Como é que a criatividade e a inovação podem fazer a diferença no setor do turismo, especialmente em mercados como o português, onde este tem um elevado peso económico? Até há quatro anos, praticamente todos fazíamos o que sempre fizemos com o argumento de que “é assim que as coisas se fazem aqui!”. Depois veio uma pandemia global. A Geração Z entrou no mercado de trabalho, motivada por propósito, não pelo lucro. Os incêndios recentes em Portugal tornaram as alterações climáticas uma realidade para todos nós e, agora, surge a inteligência artificial (IA). Não podemos continuar a pensar como sempre pensámos. Precisamos de pensar de forma diferente, e isso exige criatividade. Acredito que algumas das competências mais valiosas da próxima década serão as mais difíceis de replicar pela IA, e todos nós nascemos com elas: criatividade, empatia, intuição, curiosidade e imaginação. Qual é, então, o papel das novas tecnologias e experiências criativas na atração turística e que exemplos se podem aplicar em Portugal? Acredito que a Realidade Aumentada (RA) irá permitir que Portugal e outros destinos possam criar experiências totalmente imersivas, valorizando visitantes de todo o mundo. Pense no sucesso do Pokémon Go, há cerca de dez anos. Usando um dispositivo que todos têm – o telemóvel – será possível criar experiências incríveis para os nossos visitantes. A Geração Z, por exemplo, está a mudar o foco de produtos e serviços para experiências, como o Museum of Ice Cream [Museu do Gelado, em Nova Iorque]. A RA permite partilhar experiências, ao contrário da Realidade Virtual, vivendo simultaneamente no mundo virtual e real, estando lado a lado com amigos e família. Por exemplo, como é que os restaurantes podem usar tecnologias como o Le Petit Chef para transformar uma refeição numa experiência gastronómica única? E se Fernando Pessoa pudesse sentar-se ao meu lado na Livraria Lello e ler para mim? Ou se os azulejos do Museu Nacional do Azulejo pudessem "falar", simplesmente ao apontar o telemóvel para eles? Como podemos dar vida à arte dos produtores de vinho do Porto de formas novas e mais envolventes? Veja-se o exemplo do 19 Crimes, um dos vinhos de crescimento mais acelerado nos EUA, que transformou uma garrafa de vinho numa experiência. Hoje, o Estádio da Luz acomoda 65 mil adeptos, mas o Benfica tem milhões de fãs em todo o mundo que nunca poderão assistir a um jogo ao vivo. É apenas uma questão de tempo até que tecnologias como o Apple Vision Pro se tornem mais acessíveis e compactas. Imagine milhões de adeptos a assistir a um jogo ao vivo por apenas 1 euro, 5 ou 10, dependendo da localização "virtual" no estádio. Esta é a promessa da Realidade Aumentada: melhorar ofertas existentes sem investimentos exorbitantes.Quais são os principais desafios para inovar num setor tão competitivo como o turismo? O de se manter naquilo a que chamo o “Rio de Pensamento”. A nossa própria experiência e conhecimento são, muitas vezes, os maiores obstáculos à inovação em qualquer setor. No mundo pós-pandemia, e com a IA, não há espaço para copiar o que os outros já fazem – ou inovamos ou desaparecemos. O desafio é simples: formamos advogados, equipas de vendas, equipas de IT, operadores, etc., nas suas áreas específicas, mas ninguém nos ensina a inovar. Dizem-nos apenas para nos fecharmos numa sala e termos grandes ideias, sem qualquer formação. Com base na minha experiência na Disney, criei um conjunto de ferramentas que tornam a inovação menos intimidante para pessoas normais, transformando a criatividade em algo tangível para quem não gosta de incertezas e tornando este processo divertido. São ferramentas que as pessoas escolhem usar quando o chefe não está por perto, simplesmente porque lhes dá prazer. E é neste momento que sabemos que estamos a criar uma cultura. Eu queria um livro que fosse ao mesmo tempo prático e acessível para pessoas ocupadas. Então, em vez de criar mais um livro de gestão para ficar esquecido na mesa de café, ou numa estante do escritório, criei uma ‘caixa de ferramentas’ chamada The Imagination Emporium, que é uma espécie de livro de receitas em que se acede ao que se quer quando quiser. Alguma vez participou num brainstorming que não produziu qualquer resultado? Veja na página 65 – por exemplo. Também incluí códigos QR em cada capítulo, com listas no Spotify de áudio tutoriais. E tem vídeos e ferramentas de IA. Pode-se, literalmente, perguntar ao livro como se pode usar uma das ferramentas específicas incluídas para resolver um problema concreto. E como pode a criatividade ser aliada da sustentabilidade no turismo? Veneza proibiu os grandes