Autocarros autónomos já circulam na UE e vão ganhar terreno, mas têm um lado negro

A condução autónoma foi estrela na Smart City Expo25, mas é tão atraente que pode trazer mais carros para as cidades. Também vai gerar disrupções ao substituir motoristas de transporte público.
Autocarros autónomos já circulam na UE e vão ganhar terreno, mas têm um lado negro
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Os veículos autónomos já circulam em várias cidades europeias, fazendo mesmo transporte de passageiros. A razão porque ninguém nota é que, na Europa, ainda não há certificação para que possam circular sozinhos e, por isso, continuam a ter um motorista, se bem que já tenham competências para funcionar em modo autónomo. Isso mesmo ficou patente numa demonstração por vídeo da Adastec, na Tomorrow Mobility _ Smart City Expo25, na qual, em geografias diferentes, os autocarros fazem o percurso normal, virando na rua certa e abrandando para a passagem do peão, sem que o motorista manobre o volante ou o travão. Itália, Espanha, Noruega, Suíça, Alemanha, Suécia ou mesmo Portugal são apenas exemplos de países onde existem estes projetos-piloto em algumas cidades, com autocarros equipados pela companhia especializada em condução autónoma, explicou a diretora de marketing, Yasemin Us.

Em países como a China ou os Estados Unidos, os veículos autónomos (VA) estão numa fase muito mais avançada de implementação. E prevê-se que venham a escalar mais rapidamente, se bem que ninguém arrisque ainda uma data concreta para a sua massificação. O seu preço ainda é muito elevado. Os obstáculos de regulação a serem ainda ultrapassados têm a ver com a definição da responsabilidade civil em caso de acidente – pouco provável _ entre autónomos ou com humanos, bem como com a harmonização dos regulamentos entre estados.

Mas a experiência está a ganhar tração em cidades como São Francisco, Los Angeles, Buffalo ou Phoenix, só para citar alguns exemplos, onde “a grande tendência são os robôtáxis a pedido, tal como se chama um Uber”, disse o renomado congressista norte-americano, David Zipper, do MIT Mobility Iniative, numa intervenção durante a exposição mundial que decorreu esta semana em Barcelona.

O entusiasmo à volta das tecnologias de condução autónoma é enorme e é sempre a grande atração nas feiras da especialidade, mas há um lado negro para o qual David Zipper quer chamar a atenção. “A experiência é tão cómoda e agradável _ pode-se ler, ver a paisagem, conversar sem ter de ir atento ao trânsito _que ter um carro autónomo pode vir a induzir não a retirada de carros nas cidades, mas, ao contrário, levar a que mais pessoas o usem em contraponto ao desconforto do transporte público”, disse o especialista na sua intervenção na abertura do evento.

E “esse seria um efeito perverso”, admite. Por outro lado, há ainda outras dimensõs ao nível do impacto na sociedade. “O veículo autónomo é muito prático e bom para mim como indivíduo, mas será bom para a sociedade no seu todo?”, questiona o especialista. Há, desde logo, uma componente que seria fortemente afetada que é a força de trabalho. “A massificar-se o transporte de passageiros por VA, os motoristas seriam substituídos por robôs”.

“O potencial de disrupção social desta tecnologia não pode ser subestimado”, considera David Zipper, dando como exemplos, os protestos dos motoristas do metro de Paris, que também já foi autonomizado, e algumas movimentações sindicais em Boston (EUA) que se estão a posicionar para protestar contra a adoção mais que previsível de sistemas automáticos nos transportes. Há, no entanto, quem aponte a vantagem desta tecnologia no transporte de passageiros para combater a falta de mão-de-obra de motoristas com que se debatem as transportadoras, também em Portugal, tanto na CP, Metro e Carris como noutras operadoras por todo o país.

A necessidade de garantir uma dimensão ética das tecnologias e alinhamento com os valores sociais foi amplamente sublinhada pelos oradores de várias geografias nos três dias de exposição na Feira de Barcelona dedicada à mobilidade do futuro e às cidades inteligentes. Outra nota dominante foi a relação direta entre o acesso à habitação e a mobilidade, sendo que quando mais difícil for o acesso à habitação nas cidades _e a crise é global _, mais desafios de organização do transporte coletivo e das vias rodoviárias coloca às autoridades e mais dificuldades traz ao dia-a-dia das pessoas e ao ambiente. Por isso, as ‘smart cities’ não poderão subestimar a questão da habitação e da equidade, sem o que se tornarão muito pouco inteligentes.

Para David Zipper e outros especialistas em mobilidade urbana, o futuro tem de assentar mais em transporte coletivo sustentável e modalidades ativas, como as bicicletas e as trotinetes, e não necessariamente em mais veículos nas ruas. Se, por hipótese, todos tivessemos veículos autónomos e elétricos o consumo energético seria astronómico e o sistema colapsaria, pois a interconectividade permanente gasta muita energia, lembram os especialistas.

UE avança com zonas de testes

Seja como for, já ninguém tem dúvidas de que a condução autónoma vai avançar, só não se sabe quando escalará ao ponto de de massificar. O comissário europeu Apostolos Tzitzikostas deu sinais claros nesse sentido, na sua intervenção, aludindo a uma recente declaração da Comissão, que fixou para 2026 a definição de três grandes zonas para avançar nos testes com veículos autónomos no espaço europeu. E considero-os na perspetiva do seu potencial para ajudar a reduzir a sinistralidade e as mortes na estrada e alcançar a meta de zero mortes até 2050. E,até ao momento, tudo indica que estes veículos são mais seguros.

Também em Portugal, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) já entregou ao Ministério das Infraestruturas uma proposta de regulamentação para viabilizar a realização de testes com veículos não tripulados ou semi tripulados, como drones e pequenas aeronaves, apurou o DN.

“Acredito que nos próximos dois a três anos haverá cinco a dez cidades europeias com experiências mais fortes de veículos autónomos”, disse Marc Rosendal, o CEO do EIT Urban Mobility (Instituto Europeu para a Inovação e Tecnologia) num encontro com a imprensa. Marc Rosendal considera, no entanto, que “os efeitos positivos dos veículos autónomos só serão alcançados se estes forem usados de um modo complementar aos transportes coletivos”. Ou seja, “numa lógica de last mile, por exemplo, em que se usa um comboio e um metro e depois um VA, e não para substituir o carro individual ou o transporte público”. Porque isso continuaria a não resolver o problema do congestionamento nas cidades, da falta de espaço para as pessoas em detrimento dos carros e dos hábitos de vida pouco ativos e saudáveis.

Tal como David Zipper e outros altos responsáveis em planeamento urbano e transportes, Marc Rosendal considerou que “as tecnologias devem colocar-se ao serviço da sociedade e não ao contrário, sendo que, para tal, é importante que as cidades pensem, testem, avaliem e comparem o que é melhor para as pessoas”. É esse também o contributo do EIT Urban Mobility, disse, ao criar um ecossistema único, que atua nos domínios da educação, inovação e do investmento. Através do ‘City Club’, um espaço com representação de alto nível de autarcas europeus, as melhores práticas são ensaiadas e partilhadas, revelou. O organismo tem aprovado para este ano um orçamento de 207 milhões de euros para apoiar o ecossistema de inovação em torno de uma mobilidade mais sustentável, revelou.

E uma das conclusões dos vários estudos promovidos pelo EIT é que por cada euro investido em redes de mobilidade ativa e sustentável, como bicicletas partilhadas, por exemplo, poupam-se entre dois a três euros em despesa do sistema de saúde.

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