Quais as profissões mais ou menos expostas ao impacto da Inteligência Artificial é o foco de um novo estudo aprofundado da Microsoft Research, intitulado Working with AI: Measuring the Occupational Implications of Generative AI e publicado esta semana. A análise, baseada em 200 mil conversas anonimizadas com o Microsoft Bing Copilot (que é baseado no ChatGPT), aponta para uma transformação significativa no panorama laboral, concluindo-se que todas as profissões intelectuais e que tenham a ver com a língua e a matemática estão em risco, destacando-se a elevada segurança dos trabalhos que exigem contacto físico e habilidades manuais.O estudo foi conduzido por Kiran Tomlinson, Sonia Jaffe, Will Wang, Scott Counts e Siddharth Suri, todos da Microsoft Research.Na metodologia, o estudo introduz uma “pontuação de aplicabilidade da IA” para avaliar o quão bem as tarefas de uma ocupação se alinham com as capacidades atuais da IA generativa. As descobertas são claras: as profissões mais vulneráveis são aquelas ligadas ao “trabalho de conhecimento” e à comunicação. “Encontramos as pontuações de aplicabilidade da IA mais altas para grupos de ocupações de trabalho de conhecimento, como informática e matemática, e apoio administrativo e de escritório, bem como ocupações como vendas, cujas atividades de trabalho envolvem fornecer e comunicar informações”, pode ler-se no documento, disponível nos arquivos científicos da Universidade de Cornell, Nova Iorque.No topo da lista das profissões com maior risco de impacto, encontram-se os Intérpretes e Tradutores, com 98% das suas atividades de trabalho a sobrepor-se a tarefas frequentes do Copilot. Mas logo de seguida surgem outras áreas, altamente expostas: Escritores e Autores; Representantes de Atendimento ao Cliente; Jornalistas e Repórteres; Editores; Analistas de Dados; Programadores Web; Especialistas em Relações Públicas; Matemáticos.São profissões que envolvem tarefas de “recolha de informações, escrita e comunicação com outros” e que são os “objetivos de utilizador mais comuns nas conversas do Copilot”, pode ler-se. No fundo, são as atividades que a IA mais executa, como “fornecer informações e assistência, escrever, ensinar e aconselhar”.As profissões mais segurasEm contraste, o estudo da Microsoft dá uma perspetiva de alívio para os trabalhadores em funções que exigem uma presença física, trabalho manual ou interação humana direta. “As ocupações menos impactadas incluem ocupações que exigem trabalhar fisicamente com pessoas (por exemplo, Auxiliares de Enfermagem, Massagistas), operar ou monitorizar máquinas (por exemplo, Operadores de Estações e Sistemas de Tratamento de Água, Operadores de Bate-Estacas, Operadores de Camiões e Tratores), e outros trabalhos manuais (por exemplo, Lavadores de Loiça, Carpinteiros de Telhados, Empregadas Domésticas e Auxiliares de Limpeza)”, detalha o relatório.Coincidentemente, estas conclusões foram refletidas, em paralelo, pelo aclamado “padrinho da IA” Geoffrey Hinton esta terça-feira. Hinton é um especialista amplamente reconhecido por ser um dos principais investigadores que popularizou o algoritmo de backpropagation, fundamental para o treino de redes neurais, e pelas suas contribuições cruciais para o desenvolvimento dessas redes e do deep learning. Em 2018, juntamente com Yoshua Bengio e Yann LeCun, Hinton foi distinguido com o prestigiado Prémio Turing pelas suas inovações nesta área. Mas em 2023 deixou o seu cargo na Google para se dedicar a alertar o público sobre os riscos da Inteligência Artificial. E esta semana voltou à carga.No podcast The Diary of a CEO, do empresário Steven Bartlett, Hinton afirmou perentório que “os trabalhadores de call centre e os assistentes jurídicos estão entre os empregos com maior probabilidade de serem substituídos pela IA”. Salientou que a IA já está a ter um impacto no mercado de trabalho para os recém-licenciados e expressou preocupações sobre a potencial “desigualdade de riqueza se a IA substituir muitos trabalhadores humanos”. Quanto às profissões mais seguras, Hinton não tem dúvidas: os canalizadores. “A IA levará muito tempo a igualar as capacidades humanas na manipulação física”, disse. Automação vs. complementaçãoApesar dos receios sobre a “extinção” de empregos, o estudo da Microsoft sublinha uma nuance importante: a distinção entre automação e complementação. “É tentador concluir que as ocupações que têm uma grande sobreposição com as atividades que a IA executa serão automatizadas e, portanto, experimentarão perda de emprego ou de salário e que as ocupações com atividades que a IA auxilia serão complementadas [pelos sistemas generativos] e aumentarão os salários. Isso seria um erro, pois os nossos dados não incluem os impactos comerciais a jusante da nova tecnologia, que são muito difíceis de prever e muitas vezes contraintuitivos”, alertam os autores.O estudo cita o exemplo das caixas multibanco, na sua origem, que “automatizaram uma tarefa central dos caixas de banco, mas levaram a um aumento no número de empregos, à medida que os bancos abriam mais agências a custos mais baixos e os caixas se concentravam em construir relacionamentos mais valiosos, em vez de processar depósitos e levantamentos”.Os dados da Microsoft também indicam que a IA não está a realizar todas as atividades de trabalho de qualquer ocupação na totalidade, e que a taxa de conclusão das tarefas pela IA não é de 100%, com o “âmbito do impacto” a ser geralmente moderado. Curiosamente, o estudo encontrou apenas uma “correlação positiva muito pequena entre a medida de aplicabilidade da IA e o salário ocupacional”. No entanto, há uma tendência de maior aplicabilidade da IA para ocupações que exigem um diploma de bacharel, em comparação com aquelas com requisitos educacionais mais baixos.A paisagem do trabalho está em constante evolução. Embora a IA generativa esteja a redefinir muitas funções no mercado laboral, especialmente no trabalho de conhecimento, as capacidades humanas insubstituíveis - como a destreza física, a interação pessoal e o raciocínio ético - continuam a ser uma arma contra a automação total. A adaptação, a inovação e a requalificação serão chaves para singrar no futuro do trabalho.