navios de cruzeiro e implementou um sistema de controlo de entradas diárias pagas. Barcelona tem enfrentado episódios desagradáveis devido ao “sobreturismo”, que se tornou evidente após a pandemia global. Muitos destinos e parques temáticos ainda gastam milhões em fogo de artifício, que gera poluição sonora e atmosférica e não pode ser reutilizado no dia seguinte. No entanto, os drones já existem há mais de uma década. Foi com satisfação que vi a Disneyland Paris criar recentemente um “Desfile no Céu”, usando equipamentos sustentáveis para recriar o Main Street Electric Parade no céu noturno. Em parte, devido ao excesso de turismo, às alterações climáticas e aos avanços tecnológicos, acredito que o turismo evoluirá para dois modos distintos: virtual, para quem não pode viajar; e presencial, para quem pode pagar por experiências premium. Como podemos "desbloquear" a nossa própria criatividade, mesmo que não nos consideremos "criativos"? Todos nascemos criativos. Brincávamos mais com a caixa do que com o brinquedo que vinha lá dentro. Pintávamos fora das linhas. Perguntávamos “porquê?” repetidamente. Depois fomos para a escola e ensinaram-nos a colorir dentro das linhas e a parar de perguntar “porquê?”, porque só há uma resposta certa. Quando pergunto quem são as pessoas mais criativas, dizem-me sempre que são as crianças. E quando lhes pergunto depois o que fazem as crianças melhor do que os adultos? Respondem-me: brincam. Então, qual é a importância de brincar na altura certa? Quando estamos a trabalhar e ocupados, os nossos cérebros estão naquilo a que a ciência chama Beta. O estado cerebral em que só temos acesso ao nosso cérebro consciente. Acreditem ou não, o nosso cérebro consciente tem apenas 13% da capacidade do nosso cérebro. O melhor estado cerebral para a criatividade no trabalho é Alfa, quando temos acesso tanto ao nosso cérebro consciente como ao subconsciente (os outros 87% da capacidade do cérebro). Como é que passamos de Beta para Alfa? Brincando no momento certo. Eu faço Energizers, que podem ser encontrados no The Imagination Emporium. São exercícios especificamente concebidos para provocar o riso. Porquê? Porque no momento em que ouço uma gargalhada sei que acabei de pôr toda a gente no estado Alfa do cérebro. Quais são os principais "bloqueadores" da criatividade no ambiente de trabalho e como podemos superá-los? Quando pergunto às pessoas o que é que as impede de serem mais inovadoras e criativas no trabalho, a resposta mais comum que recebo é “não tenho tempo para pensar!”. Mas se perguntarmos às pessoas onde estão quando têm as suas melhores ideias, ninguém diz que é no trabalho. A maior parte das vezes é no duche, na cama, a correr, etc. – onde estão quando têm tempo para pensar. No entanto, enchem as agendas das 9 às 17 horas com reuniões intermináveis. Mas eis que surge a IA, que está prestes a dar-nos o que mais desejamos: tempo para pensar. A IA fará, à velocidade da luz, os nossos relatórios semanais, com despesas, previsões, análises, etc. Fará as tarefas mundanas que nos ocupam tanto tempo, devolvendo-nos tempo para pensar. Uma frase comum no Reino Unido é “não há tempo como o presente”. Eu inverteria essa frase para “Não há presente como o tempo.” Ofereça a si próprio e às suas equipas o presente do tempo para pensar. Como é que as empresas podem criar uma cultura que valorize a inovação e a criatividade? As empresas que valorizam o conjunto de competências mais difíceis de programar na IA (criatividade, imaginação, empatia, curiosidade e intuição) serão as mais bem-sucedidas, já que misturam o melhor dos algoritmos que a IA oferece com o lado humano dos seus próprios empregados. Acredito também que é necessária uma mudança fundamental de mentalidade. A repetição de processos para alcançar resultados trimestrais levará muitas organizações à falência, à medida que a Geração Z entra no local de trabalho, movida por objetivos e não por lucros. Alguns argumentarão, sem dúvida, que as competências que referi há pouco não eram assim tão importantes no passado e também não era importante o tal propósito [da Geração Z]. Bom, agora são. Que importância têm os erros no processo criativo, e como podem ser vistos como oportunidades? Veja-se o sucesso da Virgin e de Richard Branson. Tentaram a Virgin Cola, a Virgin Vodka, a Virgin Megastores, comboios, hotéis, navios de cruzeiro, serviços móveis, etc. Alguns dos quais existem atualmente, mas muitos já não existem. E então, considera-os uma empresa falhada? Certamente que não. A minha definição preferida sobre este tem é, de facto, o acrónimo F.A.I.L. First Act In Learning.