua LTPO com taxa de atualização variável de 1-120Hz, bateria de 5200mAh com carregamento rápido de 45W e Pixelsnap magnético de 25W.

O Pixel 10 traz câmara traseira tripla com sensor principal de 48MP, ultra grande angular de 13MP e teleobjetiva 5x de 10,8MP, com zoom digital até 20x. A câmara frontal de 10,5MP com autofoco garante chamadas e selfies nítidas.

A linha completa Pixel 10 (o Fold, o modelo dobrável, não se vende em Portugal) com o Watch 4 e os fones Buds 2a
A linha completa Pixel 10 (o Fold, o modelo dobrável, não se vende em Portugal) com o Watch 4 e os fones Buds 2a

Todos os modelos incluem suporte para carregamento sem fios Qi2 com ímanes, que garante fixação mais segura e eficiente, e prometem 7 anos de atualizações de sistema, segurança e Pixel Drop.

A linha completa — em Portugal composta por três smartphones (Pixel 10, Pixel 10 Pro e Pixel 10 Pro XL), um relógio em dois tamanhos (Pixel Watch 4 de 41mm e 45mm) e os novos fones Pixel Buds 2a com cancelamento de ruído ativo — foi apresentada por Adrienne Lofton, diretora de Marketing Global da Google.

O enfoque em atrair utilizadores de outras marcas foi evidente: Lofton sublinhou que a transferência de dados do telefone antigo “seja qual for a marca” pode ser feita com apenas alguns cliques. Mas foi durante esta demonstração ocorreu um momento insólito. Ao apresentar os acessórios magnéticos, Lofton referiu-se ‘inadvertidamente’ ao sistema como “MagSafe” — nome registado da Apple, mas que caiu em uso comum — em vez de usar o termo oficial da Google, Pixelsnap. A gaffe gerou risos nervosos, incluindo uma reação espontânea de Jimmy Fallon, e Lofton tentou contornar com humor: “Adoramos toda a gente neste jogo, por isso podemos dizer o nome que quisermos neste palco.”

Impacto e receção

A apresentação gerou buzz nas redes sociais, com destaque para os momentos de interação entre Fallon e os produtos — incluindo a reação à gaffe de Adrienne Lofton.

O Pixel 10 não é apenas um novo smartphone — é a afirmação de uma nova postura da Google. Ao transformar um lançamento técnico num espetáculo pop, a marca posiciona-se como protagonista cultural e tecnológica, com IA no centro da experiência. A estratégia é clara: desafiar a Apple num momento de fragilidade, e ultrapassar os restantes fabricantes Android com uma proposta mais integrada, previsível e ambiciosa. Com atualizações garantidas por sete anos, integração nativa com o Gemini e uma narrativa centrada em estilo de vida, o Pixel assume-se como o único Android com visão de futuro — e com palco próprio.

Será suficiente para mudar o jogo? Ou apenas para mudar, por um bocadinho, a conversa?

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